Pela primeira vez nesta pandemia, todas as 184 cidades cearenses entraram simultaneamente em lockdown. Na quinta-feira (11) a noite, o governador Camilo Santana (PT) anunciou que a partir deste sábado (13), todo o Estado estaria incluso nas normativas mais restritivas de circulação e funcionamento do comércio. A decisão tem o objetivo de reduzir a transmissão do vírus e, consequentemente, desafogar as unidades de saúde que estão à beira do colapso.
A medida foi elogiada por uns e criticada por outros. A Associação dos Municípios do Ceará (Aprece) e o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems), defendem que o decreto é necessário para tentar conter o avanço do coronavírus. O prefeito de Chorozinho e presidente da Aprece, Júnior Castro, frisou que “a decisão do governador foi amparada em avaliação técnica e necessária para diminuir a circulação do vírus para dar fôlego aos hospitais que estão lotados”.
Ele pediu “a adesão de todos os prefeitos e o apoio e compreensão dos moradores e empresários para o momento difícil que o país atravessa”. O gestor destacou ainda que o cenário é grave e delicado, uma vez que “a onda atual ocorre de forma geral, diferentemente do ano passado, quando iniciou de forma mais regionalizada”.
A secretária da Saúde de Iguatu e presidente do Cosems, Sayonara Moura Cidade, também avalia de forma positiva a nova determinação. “Concordamos com o decreto e, infelizmente, não há outro caminho, porque, se essa medida não fosse adotada, a situação iria piorar ainda mais”.
A gestora acrescenta que decisões conjuntas tendem a ter mais resultados do que as medidas individuais. “Se um fizer, mas os vizinhos não adotarem, não vai ter impacto na evolução dos casos”. Essa evolução preocupa a presidente do órgão. Ela destaca que a evolução da doença nesta segunda onda tem sido rápida e mais letal. “Vidas serão perdidas e muitos não terão sequer acesso ao atendimento nos hospitais, a situação é delicada”.
Apoio ao decreto
O prefeito de Iguatu, Ednaldo Lavor, garantiu que “o decreto será cumprido” e considerou “as medidas mais rígidas de isolamento social importantes e indispensáveis”. O assessor da Prefeitura de Icó, Fabrício Moreira, lembrou que desde o início desta semana que “o município já vive sob a adoção de medidas rígidas, uma espécie de lockdown, e a fiscalização será intensificada”. Moreira observou ainda que “os doentes não param de chegar ao hospital e que o número de óbitos também vem crescendo”.
Em Várzea Alegre, o prefeito Zé Hélder, também já se reuniu com a equipe e planejou ações mais intensas de fiscalização. “Concordamos e aderimos ao decreto”, pontuou.
A presidente da Câmara Municipal de Jucás, Dora Cunha, pontuou que o lockdown será cumprido ao passo em que ressaltou que “a situação ficará ainda mais difícil para as empresas pequenas e médias existentes no interior”. No entanto, Dora pediu apoio dos moradores.
Sem bebidas alcoólicas
Ricardo Silveira, prefeito de Quixadá, maior cidade do Sertão Central, considera que as medidas mais rígidas decorrem de um “momento sem precedentes”. Ele concorda com o lockdown e acrescenta que “tem sido feitas muitas ações para frear seu avanço, como a criação da Lei Seca, que baniu o consumo de bebidas alcoólicas no período do nosso decreto, o que nos permitiu ter uma redução significativa no número de casos em jovens do nosso município”.
Apesar das medidas adotadas em Quixadá desde a semana passada, Ricardo considera que não está sendo suficiente para conter a transmissão do vírus. “O Estado do Ceará está vivendo, realmente, uma pandemia que está trazendo um colapso na saúde com superlotação nos hospitais. Não existe uma outra possibilidade ou alternativa, a não ser seguir a recomendação por parte do Governo do Estado. Sei que não é uma coisa fácil, mas precisamos seguir acatando essas decisões, porque nosso objetivo maior é continuar salvando vidas”.
Já o chefe do executivo de Crato, Zé Ailton Brasil, conta que os prefeitos das principais cidades da região do Cariri se reuniram na tarde desta sexta-feira (12) para discutir o cumprimento do decreto, principalmente intensificando a fiscalização e monitorando os casos suspeitos e confirmados da doença. Além disso, prevê um novo decreto municipal que dedica uma atenção para evitar aglomerações nas agências bancárias. “Os bancos passam a ser responsáveis. Terão que eliminar as filas, manter o distanciamento. Esse vai ser um dos pontos centrais do nosso decreto, além do cumprimento do que foi definido pelo Estado”.
Protesto de comerciantes
Na região do Cariri, que por decisão dos prefeitos não teria lockdown, os comerciantes receberam com protesto o novo decreto do Governo do Estado, que determina o isolamento social rígido. Na tarde desta sexta-feira (12), alguns veículos trafegaram na Rua São Pedro, principal via comercial de Juazeiro do Norte, convidando lojistas e ambulantes para se manifestarem contra o fechamento dos serviços considerados não-essenciais.
A vendedora ambulante Fátima Soares já temia que o comércio fechasse. Há dois meses, sem trabalho, decidiu vender doces caseiros no Centro da cidade. “Não sei como vai ser daqui pra frente. Foi o que encontrei para conseguir me sustentar”, desabafa. Gerente de uma loja de calçados, Rafael Leandro acredita que novamente terão que se adaptar, trabalhando com o serviço de delivery. “É uma forma de evitar demissões, já que muitas famílias dependem disso”, acredita.
O prefeito de Juazeiro do Norte, Gledson Bezerra, se mostra contrário ao decreto. Segundo ele, a intenção era editar medidas mais restritivas, mas sem instituir o lockdown. “Por exemplo, com relação a proibição da venda de bebidas alcoólicas, queríamos achatar a curva de contágio, evitar festas clandestinas com aglomerações de pessoas e os acidentes de trânsito, que, por consequência, agravam a lotação nas unidades clínicas e de UTI”, explica.
Já para o prefeito de Saboeiro e presidente do Consórcio Regional de Saúde, Marcondes Ferraz, considera que a medida rígida é “aceitável para as grandes cidades”, mas que não se encaixa com as pequenas. O gestor disse que irá “adaptar o novo decreto à realidade do município”. “Não podemos comparar Saboeiro com Juazeiro, somos uma cidade pequena”, justificou. Ele, no entanto, não especificou quais adaptações seriam estas, uma vez que o decreto estadual estabelece que as medidas ali determinadas não podem ser relaxadas.
Situação grave nos hospitais
A diretora do Hospital Regional do Cariri (HRC), Demostênia Coelho, que gerencia a unidade referência para toda a macrorregião, entende que a decisão do lockdown é “polêmica”, mas que para o atual momento da pandemia “se faz extremamente necessária”. “Não só na tentativa de barrar a transmissão do vírus, mas de reduzir o tráfego e, por sua vez, reduzir a quantidade de acidentes, possibilitando que as estruturas hospitalares consigam ampliar a oferta de leitos para o atendimento à covid”, justifica.
Segundo os dados da plataforma IntegraSUS, da Secretaria de Saúde do Estado(Sesa), a macrorregião de Saúde do Cariri está com uma taxa de ocupação nos seus leitos de UTI de 86,86%, enquanto os leitos clínicos aparecem com 55,38%. Porém nas vagas apenas de leito adulto de UTI a situação é mais grave, estando com ocupação de 94,4%.
No caso do HRC, de suas 44 vagas de UTI, 43 estão preenchidas. Na enfermaria, todos os 25 leitos também estão ocupados. “O Governo do Estado não tem medido esforços para ampliar nossa rede hospitalar. No entanto, na medida que ampliamos, percebemos que a ocupação é muito rápida. Só na última semana, conseguiu ampliar mais 25 leitos para atendimento Covid”, ressalta a diretora da Unidade. “Porém, a responsabilidade de vencer essa luta é de todos nós. Ampliaremos ainda mais. Mas contamos com o apoio da população no tocante a prevenção. Se protejam, protejam quem vocês amam, fique em casa”, suplica Demostênia.
Por André Costa/Antonio Rodrigues/Honório Barbosa
Fonte: Diário do Nordeste