Andar pela cidade é um desafio em qualquer parte do Brasil. Calçadas estreitas, sem piso tátil e rebaixamento para cadeirantes. Imagine isso em Juazeiro do Norte, município que, aprovou uma lei que amplia o horário de permanência de mesas e cadeiras nos passeios públicos.
A Lei nº 4.977, proposta pelo vereador Antônio Vieira Neto, altera a Lei Complementar de nº 104 de 21 de outubro de 2015, do Código de Posturas do Município. Se antes, em casos excepcionais, era permitido que bares e restaurantes, mediante autorização prévia e pagamento de taxa, colocassem mesas e cadeiras nas calçadas, de sexta-feira a domingo, entre as 20h e a meia-noite, agora, será autorizado todos os dias, das 18h às 2h. O projeto foi sancionado no último dia 31 de maio.
O vereador Antônio Vieira Neto, o Capitão Vieira, autor do projeto, acredita que o Município pode legislar sobre o uso das calçadas, sem ferir o direito de ir e vir das pessoas. “Não são 24h. As pessoas têm que se adaptar para onde vão. Um cadeirante vai para a Praça La Favorita 10 horas da noite?”, provoca. Por outro lado, explica que a principal motivação é fomentar a geração de emprego no comércio formal e informal. “Mais de 20 mil pessoas são beneficiadas direta e indiretamente. Proibir (de colocar mesas e cadeiras) é tirar o direito de empreender. Temos que observar as características de nossa cidade”, completa.
Desde 2014, a acessibilidade se tornou pauta de destaque pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). Para a promotora de Justiça, Efigênia Coelho, coordenadora da unidade descentralizada do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), em Juazeiro do Norte, a lei aprovada é inconstitucional, fere o Código Civil, o Estatuto do Deficiente e o Estatuto das Cidades. “Ela também padece de vícios. É uma lei ordinária alterando uma lei complementar. Só aí é uma lei es- drúxula por natureza. Se as autorizações forem concedidas com base nessa lei e não com base no Código de Postura, o MPCE refutará juridicamente cada autorização”, reforça.
O erro foi detectado pelo próprio autor da lei, que garantiu que entrará com o pedido de votação de um novo projeto, nos mesmos moldes, só que agora como lei complementar. “Foi um erro de impressão. Houve um erro na leitura tanto da nossa Comissão de Justiça, quanto da Procuradoria. Vamos pedir regime de urgência para ser votado novamente”, explica.
Em dezembro de 2015, o órgão ministerial entrou com uma Ação Civil Pública contra o Município de Juazeiro do Norte com uma série de exigências para que os espaços públicos de uso comum fossem readequados. Entre os vários pedidos, há a cobrança de uma fiscalização maior ao uso indevido de calçadas por bares e restaurantes e pelo comércio, que coloca as mercadorias fora das lojas, “inviabilizando o direito de ir e vir dos cidadãos, notadamente das pessoas que têm mobilidade reduzida ou deficiência visual”, explica Efigênia. O MPCE também solicita que seja feito um diagnóstico da cidade, através de zonas, e a regulamentação dos toldos.
Embate
A ação tramita desde 2016. Porém, como foi instalada a unidade descentralizada do Decon, o MPCE passou a ter poder de Polícia na defesa do consumidor, podendo autuar e aplicar sanções, desde a perda de bens, multas e até interdição do estabelecimento. Através de um processo administrativo, Efigênia pediu a lista de todos os restaurantes e bares do Município e apresentou uma série de exigências para serem cumpridas. Os empresários foram notificados. Entre os pedidos estão o Certificado de Conformidade do Corpo de Bombeiros, Alvará Sanitário e Sonoro (caso use), o programa de gerenciamento dos resíduos sólidos e adequação à acessibilidade. Além disso, claro, alvará caso utilize espaço público.
Depois do prazo, foi feita uma audiência pública com participação massiva dos empresários. “Não houve resistência dos restaurantes. Eles só pediram tempo. A resistência de alguns foi em usar as calçadas. Neste aspecto, o MPCE será intransigente”, reafirma Efigênia. O vereador Capitão Vieira contestou toda esta situação. “Iremos junto com Município procurar uma forma de ajudar essas pessoas de gerar emprego. Não apenas proibir de todas as formas. Taxar prazos e datas como fez o Ministério Público. O Município é que tem esta competência. Se ver irregularidade, o Ministério Público entra em ação contra o Município”, opina.
Realidade
Aos nove anos de idade, José Veríssimo dos Santos, que nasceu cego, fugiu de casa para estudar e trabalhar. Hoje, locutor de rádio, fundador e presidente da Associação das Pessoas com Deficiência Visual de Juazeiro (ADV), se preocupa com a situação, sobretudo, com a lei municipal aprovada. “Como vão andar os cadeirantes? As pessoas de melhor idade. Isso é um abuso!”, reforça. Para ele, trafegar é um desafio, especialmente, em Juazeiro do Norte.
“Aqui já não tem calçada. São estreitas. Ainda tem um monte de loja que tira seus produtos e coloca na calçada. Se um cara coloca mesa e cadeira na calçada, a pessoa anda pela rua e sofre acidente, quem vai pagar?”.
O empresário Jônatas David de Lima, cadeirante, atua hoje como diretor do Núcleo de Acessibilidade da Secretaria de Infraestrutura de Juazeiro do Norte e aponta diversos desafios. “O principal problema são as faixas de pedestre interrompidas por canteiros centrais e faixas sem rebaixamentos nas suas extremidades, também mesas e cadeiras nas calçadas, motos estacionadas nas calçadas, mobília de residência. As pessoas fazem jardim na calçada, acreditam que a calçada faz parte da casa. Com isso, o pedestre ficou mal acostumado e não reconhece a calçada como local de movimento dele e vai ao asfalto naturalmente”, narra.
Outro problema comum são os desníveis entre uma calçada e outra. Além disso, há ainda falta de rebaixamento nas esquinas e piso tátil. O empresário aponta os bairros mais problemáticos: Centro, Socorro e São Miguel.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste