Como um professor, o adolescente Gustavo*, de 16 anos, explica o grafite feito coletivamente pelos jovens que cumprem medidas socioeducativas no Centro José Bezerra de Menezes, em Juazeiro do Norte. “Os pássaros significam a liberdade. Estas duas mãos são duas pessoas, uma ajudando o outra a subir na vida. O regador é pra regar a vida de uma pessoa que ainda vai nascer. O barco mostra que, mesmo na tempestade, ainda existe fé”, descreve um a um, apontando com um dedo para as ilustrações.
Há dois anos, os meninos que estão no equipamento recebem aulas de pintura com o artista plástico cratense Wanderson Petrova. Com telas, tintas e pincéis na mão, os adolescentes colocam para fora suas angústias, as dificuldades, seus sonhos e esperança. Com incentivo do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), através da Promotoria de Infância e Juventude do Município, os garotos viram seus quadros se tornar uma exposição permanente na sede do órgão, na terra do Padre Cícero.
“É uma forma de eles se sentirem valorizados e tirar o estigma sobre os meninos”, justifica o promotor de Justiça Flávio Corte. Para os trabalhos expostos na sede das promotorias, ficou definido junto com Petrova e os adolescentes que as pinturas enfatizariam as atribuições do MPCE.
O resultado foi surpreendente. Na tela do Emerson, de 15 anos, batizada como “Nenhuma mulher deve se calar”, o jovem trabalha o combate à violência contra a mulher, uma das pautas do órgão ministerial. “Fala sobre o quanto a minha mãe foi massacrada de várias formas. Ela sempre chorava e nada poderia fazer ou falar”, pontua o autor.
Reclusão
A primeira vez que chegou ao Centro José Bezerra, devido a um roubo que tinha cometido, Mateus* tinha apenas 14 anos. Sua primeira passagem durou 11 meses. Neste período, sua filha nasceu e o garoto sequer pôde acompanhar o parto. “É saudade demais”, conta, emocionado. Foi a criança sua primeira inspiração para pintar. “Eu olhava o quadro para matar a saudade”, admite. Este ano, voltou ao equipamento por tráfico de drogas.
Seu amigo de infância também não verá sua filha nascer, já que sua companheira está com cinco meses de gravidez. “Essa é minha segunda ‘queda'”, conta Isac*, de 17 anos. Na primeira, passou um ano e dois meses recluso por envolvimento em tráfico de drogas. Nesta última “queda”, participou de um assalto. Inspirado na “mudança”, pôs na tela um camaleão. “A gente pode mudar de vida”, enfatiza.
Os dois meninos são naturais de Acopiara, na região Centro-Sul do Estado, um dos 43 municípios assistidos pelo Centro José Bezerra de Menezes. Em comum, ambos tiveram uma infância difícil. “Nós sempre andávamos juntos. Era mesmo como irmão. Fugia da escola”, narra Isac, que nunca conseguiu aprender a ler.
O contato com as drogas começava na porta do colégio. Depois, os dois passaram a vender maconha. “Meu pai não me criou. Não deu o amor dele. A gente tem que ter o pai para estruturar. A mãe do ‘caba’ não vai poder segurar para sempre”, justifica Isac. “Nossa infância foi destruída”, completa Mateus. “Eu tinha a ficha enorme. Aí toda vez que a Polícia pegava, colocava alguma coisa em mim, mesmo sem eu ter nada”, defende-se.
Os adolescentes planejam deixar Acopiara quando saírem da reclusão pois acreditam que terão dificuldade de encontrar um emprego na sua terra natal. “Vão me julgar ‘mode’ o passado”, reafirma.
Atividades
A rotina dos 80 adolescentes que estão no Centro Socioeducativo inclui aulas, oficinas de arte, futebol e outras atividades. Contudo, à noite, ficam trancados nas celas. Das diversas oficinas, os dois acopiarenses, se encantaram com a pintura, mesmo sem nunca ter desenhado na infância. “Eu gosto de usar verde e branco. Branco é a paz e verde é a esperança”, conta Isac. “Quando pinto, nem parece que estou aqui dentro. Pareço estar em outro mundo. Pensando só no que estou pintando e que não tem ninguém perto”, descreve Mateus.
Confissões como as do adolescente Júlio*, que viu sua mãe ser violentada, muitas vezes não é dita aos psicólogos do equipamento. “A arte expressa algumas coisas que não podem ser verbalizadas”, destaca o artista e professor Wanderson Petrova.
Um dos relatos mais marcantes ouvidos pelo artista plástico é o de um garoto que afirmou que seu maior sonho é um dia poder sentar-se na esquina de casa e tomar um refrigerante com seu pai. “Para a gente pode ser uma coisa próxima, um sonho banal, para eles é uma meta de vida, um desejo gritante de mudança”, finaliza Petrova.
*A identidade dos personagens foi preservada. Os nomes são fictícios
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste