Com a pandemia de Covid-19, milhares de pessoas espalhadas pelo Brasil passaram a compartilhar suas vivências e como enxergam o mundo por meio de fotografias feitas da janela de casa. No interior do Ceará, a ação ganha retoques das culturas locais e se mistura com a realidade do campo. É o que propõe o projeto ‘Janelas Digitais’, que por meio de fotografias mostra o cotidiano de jovens de comunidades rurais no Estado durante o isolamento social.
É dos alpendres, espaços de convivência tradicionalmente encontrados nas residências do Interior do Ceará, que o projeto ganha vida. “O lugar onde moro, uma simples comunidade. As casinhas afastadas, com tanta simplicidade. Permanecemos unidos em qualquer dificuldade”, descreve, em verso, a jovem Eliana Teles, de 25 anos. Os registros são feitos da entrada da casa, no Sítio Guritiba, em Santana do Cariri.
“Para não enlouquecer em meio a esta situação, onde o afastamento é o maior exemplo de amor, de compaixão, me pergunto se este momento vai nos deixar alguma lição ou tanto tempo terá sido em vão?”. O cordel, de autoria de Francisco Diego de Abreu, de 28 anos, também reflete em versos as cores das fotografias feitas do alpendre de sua casa, na comunidade de Batoque, em Pacujá. “Nossa antiga casa e nosso aviário. Passado e futuro, sustentabilidade”, descreve.
“Tanto tempo para parar, pensar e refletir: será que vamos mudar nossa forma de agir e passamos a entender que temos que coexistir? Será que vamos valorizar nosso direito de ir e vir? Em meio a isso tudo onde minha vista consegue ir, vejo que a natureza parece ressurgir”, finaliza o cordelista.
Rede do bem
Os cordelistas integram o grupo dos 13 jovens da Rede de Jovens Comunicadores/as do Projeto Paulo Freire, da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA). A articulação de jovens rurais atua nas mais diferentes frentes nas suas comunidades. Neste cenário, o “Janelas Digitais” surgiu como uma ação dialogada dentro desta Rede e a partir da perspectiva de olhar para o território e identidade durante o período de pandemia, quando a população do campo e da cidade precisa permanecer em casa.
A Rede de Jovens está presente no Cariri, Sertões dos Inhamuns e Sobral, com três linhas de atuação: 1 – Mobilização e participação social; 2 – Formação continuada; e 3 – Produção e disseminação de conteúdo.
Projeto
“Semanalmente, realizamos acompanhamento destes grupos e em um desses encontros os jovens levantaram a pauta com gancho da Covid-19. Com a pauta definida, escolhemos a linguagem, neste caso, a fotografia, e a partir de seus aparelhos celulares realizam [os jovens do projeto] os registros. Buscamos dar visibilidade por meio das redes sociais e mídias oficiais, institucionais e comerciais”, explica o educomunicador da SDA, Rones Maciel.
“Os próximos ensaios trarão temas relacionados a ações do Projeto Paulo Freire e suas comunidades”.
Segundo ele, os jovens têm atuado e potencializado variados temas, como segurança alimentar (quintais e roçados produtivos), acesso à tecnologias (internet e celular), programas emergências (cadastro de famílias e acompanhamento), educação e sensibilização das pessoas quanto aos cuidados e prevenção ao novo coronavírus, especialmente as mais velhas.
Saudade transformada em arte
Nos relatos e textos enviados junto com as fotografias, fica evidente como o distanciamento social tem impactado no cotidiano dos moradores. A saudade, neste caso, vira arte. “Da minha janela, consigo avistar a igreja e lembrar que não poderemos celebrar a festa do nosso padroeiro. Mas também da minha janela é possível ver a lagoa que dá nome à comunidade”, conta Laissa Pereira Gomes, 20, de Lagoa do Anjo, em Parambu.
Nas fotografias, ela mostra as transformações na paisagem do sertão, modificada pelas boas chuvas que banharam o Ceará neste ano. “Onde antes só se via terra seca, hoje é lindo de ver, pois está cheia de vida”, descreve a jovem.
Cosmo Veras, 23, da comunidade Engenho Velho, em Ipueiras, nomeia a fotografia feita da tia, Dona Luiza Cardoso, de “Retrato de Realidade do Campo”. “Em meio ao fundo de uma paisagem verde, a sombra de um bom alpendre, minha tia paterna encostada na parede a espera das boas e antigas visitas de sobrinhos, familiares e amigos para prosear e apreciar um ar puro vindo da naturalidade do lugar”, descreve: “Se cuidando e ficando em casa“.
Fonte: Diário do Nordeste