Professores e acadêmicos da Universidade Regional do Cariri (Urca), iniciaram, neste semestre, um projeto de pesquisa cujo objetivo é desvendar como eram tratados os pacientes internados no antigo Hospital Manuel de Abreu, em Crato, que funcionou por cerca de quatro décadas. Ao todo, quatro professores e quatro estudantes das áreas de História, Enfermagem e Artes Visuais, pretendem produzir, até a metade do ano que vem, um livro e um documentário, que mostre, principalmente, como era feito o tratamento da temida tuberculose, que aterrorizou e matou muitas pessoas no Cariri. Três visitas foram feitas à antiga unidade de saúde e a equipe encontrou documentos diversos abandonados.
“São aos milhares, rasgados, molhados, muitos foram queimados. São prontuários, fichas de funcionários, relação de pacientes, balanço financeiro. É uma documentação importantíssima para o Cariri”, acredita o coordenador do projeto, Egberto Melo. Partes destes documentos que estavam largados foram recolhidas pela equipe. “Eram extremamente antigos, do início das operações do hospital”, conta Egberto. Todo este material será minuciosamente analisado. A doença se alastrou na década de 1960 e assustou o País. No Cariri, não havia nenhum local especializado em tratar a doença, então, os pacientes tinham que se deslocar até Recife e Maracanaú. Mesmo assim, muitas famílias se viam estigmatizadas pela possível transmissão da bactéria e isso mudou as relações entre as pessoas.
A sociedade cratense não era diferente de outros lugares e acreditava que a doença era altamente contagiosa. Lençóis e roupas do paciente eram queimados, utensílios domésticos também eram separados. Mesmo após a morte, seja de tuberculose confirmada ou não, as casas eram destelhadas para “matar a bactéria”. Na década de 1960, se criou uma cultura de isolar os enfermos, inclusive da própria família. O médico José Flávio Vieira lembra que, após a morte de uma destas pessoas, os pais pediam para “não passar nem na porta”. Com isso, o local, erguido na década de 1940 para ser um seminário da Ordem da Sagrada Família, caiu como uma luva, pois, já havia estrutura de internamento. O tratamento da tuberculose chegou a ser anunciado em revistas no Brasil todo, a exemplo do que também ocorrera na região do Cariri. “Alguns destes anúncios fala sobre o isolamento”, conta o estudante de História, Roberto Júnior. Como recebia recursos do Funrural, o tratamento seguia um protocolo adotado no País. Roupas, profissionais e ambientes eram totalmente diferentes dos pacientes comuns. “Era uma coisa à parte do hospital”, completa a acadêmica. Através das notícias dos jornais, os pesquisadores da Urca identificaram algumas pessoas que participaram do tratamento da tuberculose. Porém, o medo de falar sobre a doença e o isolamento sofrido no antigo Manuel de Abreu têm impedido que o grupo entreviste, tanto profissionais quanto pacientes. Os docentes avaliam que estes personagens são fundamentais para as produções do documentário, livro e artigos científicos. Os pesquisadores também têm como objetivo descobrir, no curso dos estudos, se os pacientes sofriam algum tipo de mau-trato, diante do temor de transmissão que a doença sugeria.
Memória
Além de desvendar como estas centenas de pacientes eram tratados durante o confinamento, a pesquisa objetiva ainda a “preservação” deste período que, na avaliação de acadêmicos e professores, é singular. Para isso, o grupo sugere a criação de um espaço destinado ao armazenamento e estudo de tudo que será catalogado ao longo dos 12 meses de pesquisa. “Isso seria muito interessante. Poderia guardar essa memória, não só da tuberculose, mas do próprio prédio que abrigou importante capítulo da história do Crato”, finaliza Egberto.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste