A promoção da acessibilidade para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida está garantida na lei Nº 10.098, de 2000. Apesar da normativa, na prática, o cenário na maioria das cidades brasileiras é bem diferente do previsto.
Em Juazeiro do Norte, o problema é crônico. Segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 0,41% do Município conta com rampas para cadeirantes, índice menor que os 3,16% da média nacional. Os problemas, segundo a pesquisa, vão além. Do total das ruas da cidade, 6,7% não são pavimentadas e 9,7% das vias estão sem calçadas.
O número fica ainda mais preocupante quando se observa o universo de pessoas com alguma deficiência ou limitação motora. Juazeiro conta com 20.265 pessoas inclusas neste perfil, resultando em torno de 8,10% de sua população. Já as pessoas com deficiência visual somam 53.213, que representa 21,2% de habitantes. No entanto, deste número, 412 não enxergam de modo algum e 10.116 tem bastante dificuldade. Já o número de idosos ultrapassa a marca dos 10,5%.
Apesar de não haver nenhum Censo mais recente ao de 2010, o presidente e fundador da Associação Defensora das Pessoas com Mobilidade Reduzida (Andare), o empresário Jônatas David de Lima, aponta que os problemas, em 2020, são ainda mais graves. Conforme a Andare, atualmente, quase 90% das calçadas de Juazeiro do Norte são irregulares.
Jônatas reconhece que a conservação, manutenção e adequação é de responsabilidade do proprietário de cada imóvel, mas cabe ao Poder Público sua fiscalização. “O País é craque em fazer lei e não fiscalizar. Tem que ter 1,5 metro de largura, não pode ter planta obstruindo, desnível, se for de esquina, precisa de rebaixamento”, detalha Jônatas.
Um dos agravantes, ainda segundo o presidente da Associação, é o crescimento desenfreado da cidade. A reportagem do Sistema Verdes Mares percorreu vários pontos de Juazeiro do Norte e identificou passeios públicos irregulares, sem rebaixamento, mesas e cadeiras de bares e restaurantes ocupando as calçadas. Os próprios prédios públicos também não atendem as exigências. Para Jônatas, além de ser um problema estrutural, “é também cultural”.
Locutor de rádio, José Veríssimo dos Santos nasceu sem a visão e classifica andar em Juazeiro do Norte como “um desafio”. “Aqui, as calçadas não são adaptadas e estreitas. As lojas ainda tiram seus produtos e colocam na calçada”, diz. Outro problema é ausência total de sinais sonoros. “Não há condições de saber se pode atravessar a rua sozinho”, completa.
A professora da Universidade Regional do Cariri (URCA) Firmiana Fonseca, com pesquisa de doutorado em acessibilidade no Cariri, explica que a primeira dificuldade surge da própria geomorfologia da região. “Temos ladeiras que dificultam os acessos, mas mesmo que não tenha, nossas calçadas não estão aptas. São estreitas, tem que competir com objetos e os pisos não são favoráveis”, descreve. Além disso, há um hábito local de colocar degraus nas calçadas. “Obriga as pessoas a caminharem pela faixa de rolamento dos veículos, correndo risco”.
O transporte público é outro aspecto importante, aponta a professora. “Nem todos estão adaptados para receber alguém com mobilidade reduzida. Mesmo sem ser cadeirante, não pode subir o degrau alto. A calçada deveria ter uma altura que viabilizasse. É por isso que não pode deixar de falar de acessibilidade sem mobilidade”, acredita.
Em Juazeiro do Norte, a Auto Viação Metropolitana, a Via Metro, opera no transporte urbano e intermunicipal. Antes da pandemia, a média era de 30 mil passageiros por dia. “100% da frota conta com acessibilidade”, diz o gerente, José Cláudio Maia.
Prédios públicos
A própria sede da Prefeitura, por exemplo, não têm elevador de acesso aos três andares do prédio. A Biblioteca Municipal, em reforma, também não atendia as exigências. Até a atual sede da Secretaria de Infraestrutura do Município (Seinfra), órgão responsável pela fiscalização, também descumpre legislação com o popular “batente” (elevação entre a calçada e o prédio).
O promotor de Justiça José Carlos Félix contabiliza 34 processos administrativos relacionados à acessibilidade em prédios públicos de Juazeiro do Norte. Por meio da 3ª Promotoria de Justiça de Juazeiro do Norte, José Carlos requisitou aos órgão municipais e estaduais, como a Seinfra, Departamento Municipal de Trânsito e o Núcleo de Atividades Técnicas (NAT) do Corpo de Bombeiros que fizessem inspeções nas sedes das instituições para identificar a adequação da acessibilidade.
“Alguns equipamentos públicos e privados têm atendido e providenciado algumas modificações para melhor acessibilidade após as inspeções realizadas”, explicou.
O titular da Seinfra, Isaac Daniel Lima, explica que sua Pasta elaborou um mapeamento de todas as sedes de órgãos públicos municipais, estaduais e federais para possibilitar a elaboração de projetos de reformas de acessibilidade deles. Os relatórios foram encaminhados ao MPCE.
Isaac ressalta o aumento da fiscalização quanto à desobstrução de calçadas e passeios públicos. “Houve reformas de praças públicas para a inclusão de rampas e piso tátil, além do acompanhamento de obras em execução, visando à observância dos regramentos atinentes à acessibilidade”, afirma.
Estabelecimentos
A falta de acessibilidade é identificada até em estabelecimentos abertos recentemente e com alvará, mesmo não estando adequados às normas. “Os que mais me preocupam são os que fazem aparência de acessibilidade”, pontua Jônatas. “Para o leigo, parece que há, mas, na prática, não atende. Os banheiros tem sanitários baixos, que impedem o retorno a cadeira de rodas, a porta abre para dentro, a inclinação das rampas é maior que o recomendado”, enumera.
A Secretaria de Meio Ambiente e Serviços Públicos (Semasp) é responsável por fiscalizar bares e restaurantes para o uso correto de funcionamento. Ao perceber alguma infração, a Semasp disse que autua e notifica os responsáveis pelo empreendimento. As penalidades vão de uma simples advertência até o cancelamento do Alvará de Funcionamento.
Em obras recém-inauguradas ou em andamento, como o Anel Viário, a Andare alega também não haver acessibilidade. Segundo a Associação, em todos os 8,56 km de extensão das três etapas não há piso tátil e rebaixamento.
A Secretaria Estadual das Cidades, responsável pela construção deste trecho, informou que a rodovia é projetada para carga pesada, em áreas majoritariamente não adensadas. Mesmo assim, informou sobre o projeto, para os próximos meses, de rebaixamento de calçada em quatro trechos, sem especificar o prazo de conclusão. A Superintendência de Obras Públicas (SOP), já responsável pelo quarto trecho da obra, informou por meio de sua assessoria que também contemplará quatro trechos do trajeto de 6,84 km.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste