A chegada de dezembro carrega consigo uma simbologia muito forte para o sertanejo. É o início de um ciclo que representa esperança ao homem do campo que, nos últimos anos, padece à espera da chuva. É neste mês que, oficialmente, começa a pré-estação chuvosa no Ceará.
Bons volumes pluviométricos entre dezembro e janeiro não garantem, necessariamente, uma quadra chuvosa (fevereiro a maio) regular, mas sinalizam dias melhores para quem vive da lavoura.
“A terra já está preparada. Se chover nesses dias, o plantio vai vingar”, anseia o agricultor Francisco Oliviano Bezerra, que preparou três hectares na zona rural de Santana do Cariri, onde plantará milho, feijão e arroz.
A cidade onde mora o pequeno produtor rural está situada na região onde, historicamente, as chuvas chegam mais cedo. Neste ano, o padrão se confirmou. Entre 7 horas de domingo e 7 horas de ontem (9), o Cariri concentrou os maiores volumes do Estado nos últimos seis meses. De acordo com a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), choveu 90 milímetros em Barbalha. A última precipitação com intensidade maior ou igual foi em 18 de junho, quando registrou-se 106 mm em Porteiras.
Neste início de semana, o órgão observou pluviometria em outros 50 municípios, com destaque para o Cariri, que registrou os maiores volumes: Barbalha (90 mm), Crato (75 mm), Assaré (62 mm) e Juazeiro do Norte (56 mm). O meteorologista da Funceme, Raul Fritz, justifica que a região é beneficiada indiretamente pela formação de “sistemas que chegam à altura da Bahia, como a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), trazendo chuva para o sul do Ceará”.
Esse fenômeno já chegou ao estado baiano. Ontem, uma chuva de granizo, acompanhada de ventania, destelhou tetos de casas e arrancou árvores, no sudoeste do Estado. Na cidade de Caité, interior da Bahia, um médico morreu após ser arrastado pelas águas.
No Ceará, as primeiras chuvas da pré-estação também trouxeram transtornos – embora em menor escala – para algumas cidades do Cariri. A precipitação em Juazeiro do Norte, ao longo da madrugada e início da manhã de ontem, foi suficiente para alagar algumas das principais vias da cidade.
Na Avenida Leão Sampaio (CE-060), que liga Juazeiro a Barbalha, o volume de água atingiu um metro de altura e obrigou motoristas a trafegarem em ruas alternativas. O trânsito foi normalizado por volta das 11 horas.
O novo prédio da Câmara de Vereadores do Município, no bairro José Geraldo da Cruz, também foi afetado. A água atingiu o plenário, o auditório e a área administrativa. Além disso, parte do piso do estacionamento afundou. No momento da precipitação, não havia ninguém na edificação, que está sendo preparada para receber o Poder Legislativo em 2020. O presidente da Câmara de Juazeiro, Darlan Lobo, disse que vai pedir esclarecimentos ao engenheiro responsável pela obra.
Transtornos
Esses problemas revelam que as principais cidades da região ainda não estão preparadas estruturalmente para receber chuvas de maior intensidade. As secretarias de Infraestrutura de Barbalha e Juazeiro garantem que estão acompanhando “todos os problemas de drenagem”. Já Fritz detalha que as chuvas das últimas horas foram ocasionadas por um fenômeno conhecido como Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN). Esse sistema, no entanto, segundo o especialista, está perdendo força e “não deverá mais trazer chuvas significativas para a região nos próximos dias”.
Apesar disso, ressalta que as precipitações não foram anormais e, na medida em que o ano se aproxima do fim, a tendência é que as chuvas ocorram com maior frequência. “Não conseguimos fazer uma previsão muito antecipada, pois esse sistema é muito volátil, se forma e se dissipa muito rapidamente, mas, com a proximidade da quadra chuvosa, a tendência é de chuvas mais regulares”, explica Raul.
Justamente pelo fato do VCAN ser instável, a Funceme não faz prognóstico para a pré-estação. No entanto, outros órgãos meteorológicos divulgaram previsão para o período.
O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos – CPTEC/Inpe prevê chuva abaixo da média histórica. Já o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) aponta ocorrência de precipitações dentro da normalidade.
Apesar das previsões, Fritz esclarece que as chuvas da pré-estação não possuem congruência com as precipitações ocorridas entre fevereiro a maio. “São fenômenos distintos. Na estação, o principal sistema indutor de chuva é a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT)”, pontua.
Para a agricultora Maria Lurdes, as explicações meteorológicas são um mero “detalhe”. Ela e as famílias que residem no Sítio Barrocas, no Distrito de José de Alencar, em Iguatu, só desejam que a chuva chegue logo. “O último inverno foi até bom, mas tivemos muitos anos de seca que deixaram o chão e os açudes secos. Precisamos de água o quanto antes”, suplica a sertaneja de 47 anos.
Fonte: Diário do Nordeste