Foi na tentativa de ajudar seu filho José a dar os primeiros passos que Marleide Soares, 38, notou diferenças em relação a outras crianças. A visita ao neurologista em busca de respostas lhe trouxe o diagnóstico que mudou sua vida – e a de seus parentes. A família de Marleide é uma das cinco no município de Tauá, a 342 Km de Fortaleza, que possuem casos confirmados e suspeitos da Síndrome do X Frágil, condição genética rara que causa ao indivíduo deficiência intelectual.
A síndrome é foco de pesquisas do Instituto Lico Kaesemodel (LK), no Paraná. A entidade sem fins lucrativos conta com mais de 800 pessoas cadastradas, em busca de obter o diagnóstico e/ou compreender melhor a condição. As famílias registradas em Tauá participarão de estudo previsto para começar neste ano, com o objetivo de mapear a doença na cidade, onde o número de registros chama a atenção.
“A ideia é poder realizar os exames de todos os casos suspeitos, fazer a coleta lá e mandar para a Universidade de Sacramento ou para o laboratório parceiro em São Paulo. Por enquanto, temos cinco famílias de Tauá cadastradas. Queremos investigar se há um motivo para tantos casos no mesmo local, porque não tem outro lugar assim no Brasil”, explica a psicóloga Luz María Romero, gestora do Instituto LK.
A origem da Síndrome do X Frágil está por trás de mutações que acontecem no gene FMR1, responsável por produzir uma proteína que afeta o desenvolvimento de conexões do sistema nervoso. Ocorre, então, uma falha no cromossomo X, chamada de sítio frágil. De acordo com Luz María, os sinais são mais visíveis em meninos porque, ao ser afetado o cromossomo X, não há outra forma de produção da proteína. Em meninas, ainda que tenham mutação, os sintomas são mais leves.
Acesso
“O que gera a mutação é o aumento na quantidade de DNA nesse gene, ou seja, as repetições de Citosina-Guanina-Guanina (CGG). Em pessoas sem a síndrome, varia entre 6 e 39 repetições. A pré-mutação chega a 199, e quem é afetado pelo X Frágil chega a ter mais de 200”, explica a gestora.
Um dos desafios para o diagnóstico dessa condição é sua similaridade com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que, em 60% dos casos, acompanha a Síndrome do X Frágil. Os sinais a serem observados, porém, incluem deficiência intelectual ou dificuldades no aprendizado, atraso para começar a caminhar ou engatinhar e para começar a falar. Já na adolescência, podem ser notadas características como face alongada, mandíbula proeminente e orelhas grandes e em forma de abano.
Em muitos casos, o acesso ao exame é outro obstáculo até o diagnóstico correto. “Para detectar, é feito o exame genético PCR (Proteína C-reativa), a partir da amostra de sangue. O valor do exame muda muito de região para região. Pode variar de R$ 1.500 a R$ 5 mil. O SUS tem esse exame em sua grade, mas, na prática, nem sempre é feito”, diz Luz.
José tinha apenas 2 anos e meio quando o andar na ponta dos pés e movimentos repetitivos chamaram a atenção de sua mãe. O resultado do exame, feito a partir do plano de saúde, apontou a síndrome. Para consultar um geneticista, Marleide fez o percurso de Tauá, sua cidade natal, até Fortaleza. “Na família da minha mãe tem muitas crianças com doenças parecidas, mas que nunca foram diagnosticadas”, diz.
Histórico familiar
Uma das tias de Marleide deu à luz 10 filhos, dos quais sete apresentam déficit intelectual. Já uma de suas primas é mãe de cinco filhos, sendo três homens com problemas neurológicos. Por orientação médica, Marleide também passou pelo exame, e descobriu que possui a síndrome. Os sintomas, contudo, nunca se manifestaram.
“Fizemos tratamento com fonoaudióloga, psicóloga. Hoje, o José tem 13 anos, e é muito inteligente pra informática, mexer com celular, computador. Mas pra outras coisas ele tem dificuldade”, conta. Ela lembra que, um ano após o diagnóstico, o pai do menino abandonou a família. Mais tarde, Marleide casou-se novamente, e decidiu ser mãe mais uma vez. “Eu pensei muito nisso, tinha medo. Mas mesmo sabendo que meu segundo filho teria 50% de chance de ter a síndrome, eu resolvi engravidar, tentar”.
A família então recebeu José Arthur, e a Síndrome do X Frágil também foi identificada. O quadro dele, porém, era mais grave, sendo acompanhado pelo Transtorno do Espectro Autista.
“Ele tá com 4 anos e ainda não fala. Ainda usa fralda. Só andou depois de 2 anos”, diz a mãe. Com o nascimento do segundo filho, ela precisou deixar o emprego na área de confecção para se dedicar integralmente às crianças.
Tratamento
José é atendido por psiquiatra em um Centro de Apoio Psicossocial (Caps) de Tauá, e por fonoaudióloga em sistema particular. Ele também depende de duas medicações diferentes. O mais jovem, José Arthur, recebe atendimento de neurologista também por plano de saúde, e costumava passar por sessões de fonoaudiologia e terapia ocupacional uma vez por semana.
“Ele ia todo sábado, mas faz dois meses que eu não o levo, porque é em uma clínica em Picos, no Piauí. Não tem esse serviço especializado aqui. Cada sessão individual custava R$ 120. Com o período de volta às aulas, eu não pude mais levar”, lamenta. “Na escola, a matrícula de cada um é R$ 800. Sobra nada pra gente, e às vezes ainda falta. Eles só têm a mim. Se acontecer alguma coisa comigo, quem vai cuidar deles?”.
Marleide entrou em contato com o Instituto LK após pesquisar sobre a síndrome na Internet, procurando informações sobre o diagnóstico. Em Fortaleza, o Hospital Infantil Albert Sabin (Hias) realiza o exame, por estar incluído na categoria de Centro de Referência em Doenças Raras.
“A pessoa vai até o Posto de Saúde, o médico identifica a necessidade e encaminha a criança para o sistema de referência, que passa o paciente para o Sabin. Aí ele vai ser atendido em uma terça-feira, que é o dia para casos novos, às 7h, na sala 21. Se o resultado for positivo, a gente dá orientação e procura outras pessoas da família que possam ser afetadas pela condição”, diz Erlane Pinheiro, geneticista do Hias.
Por Barbara Câmara
Fonte: Diário do Nordeste