“Por que existem pedras? Por que são assim? Por que as plantas têm essa cor?” Quando a paleontóloga cearense Flaviana Jorge de Lima, 33, escava a memória, é nos infinitos porquês da infância vivida num sítio em Farias Brito, a 500 km de Fortaleza, que encontra a raiz da vocação.
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Autora de um artigo que provou a ocorrência de grandes incêndios na Antártica, há 75 milhões de anos, Flaviana coleciona outros títulos de orgulho: é formada em Ciências Biológicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA), doutora em Geociências, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)… Mulher. Nordestina do Ceará.
O primeiro contato com o ramo que escolheu seguir aconteceu numa excursão escolar ao Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri, da qual precisava vender cartelas de bingo para conseguir participar. Alerta de spoiler: ela não vendeu.
“Eu era muito tímida, não conseguia!”, ri. “Quem não vendia não ia. Então, minha professora de Ciências me cedeu o lugar dela. Foi meu primeiro contato com o museu que eu nem imaginava que pudesse trabalhar um dia”, relembra, sempre grata à professora.
O lugar cedido no ônibus da excursão levou Flaviana a outros destinos inimagináveis. Ela é, hoje, curadora do museu caririense, e nas rochas de Missão Velha, Crato e outras cidades já encontrou inúmeras peças para reconstruir a História do Ceará.
Tem milhares de fósseis na Bacia do Araripe, mas os mais importantes não são tão fáceis de achar. Já encontrei ossos de crocodilo, fragmentos de pterossauro, flores, frutos… É uma janela pro passado.
Apesar da imagem que o senso comum tem de um paleontólogo – alguém de calças cargo, coturnos e chapéu, escavando rochas –, Flaviana adverte: “na verdade, a maior parte do tempo a gente fica no laboratório ou dando aula. Vamos a campo e coletamos fósseis pra ter respostas pra uma ideia, projeto ou teoria.”
Do Cariri ao mundo
Ter nascido na Região do Cariri, segundo a paleontóloga, é ao mesmo tempo um privilégio e uma responsabilidade. Ela frisa que os fósseis cearenses têm relevância nacional e internacional, e que devem, sim, despertar o interesse de estudo dos próprios caririenses.
“Temos uma unidade geológica como poucas no mundo, fósseis com preservação sensacional: plantas inteiras, flores, pterossauro com crânio preservado. É um grande capítulo da História do planeta na nossa região. É uma oportunidade de contar um pouco da História”, orgulha-se.
Mas a “menina do interior do Ceará”, como ela mesma se denomina, já alçou voos internacionais, o que lista entre as principais conquistas. “Me ver trabalhando com cientistas do Brasil e de fora que admiro é maravilhoso. Não me teriam nas equipes se eu não tivesse competência”, pontua, com uma humildade impossível de transcrever nessas linhas.
A simplicidade da cientista cearense se mostra quando ela hesita, durante a nossa entrevista, em se dizer “especialista em plantas fósseis” – apesar de ser doutora, de ter apresentado trabalhos na China, de ter provado ao mundo, por meio de amostras coletadas por outros cientistas, que o gelo da Antártica já foi fogo, na Era Mesozoica, mesmo nunca tendo viajado ao continente gelado.
“Os desafios vão desde o sotaque”
A consciência de que ainda tem um mundo a desbravar ainda encontra muitos obstáculos: das violências mais simples, como preconceito com os “dis” e “tis” do sotaque; às mais graves, como as incontáveis vezes em que tem ideias roubadas.
“A Paleontologia já tem essa ideia formada de que homens seriam mais qualificados, mas não é isso que acontece. Precisamos quebrar essas barreiras, e tenho tentado fazer isso: sim, eu consigo fazer trabalho pesado, liderar pesquisas importantes, coordenar projetos”, sentencia.
O que machuca mesmo como cientista é você ter uma ideia – porque ideias não surgem do nada, mas do conhecimento adquirido – e de repente outra pessoa tomar, apresentar como dela. Isso acontece com muita frequência.
Apesar disso, claro, Flaviana não esmorece: sonha em ver mais mulheres na profissão, liderando laboratórios e projetos, ao passo que contribui para a formação delas, como professora efetiva da UFPE.
A cearense planeja ainda montar o primeiro Laboratório de Paleobotânica do Nordeste, porque “existe muito material a trabalhar” – e deseja, claro, continuar o trabalho que começou, descobrir detalhes dos “paleoincêndios” onde hoje é tudo gelo.
“Quero muito poder ir pra Antártica, coletar esses fósseis. Quero viajar a todo lugar que tenha a Paleontologia como força”, almeja.
Por Theyse Viana
Fonte: Diário do Nordeste