Organização e mobilização coletiva para compensar as dificuldades atuais do mercado com a crise de saúde pública, e obter preço justo e trabalho valorizado. Com essa filosofia, agricultores familiares no município de Tabuleiro do Norte, Região do Baixo Jaguaribe cearense, organizaram uma compra coletiva de tambores, para armazenamento de mel, e conseguiram uma melhora quase 30% na hora da comercialização do produto.
As primeiras previsões dos apicultores no município de Tabuleiro do Norte para a primeira safra de mel de 2020, é de um faturamento, aproximadamente, de R$ 1,6 milhão, confirmadas as expectativas de vender cada quilo pelo valor de R$10,00. O cálculo foi feito pelo técnico em Agropecuária, Antônio Damião da Silva durante visita na sede da Casa do Mel, que pertence Associação dos Moradores de Várzea Grande.
A estimativa de lucro está, em grande parte, depositada nos quase 600 tambores para armazenamento de mel, comprados de forma coletiva pelos cerca de 150 apicultores do município. Somente pela Casa de Mel, que funciona em caráter experimental, é prevista uma produção de aproximadamente 1,5 tonelada. A casa foi um investimento do Projeto São José III, no valor de R166mil, contemplando, ainda, o serviço de assistência técnica e extensão rural, além do aditivo de R$39 mil.
Segundo o presidente Aguinaldo Daniel, a associação conta com 25 associados e no período da coleta do mel chega a ter, permanentemente, sete pessoas trabalhando no envasamento e desoperculação do mel. “Estamos trabalhando na aquisição do Selo de Inspeção Federal (SIF), que vai permitir agilidade na comercialização e até exportação do produto. O verão, neste ano, foi um pouco mais longo e não tivemos a florada que esperávamos, mas podemos alcançar até 70 tambores”, explica Aguinaldo.
Para o técnico Antônio Damião, a compra dos tambores é um importante investimento que o apicultor faz para armazenar seu produto e conquistar sua independência de mercado, desobrigando-o de comprar o tambor, que é o mesmo comprador do produto. “À medida em que o produtor coloca o mel no tambor de alguma empresa ele perde a sua independência, fica sujeito a vender ao preço que a empresa vai pagar. Já com o mel estocado em seu próprio tambor, ele pode segurar seu mel, estocar e vender de uma só vez, ao término da safra, podendo vender a um melhor preço”, assegura Damião.
Mercado e intercooperação
Numa das maiores crises econômicas da História do país, os agricultores familiares no Ceará vêm tentando encontrar alternativas, para continuar oferecendo um produto de qualidade, por um preço justo e que mantenha sua atividade rentável.
O trabalho da compra coletiva dos tambores deu um resultado tão positivo, que apicultores de outros municípios também formaram uma espécie de consórcio, para realizar a compra coletiva dos tambores, visando ao armazenamento e à comercialização do mel. Além de Tabuleiro, estão envolvidos apicultores dos municípios cearenses de Alto Santo, Quixeré, Limoeiro do Norte, São João do Jaguaribe e Severiano Melo e Apodi, no Estado do Rio Grande do Norte.
O panorama agora se inverteu. Com um grupo de 150 apicultores organizados pela Ematerce, foi possível realizar a compra coletiva dos tambores de fornecedores de Apodi/RN, Morada Nova, no Ceará e, mais recentemente, de João Pessoa/PB. No total, até 9 de julho de 2020, foram adquiridos 620 tambores de 280 quilos cada. Os últimos 100 tambores, vindos da Paraíba, por exemplo, custaram R$7mil. Caso, só um produtor fosse comprar essa remessa, o custo seria cerca de 20% mais elevado. Os tambores estão custando entre R$ 60,00 a R$ 70,00 a unidade.
Para o gerente local da Ematerce em Tabuleiro Eliaci Pinheiro, o estoque da produção hoje, aguardando comercialização, é de 132 toneladas. “Foram adquiridos para a estocagem do mel 620 tambores com capacidade de 280 kg cada, já repassados aos produtores. E, embora alguns por questão de necessidade, já tenham vendido o seu mel, muitos seguem no grupo discutindo, aguardando o final da safra e o melhor momento para sentar com compradores, ouvir preços e fechar a venda conjunta”, esclarece Eliaci.
“Com mais tambores chegando aos nossos apicultores, por um preço menor, eles não ficam mais submissos aos preços dos fornecedores do tambor, que agora passam a comprar o mel por um preço mais justo e ter um lucro do seu trabalho. Um apicultor sozinho não conseguiria compra 60 ou 100 tambores”, explica o técnico em Agropecuária Antônio Damião da Silva Ramos.
A compra coletiva de tambores para armazenar o mel da Safra 2020 deu autonomia aos apicultores, não ficando mais refém das empresas fornecedoras do tambor, garantindo preço acessível ao produtor, entrega rápida do mel para o município de Tabuleiro e região, e mais competitividade no mercado. Atualmente, toda a articulação da aquisição dos tambores passa pelo grupo de apicultores, incluindo a negociação dos valores e a posterior compra do mel. Assim, ficou mais fácil, também, vender para outros compradores da região e outros estados.
Produção e autonomia
Edson Ferreira Maia, 46, mais conhecido por “Novecentos”, é produtor de banana e um dos 150 agricultores que se dedicam à apicultura no município de Tabuleiro do Norte. Desde 2003, voltou-se para a atividade com mais atenção, mas o período estiagem de seis anos (2011 a 2016) e o inverno irregular de outros anos, prejudicaram bastante o crescimento e a safra da atividade. “Eram poucas caixas e sem crédito, não conseguimos ir muito longe. Mas, não parar a produção foi importante para possibilitar a continuidade à capacitação, ao aprendizado com o manuseio das colmeias e da coleta”, explica Edson Maia, que pertence à Associação dos Apicultores de Tabuleiro do Norte.
Atualmente, o produtor mantém 600 caixas de produção e através do Pronaf (Programa de Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), captou crédito junto ao Banco do Brasil para a compra coletiva de tambores junto a fornecedores do Ceará e estados vizinhos. “Com o apoio da Ematerce, por meio do gerente local, em Tabuleiro do Norte, José Eliaci Pinheiro Peixoto e o técnico Antônio Damião, conseguimos preços melhores no produto final e não dependemos de mais de ninguém pra fazer o armazenamento adequado do mel”, comemora Edson, que reforça que, hoje, consegue vender o quilo do mel a R$ 9,50 e espera para a safra de agosto de 2020 colher 500 baldes de 280 kg cada.
“As chuvas estão boas e estamos otimistas. Temos quatro pessoas, trabalhando com a gente e a esperança dos colegas produtores é de que, se ocorrer tudo bem com relação a inverno, colheremos mais de mil tambores”, reforça o agricultor, que mantém uma área de produção de oito hectares. Mesmo assim, ele aponta algumas dificuldades para escoar melhor a produção. “Procuramos ter o SIF, inclusive pelo IBD, que é o maior certificador de orgânicos da América Latina, mas isso não nos garante a venda por um bom preço. É só mais custo e sem retorno, porque a presença de um entreposto já ajudaria bastante”, queixa-se Edson.
Em 2019, quando comprou 10 tambores para armazenamento e 300 caixas para produção do mel, num total de investimento de R$50 mil, o resultado não foi muito bom. Edson só conseguiu 37 tambores para comercialização.
Ater e gestão
O apoio e a Ater (Assistência Técnica e Extensão Rural), realizada pela Ematerce, na região, vem garantindo o suporte aos agricultores para o acesso ao crédito, fornecedores e à capacitação. No caso dos apicultores, a atividade tem o acompanhamento do gerente Eliaci Pinheiro, que gerencia todos os passos desde o final da década de 90.
Ainda em 1998, a empresa fez o assessoramento para a instalação de poços na propriedade de agricultores. Desde esse período, a Ematerce mantém o suporte junto aos apicultores, paralelamente, aos produtores com as culturas de banana, milho, feijão, sorgo, caju e pecuária de leite. O trabalho, desenvolvido pela Ematerce, compreende a Ater, a viabilização do crédito rural, organização da compra letiva, as vendas, a capacitação e a comercialização.
Do chimarrão à Jandaíra
Há quase 10 anos, o servidor do Detran, no município gaúcho de Venâncio, Aires Luis Carlos Huller não imaginava que sua vida pudesse mudar, radicalmente, depois de conhecer a técnica cearense Edvânia de Lima Daniel, e se transferiu para o Ceará sem nenhuma perspectiva onde trabalhar e deixando pra trás um emprego estável.
O Gaúcho, como ficou mais conhecido, conheceu o trabalho do sogro, João Daniel, começou uma nova jornada, que dura até hoje com a atividade da apicultura. Para esta safra, estão garantidos 100 enxames. “João é um dos pioneiros com mel aqui em Tabuleiro. Junto com o pessoal da Ematerce, temos tudo para crescer ainda mais”, diz o Gaúcho.
O trabalho é feito em família, enfatiza Gaúcho, que tem a esposa e a filha trabalhando ao seu lado e liderando um grupo de mulheres, que, cada vez mais, se insere no segmento. Essa participação e colaboração entre os produtores é reforçada por Aguinaldo. “Quando um produtor vai pegar suas melgueiras, os colegas vão ajudar. No outro dia, aquele apicultor vai ajudar o colega que estava com ele no dia anterior”, fala Aguinaldo.
Com o técnico Damião e os outros produtores planejam a retomada de uma cooperativa fundada há quase 50 anos e, atualmente, desativada. O objetivo é incrementar a venda do produto para uma clientela mais diversificada e por um preço cada vez mais competitivo.