Em abril de 2018, a Controladoria-Geral da União (CGU) divulgava o resultado da avaliação do sistema de gestão do Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf). Na época, o órgão do Governo Federal já apontava que o empreendimento não oferecia sustentabilidade financeira. O custo da energia elétrica usada no bombeamento da água poderia atingir R$ 800 milhões por ano, que seriam arcados pelos estados que receberão o recurso hídrico. Mesmo com a chegada da aguardada água do ‘Velho Chico’, de lá para cá, houve pouco avanço em torno de como e quem bancará a operação e manutenção.
As avaliações da CGU já apontavam que o extinto Ministério da Integração, responsável pelo projeto, priorizou a execução das obras e postergou a realização de um planejamento para operação, manutenção e sustentabilidade. O próprio Eixo Leste, já em pré-operação desde 2017, que leva águas para cidades da Paraíba e Pernambuco não havia definido o uso da arrecadação da cobrança na aplicação de sua operação e manutenção. Sem a fase comercial formalizada, os custos foram arcados pela União, evitando assim o colapso hídrico da Região Metropolitana de Campina Grande (PB).
O professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Jerson Kelman, que foi presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) durante a concepção do então projeto de Transposição do Rio São Francisco, em artigo publicado no último dia 16, aponta que o Governo Federal arcou integralmente com o investimento, como de fato aconteceu. Foi correto, desde que houvesse garantia de sustentabilidade do empreendimento.
Hoje, o Pisf opera via Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), empresa pública brasileira. No entanto, Kelman diz que este arranjo institucional não funcionará por conta do próprio enxugamento do orçamento da União. “Se tudo continuar como está, é quase certo que, em poucos anos, do Pisf só restarão ruínas”, aponta.
O gasto maior é, sobretudo, a partir do bombeamento da água, feito por nove estações, somando os eixos Leste e Norte. O consumo calculado seria de 1 KWh por metro cúbico bombeado. A outorga da ANA, concedida em 2005, permite o bombeamento contínuo de 2 bilhões de litros por dia. Dessa época consta um termo de compromisso entre a União, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, no qual foi definido que a implantação do empreendimento seria responsabilidade do Governo Federal e os gastos de funcionamento pelos estados receptores.
A primeira alternativa proposta por Kelman é a privatização da Chesf em concessionária de usos múltiplos, incorporando o Pisf a seus ativos, tendo a responsabilidade de geri-lo, pois, a nova concessionária teria condições econômicas de administrá-lo a partir da venda de energia elétrica e de água bruta. Tudo isso, sob fiscalização da ANA e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Outra saída apontada por Kelman é licitar a concessão do Pisf para uma operadora privada, que teria obrigação de induzir e organizar a demanda por água bruta. A energia elétrica teria origens da compra, autoprodução por meio de placas fotovoltaicas flutuantes instaladas nos reservatórios e outra pequena parcela concedida pela União. Já a última proposta seria o pagamento da água por quem dela fizesse uso, mesmo que isso não amortizasse e remunerasse o capital investido.
Outros valores
Diferente do que apontou a CGU em 2018, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), que assumiu o Pisf após a extinção do Ministério da Integração, estima que o custo de energia elétrica usado no bombeamento pode variar entre R$ 100 milhões e R$ 300 milhões por ano.
“O custo com energia elétrica para operação depende do volume de água a ser bombeado e do valor da compra de energia. Por sua vez, o volume a ser bombeado depende da demanda nas regiões receptoras, que também varia conforme a situação hidrológica da região”, diz o Ministério.
De acordo com o MDR, a despesa de energia pode, ainda, sofrer alterações de acordo com o momento no qual a compra é realizada, como também com o planejamento de aquisição desta energia – em curto ou em longo prazo. “A compra a longo prazo poderá ser realizada após a formalização do contrato de prestação dos serviços de adução de água bruta com os estados, para início da operação comercial do Projeto”, completou.
O MDR acrescentou que a União segue em fase final de negociação para organizar esta formalização, no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia Geral da União. “É importante destacar, também, que há tratativas entre o MDR e o Ministério de Minas e Energia (MME) na definição de solução energética para o Projeto São Francisco”, completou sem detalhar como se dá esta negociação.
Os custos de operação e manutenção do Projeto são definidos anualmente por Resolução da ANA. Para 2020, os valores são: tarifa de disponibilidade de R$ 0,236/m³, que são os custos fixos, independente de bombeamento, e tarifa de consumo de R$ 0,508/m³, que são os custos de energia.
Divisão de gastos
A partir destes números, o geólogo e gestor de recursos hídricos, Yarley Brito, propõe que, no Ceará, as custas com o canal deveriam ser pagos por todos os usuários de energia elétrica do Estado, que, no total, segundo a Enel, soma 3.958.176.
Esta tarifa, que seria chamada de “Seguro da Segurança Hídrica”, giraria em torno de R$ 1,50, garantindo um recurso de R$ 5.937.264, mensalmente. Esse valor corresponde anualmente a pouco mais de R$ 71 milhões.
Com o custo anual entre R$ 100 milhões e R$ 300 milhões, dividido pelos quatro estados receptores, este valor arrecadado seria suficiente para garantir a manutenção física e segurança de canais e reservatórios. “A água, quando entra no Ceará, aí já seria gerenciada pela Cogerh e o valor cobrado será de acordo com o consumido”, detalha Yarley.
No entanto, ao fazer esta cobrança, Yarley ressalta que o Estado tem a obrigação de garantir água a todos os cearenses, mesmo que abastecidos por caminhões-pipa, mas com recurso hídrico tratado. Os custos desta operação seriam arcados pelos governos estadual e federal, além do próprio usuário, a partir do que consumiu.
“É obrigação do Estado botar água onde as pessoas estiverem. Quando chegar na casa dele vai ter água tratada, para consumo. Sai muito mais barato para o Estado do que consumir água bruta e gerar um gasto ao Sistema Único de Saúde (SUS)”, completa o estudioso.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada US$ 1 investido em saneamento, estima-se um retorno de quase seis vezes, considerando os menores gastos de saúde.
Questionada se possui plano de como será a operação e gestão das águas do Pisf, a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará informou que isso dependerá de consenso entre União e os estados beneficiados. “Tais decisões aguardam ainda a pactuação entre os estados e o ente Federal, representado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, e ainda seguem em negociação”, informou, sem ofertar outros detalhes.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste