De família humilde, o chefe de cozinha Leirton Alves Duarte, 30, fez de seu passado difícil um combustível para superar as dificuldades. Sozinho, criou o projeto social “Brincando com Arte”, em Santana do Cariri, distante 533 quilômetros de Fortaleza. A ação atende 130 crianças e adolescentes. O projeto é inteiro bancada apenas com a venda de coxinhas e panquecas feitas pelo chefe de cozinha e pelas mães dos meninos e meninas.
As coxinhas de Leirton são vendidas por R$ 1, cada, e ainda são acompanhadas de um copo de suco. Já as panquecas custam R$ 3, acompanhadas de arroz. As vendas são para custear o aluguel da sede do projeto, de R$ 80 mensais, além de água, energia elétrica e material utilizado.
Através da Educação Ambiental, o trabalho resgata objetos recicláveis, como garrafas PET, tampinhas plásticas, latinhas de cerveja e refrigerante, que seriam jogados no lixo, e são transformados em brinquedos, quadros e luminárias. Além disso, o projeto social desenvolve a quadrilha junina Arraiá Amadores do Sertão, que mobiliza a maioria do grupo. O projeto tem pouco mais de 10 meses.
Com apoio de muitas mães, que ajudam a vender as panquecas e coxinhas, o projeto é mantido. Joana D’arc Carlos dos Santos, mãe de três crianças acolhidas, é uma delas. “Eu acho ótimo. Estão entretidos, aprendendo a se comportar. Eles têm melhorado na escola”, conta a dona de casa. Os hábitos também mudaram dentro na sua residência. Agora, os meninos reviram o lixo na procura de reutilizá-lo. “Começaram a juntar tampa, garrafa e diz que vão levar pro projeto”, completa.
Dificuldade, Leirton enfrenta desde a infância. E esse foi justamente o motor para o trabalho social. Seu pai era alcoólatra e agredia sua mãe. Chegou a expulsar a própria família de casa. “A gente dormia na calçada”, lembra. Sua irmã trabalhava como empregada doméstica para ganhar R$ 30 por semana e sustentar a casa, já que a renda do seu pai era toda para o vício. “A gente passou muita fome”, reforça. Por isso, se emocionou quando o “Bincando com Arte” conseguiu arrecadar 42 cestas básicas para famílias carentes.
Contudo, a partir do momento em que foi convidado para trabalhar como orientador social no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) do Município, no final de 2016, o chefe de cozinha teve contato com as crianças. “Me apaixonei pela área. As trajetórias das crianças em casa, os desabafos que faziam comigo, não faziam com os psicólogos”, conta.
Lá, começou a pesquisar na internet como fazer brinquedos de material reciclado. “As crianças estavam ali. O que eu poderia fazer? Fui montando e ensinado a preservar o meio ambiente”, lembra. Ao ser demitido em abril de 2018, após mudança na gestão municipal de Santana do Cariri, Leirton quase entrou em depressão. Foi aí que montou o “Brincando com Arte” e voltou a ter contato com as crianças do projeto.
Analy Souza Feitosa, de 11 anos, já participa há cinco meses e criou uma flor de material reciclável e alguns quadros. “Eu já pego as garrafas de mãe, todinhas. Mas ela acha bom que eu não fico no celular e aprendo a preservar o meio ambiente”, admite a estudante. Já Denison Paulo Santana, 13, participou de todo o trabalho e ajudou a criar um muro formado por garrafas PET no quintal da sede. “Aqui é melhor que tá na rua”, acredita.
Culinária alimentando sonhos
Os dotes culinários de Leirton alimentam seus sonhos e projetos. Não foi só o “Brincando com Arte” que ele bancou com o dinheiro da venda de seus quitutes. Ele ingressou no curso técnico em Cozinha no Instituto Centro de Ensino Tecnológico (Centec), no Crato. Porém, o transporte coletivo, que levava os estudantes de Santana do Cariri até o município, cobrava R$ 35 por mês de cada aluno. Foi aí que, no próprio ônibus, Leirton começou a vender comida. Além da coxinha e panqueca, baião-de-dois, vapatá e arroz com creme de galinha eram comercializados para conseguir percorrer, de segunda a sexta-feira, os 112 quilômetros que separam Santana do Cariri de Crato – ou do seu próprio sonho.
Chegou a receber uma proposta para trabalhar como vendedor em uma loja de roupas de uma amiga. Por isso, deixou de lado o comércio de comidas. Como o salário era por comissão, o valor recebido era bem abaixo do que conseguia com as coxinhas e panquecas. Não dava para pagar a mensalidade do ônibus e sequer as fotos da formatura. “Era meu sonho tirar fotos com a roupa de chefe de cozinha”, admite.
Sem os R$ 35 para pagar o transporte até o Crato, quase foi barrado no caminho para a aula. Assim que subiu no coletivo, o responsável avisou: “Quem não pagou, a partir de hoje, não vai”. “Imagina como eu fiquei?”, narra Leirton. Voltando com a venda de comidas, concluiu o curso em 2014. “É nas dificuldades que a gente vence”, reforça.
Próximo passo
Leirton projeta, a partir do segundo semestre, montar uma biblioteca. “Tem alunos no quinto ano que não sabem nem ler”, justifica. Por isso, conta com apoio de algumas mães para montar um reforço escolar e vender coxinhas para ampliar a ação. “A gente já recebeu alguns livros. Já tenho até em mente como quero a decoração. Eles montando tudo com parte reciclada”, imagina.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: G1 CE