Num primeiro olhar, a impressão é que Socorro Luna é cria genuína do Carnaval. Afoita por uma folia, envolta por felicidade, é fácil relacioná-la com a festa do contentamento. A advogada garante, contudo, que nem sempre foi assim. Teve infância pobre, na zona rural, cujas raízes estão diretamente ligadas a outro tipo de atmosfera: a do forró.
“Mas acho que o gostar do Carnaval está ligado a esse meu espírito alegre, de viver em paz com a vida. Acho que foi daí que nasceu essa relação, porque o Carnaval é alegria, né?”, arrisca.
Neste ano, em específico, a sensação de Socorro pela época também é de emoção. Ela será destaque num dos carros alegóricos da escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz, no desfile marcado para o dia 22 de fevereiro, diretamente na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Representará as solteironas de Santo Antônio, uma das tradições de Barbalha, localizada no Cariri cearense.
O município, inclusive, será o grande homenageado pela agremiação carioca da Série A no Carnaval deste ano por lá, feito que está movimentando a cena local. Socorro, por exemplo, terá fantasia assinada pelo estilista Ivanildo Nunes e não esconde a ansiedade pelo grande momento.
“Vejo essa homenagem à nossa cidade no Rio de Janeiro como uma coisa muito importante pra gente, porque lá nós vamos divulgar nossa cultura, religiosidade e fé em Santo Antônio”, acredita.
Com “65 anos bem completos” e já tendo recebido o título de Rainha das Solteironas na cidade natal, Socorro participará pela primeira vez do Carnaval do Rio, motivo maior para que dimensione o quanto o Barbalha pode ganhar com o evento em termos de visibilidade.
“Temos uma festa riquíssima em cultura popular. Tu já pensou isso sendo passado pro mundo inteiro? Gente, isso é uma maravilha. Barbalha está de parabéns e nós, barbalhenses, também”.
O convite para que a advogada desfilasse partiu de Cahê Rodrigues. O carnavalesco da Acadêmicos de Santa Cruz explica que um amigo do presidente da agremiação, que já havia visitado Barbalha, o levou para também conhecer a cidade. Logo se encantou e vislumbrou um enredo que contasse a história do lugar.
“A partir daí, fui estudar e vi que, realmente, daria um grande Carnaval”, comenta Cahê. “Acabei vislumbrando um desfile lindíssimo, com a toda a trajetória de Barbalha, seu folclore, história, religião, enfim, como toda cidade nordestina, sempre rica de informações, conteúdo e belezas”.
Assim nasceu o tema “Santa Cruz de Barbalha – Um Conto Popular no Cariri”. No total, serão quatro setores na Sapucaí, incluindo 22 alas, três alegorias e mais um elemento alegórico. Em cada uma dessas divisões, passagens importantes do cotidiano do município cearense ganharão as vistas do público de forma criativa e especial.
Cravejadas de cores e muita alegria, entrarão em cena representações das plantações de açúcar da região, engenhos de rapadura, chegada da ferrovia, e, claro, os tradicionalíssimos cortejos do Pau da Bandeira e festa de Santo Antônio.
“Além disso, a arquitetura da cidade, as igrejas, o pássaro soldadinho-do-araripe, as fontes de águas, enfim, todo esse contexto turístico e histórico vai estar presente ao longo do desfile”, complementa Cahê.
“Eu não tive o prazer de visitar o município ainda, toda a minha pesquisa foi por meio de livros, internet e contato com pessoas daqui, do Rio, que já estiveram lá. Mas me sinto como se já estivesse no município. Tanto que, após o evento, quero conhecer de perto pra ver tudo que eu tô criando aqui de modo a homenagear essa cidade que já mora no meu coração”.
Há poucas semanas de o grande dia acontecer, o carnavalesco conta que o movimento em solo carioca é grande para deixar tudo nos conformes. Toca, porém, num ponto delicado quando fala nesse assunto.
“O carnaval do Rio sofre uma crise há mais de cinco anos. A Santa Cruz, então, está fazendo tudo em meio a uma situação absurda, sem estrutura, mas com muita união e força de vontade, acreditando muito na beleza do enredo. É um projeto dentro das condições da escola, porém rico de informação, alegre e com conteúdo histórico”.
Viagem
Integrante da diretoria da Liga Independente das Escolas de Samba de Barbalha (Liesba), Pedro Victor do Nascimento detalha que os primeiros contatos da escola carioca iniciaram em julho do ano passado, feito que permitiu uma grande onda de expectativa nos conterrâneos.
“Nosso sentimento hoje é de muita felicidade, algo que está contagiando todos os munícipes”, vibra. “A espera maior é para chegar lá e ter um pouco da vivência com o pessoal. Porque não deixa de haver um intercâmbio de aprendizagem entre nós e eles a partir desse contato. Com certeza, vai dar tudo certo”.
Ele também diz que cerca de 30 pessoas da cidade marcarão presença no Rio. No desfile mesmo, contudo, estarão dois representantes por escola de samba do município e dois da Liesba. O custeio das despesas é fruto de uma parceria entre a Prefeitura de Barbalha e iniciativa privada.
Segundo Pedro Victor, “a ansiedade está a mil e os preparativos também. As pessoas estão se organizando o mais rápido possível porque alguns vão até deixar a sua escola de samba aqui na cidade para participar desse momento único do carnaval no Rio de Janeiro”.
Ainda que com toda a agitação em torno da viagem, os trabalhos para a festa em Barbalha continuam. Neste ano, desfilarão as quatro escolas mais antigas do local: Barbasamba, Unidos do Morro, Mocidade Independente e Águia de Ouro.
Elas fazem parte do festejo há mais de quatro décadas e ganharão as vistas do público no dia 25 de fevereiro, no parque da cidade. A busca é pelo título de melhor escola de samba de Barbalha de 2020. “É um dos pontos altos de nosso ano”.
Saiba mais
Reconhecida, em 2015, como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Festa do Pau da Bandeira acontece, em Barbalha, desde 1928, antecedendo os festejos do dia de Santo Antônio de Pádua, 13 de junho. Trata-se de uma grande celebração que acompanha a versão local do costume de erguer, em frente à Igreja Matriz da cidade, um tronco de grande porte para receber a bandeira do santo padroeiro do município. A data inicial é o último domingo de maio ou o primeiro domingo de junho, dia do carregamento e hasteamento do pau da bandeira. Em 2019, o angico teve 26 metros e pesava duas toneladas, carregado por quase 250 homens.
Por Diego Barbosa
Fonte: Diário do Nordeste