Segue até amanhã, 1º de julho, as inscrições para o Programa de Financiamento Estudantil (FIES), programa de financiamento para estudantes pagarem cursos de graduação em instituições privadas. No país, mais de 500 mil estudantes estão com parcelas atrasadas há mais de três meses. Na região do Cariri, o cenário de aflição entre universitários não é muito diferente.
Formada em Odontologia, Valéria M.*, 22, viu seu sonho de trabalhar em consultórios ser adiado pela recessão do mercado. Desempregada há mais de 6 meses e com um financiamento de R$ 134 mil para pagar a partir do ano que vem, vive a angústia de não conseguir quitar as parcelas necessárias.
A faculdade de Odontologia é uma das mais custosas na região do Cariri e teve um boom de procura nos últimos 8 anos. Quando se matriculou, a filha de mecânico pagava mensalidade de R$ 1.800 e, ao final do curso, custava R$ 2.600. Por vezes, ainda chegava a investir cerca R$ 2 mil em equipamentos e insumos necessários para algumas disciplinas.
“Fui ingênua”, afirma Valéria. “Quando comecei a faculdade, achava que sairia com um emprego de cara. Fiz cursos extras, fiz estágio, me preparei de toda forma. Mas eu nunca imaginaria que tudo poderia mudar assim, de repente. Muita coisa mudou de quatro anos para cá e o mercado hoje está saturado”, reflete.
Sonho interrompido
Assim como Valéria, outros tantos estudantes caririenses que apostaram no financiamento estudantil hoje se encontram em uma encruzilhada: com diploma de ensino superior, mas sem emprego e com uma dívida milionária.
“É difícil, porque você sai cheia de expectativas, mas o que encara é o desemprego, o desalento”, desabafa a biomédica Rafaella L.* 23, também beneficiada com o FIES na faculdade, que revela a preocupação com a “conta a pagar” desde o dia em que se formou.
Para Rafaella o programa foi fundamental no custeio da graduação em Biomedicina. Sem condições para estudar fora da região, preferiu assumir o risco e financiar R$ 55 mil junto à Caixa Econômica.
“Na hora é muito bom, ajuda muito. Ruim é depois. Trabalhamos ganhando pouco para poder sobreviver e ainda não consegui trabalho em minha área”, revela.
Diploma na gaveta
Ana Tereza, formada em Direito através do FIES, compartilha do mesmo pensamento: “Me inscrevi no programa para aliviar as contas em casa. A parcela de R$ 500 para quem trabalha é viável, mas para quem está desempregado e sem perspectiva é um pesadelo”, conta. “Fico com sensação de impotência”.
Em comum, as três histórias revelam jovens com escolaridade e potencial produtivo, mas sem mercado que as absorva. Para a pesquisadora do Observatório de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará, Tânia Batista, o problema está no modelo de pública educacional e de mercado.
“Muitas vezes essas políticas públicas buscam amenizar as desigualdades e a situação de dificuldade socioeconômica das pessoas, mas acabam não sendo suficientes quando esbarram na realidade de absorção do mercado”, analisa a professora. “Mesmo qualificado, o profissional sem acesso ao trabalho entra no exército de reserva”.
A política que por um lado inclui por outro nega o trabalho e maquia a grave situação que é o desemprego no Brasil, acredita a pesquisadora. “No fim, ele frustra porque não dá conta de resolver a questão, não vai na raiz do problema”.
Para ela, seria necessário analisar em coletivo com a sociedade toda a cadeia produtiva e educacional. “Não se pensar apenas no acesso à educação, que é um direito inalienável, mas também na geração de emprego e renda, que é dever do estado”.
*nome fictício para preservar a fonte
Por Alana Soares
Fonte: Miséria