Vinte e sete anos depois de deixar o Brasil ilegalmente, um fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus vai sair de um museu alemão e rumar de volta ao seu país de origem. Após uma luta de cientistas brasileiros, as autoridades locais reconheceram que a exportação e a aquisição dessa relíquia paleontológica foram irregulares.
Curta e siga nossas redes sociais:
Sugira uma reportagem. Mande uma mensagem para o nosso WhatsApp.
Entre no canal do Revista Cariri no Telegram e veja as principais notícias do dia.
Ubirajara é o primeiro dinossauro não aviano com plumagem (penas) preservada descoberto em todo o hemisfério Sul e estava em um museu alemão havia 17 anos.
No último dia 19, após uma campanha de cientistas brasileiros, o Conselho de Ministros de Baden-Württemberg aprovou a proposta da ministra da Ciência, Theresia Bauer, para devolver o fóssil da espécie que viveu no Cariri cearense séculos atrás.
“Temos uma postura clara: se houver objetos em nossas coleções de museus que foram adquiridos sob condições legal ou eticamente inaceitáveis, a devolução será considerada”, disse Bauer.
A volta de Ubirajara tem um grande significado para a paleontologia brasileira, que se mobilizou para chegar até as autoridades alemãs a fim de conseguir o retorno de Ubirajara.
A campanha usou a hashtag #UbirajaraBelongstoBR e foi criada pela paleontóloga e professora Aline Ghilardi, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), em dezembro de 2020. “Há anos, eu já discutia o tráfico de fósseis nas redes e sempre denunciei esses casos. Mas esse me chamou muito a atenção”, conta.
Toda sexta, a hashtag #fossilfriday é utilizada p dar visibilidade a fósseis e a paleontologia. Ela é muito popular entre paleontólogos do ? todo!
Gostaria de convida-los a usar essa hashtag hj para dar visibilidade à #UbirajaraBelongstoBR e dizer q nossa luta ñ acabou: pic.twitter.com/2CgASWBU06
— Aline Ghilardi (@alinemghilardi) July 22, 2022
A descoberta de Ubirajara
Ubirajara foi citado em um artigo científico publicado no final de 2020. “Foi uma descoberta fascinante. Mas a data informada da retirada desse fóssil do Brasil, 1995, me chamou muito a atenção e também me entristeceu”, diz.
A data levantou suspeita da exportação ilegal, mas não só: se correta, teria feito com que o país deixasse de ter a primeira confirmação da existência de dinossauros não avianos com penas do mundo —já que a primeira publicação desse tipo ocorreu apenas 1996, com um fóssil da China.
“Ou seja, o nosso dinossauro poderia ter sido o primeiro do mundo a ser descrito com essa característica, e ele é de uma região reconhecidamente rica em fósseis. Isso me chateou para caramba”, diz.
A campanha gerou um grande engajamento com outros divulgadores científicos, que passaram também a cobrar as autoridades locais e o museu a devolverem Ubirajara.
“Ao contrário de outros casos que eu já denunciei, esse debate se tornou público graças ao ativismo digital e ganhou força graças a colegas com público gigantesco que apoiaram. Assim, a campanha explodiu.”
Aline Ghilardi, da UFRN
Ubirajara é só um dos fósseis
A data do retorno ainda não está definida, porque ainda não se sabe qual instituição receberá esse fóssil.
Segundo o paleontólogo Juan Cisneros, da UFPI (Universidade Federal do Piauí), o Geopark Araripe (CE) está em negociações com o grupo de curadores de museus da Alemanha para tentar recebê-lo.
“Tínhamos acordado que esse fóssil deveria ir ao Geoparque, que é o local onde ele foi descoberto e onde há um museu de paleontologia que reúne todas as condições para cuidar bem dele”, diz.
Para Cisneros, a retomada de Ubirajara tem um símbolo especial porque será o primeiro fóssil que saiu ilegalmente do Araripe repatriado pela Alemanha.
O caso "Ubirajara jubatus" vai entrar na história junto com o Homem de Piltdown e o Archaeoraptor como um exemplo de práticas antiéticas na Paleontologia (e na ciência). #UbirajaraBelongstoBR pic.twitter.com/AgeY1Aqzo3
— Prof. Juan C. Cisneros ⚒️ ? (@PaleoCisneros) July 19, 2022
A Alemanha, por sinal, é o principal receptor de fósseis que saem ilegalmente do Brasil. “Os museus desse país têm grandes coleções de nossos fósseis, comprados de lojas que vendem material contrabandeado na Europa. Além deles, há colecionadores privados que também têm vários fósseis”, diz.
Segundo Juan Cisneros, o tráfico de fósseis na Chapada do Araripe foi intenso desde os anos 90 e início dos 2000. Em março deste ano, o grupo de pesquisadores publicou um levantamento de fósseis holótipos (que representam novas espécies para a ciência) do Araripe.
“Nós encontramos ao redor de 100, no total, apenas em museus da Alemanha e alguns outros países. Mas nós sabemos que o número é várias vezes maior”, diz.
O caso Ubirajara, afirma, também trará um benefício importante: vai incentivar outros países, que já estão facilitando repatriações de fósseis brasileiros. “A Bélgica repatriou um pterossauro nosso no início do ano, e os EUA repatriaram 36 aranhas fósseis no final do ano passado”, comemora.
“A gente sabe que o tráfico não parou, já que a Polícia Federal ainda realiza apreensões de fósseis. Mas está em menor escala do que em anos anteriores, o que leva a indicar que ele tem diminuído bastante.”
Juan Cisneros, da UFPI
Por Carlos Madeiro
Fonte: UOL