Dia 15 de março de 2020. Foi naquela data que a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) confirmou os três primeiros casos de pessoas infectadas pela Covid-19 no Estado. Mais de 45 dias se passaram e a doença saltou para mais de 7.860 casos confirmados, com quase 500 óbitos, conforme dados do IntegraSUS de ontem (30).
O vírus já está presente em 76% municípios cearenses. Apenas 43 cidades ainda não tiveram casos confirmados, embora em 42 haja casos suspeitos, isto é, esperando resultados dos testes laboratoriais. Somente Antonina do Norte não tem caso suspeito ou confirmado.
Entretanto, para especialistas, estes números podem não refletir a realidade, uma vez que não há testes suficientes para todas as pessoas que apresentem sintomas da doença.
“Há, ainda, aquelas assintomáticas. Por isso, é provável que a doença já esteja disseminada em todo o Estado”, alerta a médica Luana Costa Barbosa.
O também médico Gilson Oliveira Filho, pontua que “só com uma testagem em massa seria possível analisar de forma mais fidedigna” o cenário no Estado.
O presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará do Estado (Aprece), Nilson Diniz, reconhece ser uma questão de tempo até que a contaminação alcance todas as cidades cearenses, mas ressaltou a importância de ações que culminem “no adiamento destes casos”.
Ele avalia que, “se todo mundo for infectado ao mesmo tempo, o sistema de saúde, sobretudo das pequenas cidades, entrará em colapso”. Ainda segundo o representante do órgão, a limitação dos testes “é um problema que vem ocorrendo desde o início da pandemia”.
A reportagem questionou a Sesa se há carência no interior do Estado e quais cidades vão ser beneficiadas com os testes que foram adquiridos da China e chegaram ao Ceará no último domingo. No entanto, até o fechamento desta matéria, as respostas não foram enviadas.
Medidas
Na avaliação destes profissionais, ações preventivas podem explicar a ausência de casos confirmados nestes municípios. Em Piquet Carneiro, no Sertão Central, as medidas foram implantadas ainda no mês passado, conforme destaca o prefeito Bismarck Barros Bezerra. Embora a cidade não tenha registro oficial da doença, todos os municípios limítrofes já apresentam caso da Covid-19. O gestor destaca como ponto forte das ações implementadas, as barreiras sanitárias, que restringiu o acesso de pessoas ao Município.
“Há um mês, proibimos a ida de crianças aos comércios, determinamos o uso de máscaras, limitamos a quantidade de pessoas nesses estabelecimentos, intensificamos a fiscalização nas barreiras e também proibimos a ida às barragens que neste período do ano estão enchendo e isso atrai muitas pessoas. Então, todas essas ações resultaram no distanciamento do novo coronavírus”, avalia Bismarck. Ainda conforme o prefeito, o Município dispõe de testes e, “nos próximos dias, devem chegar mais 80 que estão sendo enviados pelo Governo do Estado”.
Na cidade turística de Guaramiranga, na região serrana do Estado, as ações também tiveram início de forma precoce. No município não há nenhum caso confirmado da doença. No Sul do Estado, há pelo menos 14 cidades sem casos da Covid-19. Potengi, é um desses municípios. A exemplo de Guaramiranga e Piquet Carneiro, as medidas preventivas também foram adotadas ainda no mês passado e, segundo moradores, a população “tem abraçado a causa”, conforme detalha a cineasta Cheyenne Alencar.
“As pessoas só estão indo à rua para fazer coisas necessárias como ir na loteria ou supermercados. Sempre de máscaras. Até mesmo nas filas de bancos vejo a cidade mobilizada para manter a organização e higienização. Então, mesmo sem casos, todos estão contribuindo. Não há clima de relaxamento. Acredito que as pessoas têm consciência do risco dessa doença e de como ela é altamente contagiosa”, relata Cheyenne.
Clima semelhante é vivenciado no município de Cedro, na região Centro-Sul do Estado, onde já foram testadas 45 pessoas, todas com resultados negativos para o novo coronavírus. “Embora não tenhamos nenhum registro, o cotidiano segue totalmente alterado. Comércios de portas fechadas e pessoas dentro de casa”, detalha o autônomo Iuri Prudêncio.
Em Parambu, localizado nos Inhamuns, o secretário de Saúde do Município, Luiz Alves Noronha Neto, atribui a ausência de casos “à rápida atuação da gestão”. “Acreditamos que a agilidade no início das ações, como blitz sanitárias, interceptação de ônibus clandestinos e orientação aos moradores sobre o isolamento social foi importante para evitarmos casos do novo coronavírus”.
Em Santana do Cariri, um dos municípios mais visitados do Sul do Estado, devido aos seus atrativos históricos e naturais, há 48 dias a Secretaria de Saúde já realiza ações de conscientização sobre os cuidados com a doença. “As cidades vizinhas, como Nova Olinda, Araripe, Campos Sales, já têm casos confirmado. Então a gente entendeu que deveria ter uma barreira para limitar”, acrescenta a titular da Pasta, Aline Alencar.
A Polícia Militar e Guarda Civil Municipal atuam na abordagem de todas as pessoas que chegam ao Município, através de uma checklist para identificar os motivos da entrada e saída da cidade. “Se vier usar serviços que existem na sua cidade de origem, ela não vai entrar. Se for passar um fim de semana com a família, vai preencher uma ficha de monitoramento e não pode sair sem proteção”, detalha a secretária. Santana é uma da cidades que ainda não tem casos confirmados da doença.
Até agora, mais de 30 municípios implantaram barreiras sanitárias e pelo menos 12 decretaram o uso obrigatório de máscaras, passivo de multa para quem descumprir a medida. A Aprece informou estar fazendo um levantamento detalhado de todas as cidades do Estado que adotaram medidas semelhantes.
Testagem
Apesar de ser avaliada de forma positiva, tais medidas protetivas não podem ser, na concepção da presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems), Sayonara Moura, consideradas a solução para conter a pandemia. Ela adverte que é preciso ampliar a realização de testes nas cidades do interior “para possibilitar planejamento de novas ações”.
Sayonara lamenta que somente agora, muitos municípios começaram a receber os primeiros kits para testar uma pequena parcela da população. “Inicialmente, foram testados os profissionais de Saúde, que estão na linha de frente, mas só agora que vão começar a chegar testes para os pacientes com doenças crônicas”, ponderou.
Ela reconhece que “os municípios não têm recursos próprios para comprar esses testes que precisam ser certificados pela Anvisa” e cobra maior participação do Estado, embora reconheça “as limitações do Governo”.
Para as cidades que vêm apresentando número de casos elevado da doença e de óbitos, a exemplo de Iguatu, cuja taxa de letalidade da Covid-19 é de 20%, Sayonara Moura, defende uma atenção prioritária. “É preciso ter um olhar diferenciado, o envio de mais testes e de equipamentos de proteção individual para os profissionais de Saúde”.
O secretário de Saúde de Iguatu, Georgy Xavier, destacou que o Município deve receber 500 testes enviados pelo Governo do Estado, “mas ainda sem data definida”.
Por André Costa/Antonio Rodrigues/Honório Barbosa
Fonte: Diário do Nordeste