Para mais da metade das cidades cearenses, 2021 tem sido, no contexto do cenário pandêmico, um ano com contornos ainda mais dramáticos e preocupantes. Dos 184 municípios do Estado, 69 deles, ou seja 37,5%, já contabilizam mais infecções por Covid-19 em comparação a todo o ano passado.
Quanto às vidas silenciadas, 36 cidades já possuem maior índice de morte nestes primeiros meses de 2021 em relação à 2020. Dentro deste universo (de 106 municípios, o que representa 57,60% do território estadual), há 23 municípios com mais mortes e casos em comparação ao ano passado. Os números foram extraídos, nesta quarta-feira (5), da plataforma IntegraSus, da Secretaria da Saúde do Estado.
Quando analisado o Ceará como um todo, os casos – de morte e infecções – acumulados em 2020 ainda não foram superados. Até ontem, o Estado tinha 693.300 pessoas infectadas pelo vírus e 18.098 óbitos.
Deste total, 342.575 casos (49,41%) foram em 2021 e 350.725 em 2020. No ano passado, o Ceará atingiu a marca de 10.391 óbitos e, de 1º de janeiro de 2021, até ontem (5), eram 7.707 mortes.
Segunda onda mais infecciosa e letal
Das cidades que já registram mais casos em 2021, algumas se destacam negativamente pelo súbito aumento em comparação ao ano passado. Antonina do Norte, por exemplo, fechou 2020 com 85 infecções e dois óbitos. Neste ano, porém, o cenário até então controlado, mudou de rotação.
De janeiro ao início de maio, o Município já contabiliza 404 infecções e 15 mortes. O aumento nos casos foi de 375% e, nos óbitos, o salto foi ainda mais alarmante: 650%. A reportagem entrou em contato com a secretária da Saúde de Antonina, Paloma Lima. A titular informou que “estava em reunião” e não poderia conceder entrevista.
Na tentativa de conter o avanço dos casos, Antonina do Norte implantou, na segunda semana de abril passado, lockdown com fechamento das atividades econômicas, inclusive com restrição aos mercantis, que por 12 dias, só funcionaram por meio de delivery.
Nos números, a medida surtiu efeito. No dia 17 de abril, a média móvel de novas infecções era 14. Dez dias depois essa média caiu para 6,82. No início de maio, a média estava em 1,42.
Na cidade de Fortim, os óbitos saltaram assustadores 400%, passando de três ao longo de 2020, para 15, nos primeiros meses deste ano. As infecções tiveram aumento de 545%. Neste ano já são 1.284 infecções, ante a 199 casos registrados em 2020.
A reportagem tentou contato, por telefone e e-mail, com a Secretaria da Saúde de Fortim, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Em Brejo Santo, o número de mortes em 2021 é 270% maior em comparação a todo o ano passado. Foram 27 óbitos em 2020 e 91 neste ano, totalizando 118 vidas perdidas desde o início da pandemia. A cidade também teve aumento de 30% nas infecções: 3.986 contra 3.056 no ano passado.
A secretária de Saúde do Município, Glauciane Torres Neves, destaca que a segunda onda tem sido mais “letal” e avalia que o “crescimento no número de mortes em Brejo Santo segue uma tendência verificada em todo o Brasil”.
Ela acrescentou que “todas as ações, que já eram realizadas no ano passado, foram intensificadas”, destacando a expansão nos leitos de UTI de cinco para 10 – hoje todos ocupados – e o aumento da testagem da população. Atualmente são em média 120 testes por dia. No fim de março, o Município restringiu o isolamento e suspendeu atividades bancos e no comércio. Mercantis só atuaram por delivery.
“Investimos em testes rápidos, cujo resultado sai em 20 minutos. Desta forma, ao identificar o infectado, podemos isolar e monitorar, evitando a cadeia de transmissão”, pontua. O Município, ainda segundo a titular da Pasta, criou um Centro Covid-19, e passou a ofertar atendimento no período noturno.
Glauciane Torres ressaltou também que Brejo Santo possui um intenso fluxo diário de pessoas devido a ser “uma cidade polo e que é cortada por uma BR”. Por esta razão, ela avalia que o combate à pandemia torna-se ainda mais desafiador.
As três cidades acima integram a lista das 23 com mais óbitos e casos em 2021, no comparativo ao ano passado.
Nova variante
A epidemiologista da Associação Brasileira de Epidemiologista de Campo (ProEpi) e professora universitária, Daniele Queiroz, explica que o aumento destes indicadores – casos e óbitos – pode estar ligado a nova variante desta segunda onda.
“Mais jovens estão evoluindo para a forma grave e morte. Podemos analisar a pirâmide dos casos por faixa etária na primeira e segunda ondas, o formato é similar. Mas quanto a de morte, é bem diferente”, destaca.
No entanto, a nova cepa é apenas um dos fatores que justificam o salto, detalha a especialista.
“Há uma redução da imunidade populacional, uma vez que a primeira onda ocorreu oito meses antes da segunda onda, mais ou menos o tempo que dura a imunidade após a infecção.”
Daniele Queiroz, epidemiologista
Ela destaca também os vários eventos (natal, réveillon, carnaval, páscoa) “que propiciaram os encontros familiares e impulsionaram a transmissão”. Por último, Daniele avalia que as pessoas estão menos engajadas em seguir as medidas de prevenção.
Regressão
Apesar do alto número de cidades que já superaram, neste ano, casos ou óbitos de 2021, a epidemiologista avalia que a pandemia atingiu o platô e, agora, a tendência é de estabilização seguida de queda.
“Acredito que estamos na etapa de regressão, principalmente em Fortaleza. Podemos evidenciar isso por vários indicadores, como menor número de casos confirmados a cada dia, atendimentos nas UPAs regredindo e leve redução da ocupação nas UTIs, dentre outros”.
Essa análise corrobora aos números das três cidades citadas acima. Antonina do Norte, Brejo Santo e Fortim, que tiveram significativo aumento deste ano, já apresentam redução de queda na média móvel de novos casos. Antonina saiu de uma média de 14 (17 de abril) para 1,42 no começo deste mês (dia 2).
Brejo Santo tinha, em 16 de abril, média móvel em 45,54 e, no início de maio, caiu para 13,42. Já Fortim, em 7 de abril, atingiu a média 17,28, índice que caiu para 6,42 em 3 de maio. Apesar dessas quedas, Daniele Queiroz aponta que somente com uma “rápida” vacinação a população terá um nível de imunidade homogêneo, capaz de conter efetivamente a pandemia.
“Enquanto isso, é possível evitar 95% das transmissões ao usarmos duas máscaras e que estas estejam bem ajustas. Arejar os ambientes e evitar aglomeração também são medidas eficientes. Se todos aderirem, não precisaremos mais ter medidas extremas como o lockdown”, concluiu.
Prevenção
É importante ressaltar que, apesar do avanço na vacinação e do cenário indicando para uma estabilização, os cuidados para evitar contágio do novo coronavírus devem continuar. É obrigatória a utilização de máscaras, uso de álcool em gel nas mãos e manutenção do distanciamento social.
Por André Costa
Fonte: Diário do Nordeste