Uma comissão especial na Câmara rejeitou nesta quinta-feira (5) o relatório do deputado Filipe Barros (PSL-PR) favorável à PEC do voto impresso, em meio a uma escalada de ameaças golpistas do presidente Jair Bolsonaro e com uma sinalização do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), de que, mesmo com a derrota, o texto da proposta de emenda à Constituição pode ser levado ao plenário.
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O parecer a favor da PEC foi rejeitado por 23 votos a 11. A seguir, o deputado Junior Mano (PL-CE) foi escolhido para fazer um novo parecer, que vai refletir a posição majoritária da comissão, contrária à mudança. O texto pode ser votado nesta sexta-feira (6).
A reunião ocorreu em meio a um pequeno protesto de manifestantes favoráveis ao voto impresso do lado de fora do anexo 2 da Câmara dos Deputados.
A derrota da PEC na comissão se deu após 11 partidos se unirem contra o tema, em reunião realizada no final de junho. Estiveram presentes os presidentes de PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e Avante. Posteriormente, o Republicanos recuou e passou a apoiar a mudança.
Nesta quinta, orientaram voto contra a proposta os partidos PT, DEM, PL, PSD, MDB, PSDB, PSB, Solidariedade, PSOL, PC do B, PV e Rede.
O Cidadania, legenda que se manifestou contra na reunião de junho, liberou seus deputados. O PP de Lira e do recém-nomeado ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o PSL orientaram sim, apesar de também terem se oposto à mudança no encontro de junho.
Dos partidos que não participaram, o Novo liberou a bancada, enquanto PTB e Podemos orientaram sim.
Mesmo com a derrota na comissão especial, a PEC de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) ainda pode ser levada diretamente a plenário e apreciada pelos deputados, afirmou Lira. Ele falou sobre a possibilidade prevista no regimento ao chegar à Câmara na manhã desta quinta, antes da reunião em que a proposta foi rejeitada.
Questionado sobre se o texto poderia ser votado direto no plenário, o deputado afirmou que regimentalmente existe essa possibilidade.
Lira lembrou que as comissões especiais são opinativas, não terminativas. “Elas sugerem um texto. Mas qualquer recurso pode fazer [ir a plenário]. Então é importante que a gente tenha calma nesta hora.”
A oposição reconhece que a possibilidade existe, mas vê pouca chance de o texto prosperar no plenário. “O que ficou claro hoje foi uma demonstração muito simbólica, muito forte, de 23 votos a 11, sepultando esta proposta, que tem como objetivo inviabilizar as eleições”, afirmou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).
Para ser aprovado no plenário, seriam necessários ao menos 308 votos favoráveis dos deputados, em votação em dois turnos.
“Depois da votação na comissão, com esse resultado expressivo revelando a maioria da posição dos partidos da Casa, eu tenho certeza de que o presidente Arthur Lira tem senso de responsabilidade e não admitiria apreciar essa matéria no plenário”, disse o deputado Orlando Silva (PC do B-SP). “O presidente pautar essa matéria no plenário seria assumir um protagonismo num debate completamente falso, baseado em premissas falsas, que não correspondem à necessidade da população brasileira.”
Na quarta-feira (4), porém, o presidente da Câmara defendeu uma auditagem “mais transparente” para evitar que a eleição seja contestada.
“Eu não tenho nenhum fato relevante que eu possa falar que houve fraude nas urnas eletrônicas. Eu não posso desconfiar do sistema em que eu fui eleito”, disse.
“Mas a discussão é: se não há falhas, se não há problema, por que nós ficarmos discutindo essa versão? Por que essa versão cresce? O Brasil é feito com problemas de versões, é isso que a gente tenta combater”, ressaltou Lira.
“Então, na minha visão, também se não há problemas não há por que nós não chegarmos numa situação de termos uma auditagem, seja lá de que maneira for, de forma mais transparente, para que não se tenha uma eleição, independente de quem seja eleito, contestada”, complementou.
Além de endossar parte da bandeira de Bolsonaro, Lira fez cobranças em relação ao tratamento do tema no Senado.
Ele ressaltou que há uma PEC aprovada pela Câmara em 2015 que trata da impressão do registro do voto, com depósito em local lacrado, nos mesmos moldes do que propõe o texto que está em debate na comissão especial pelos deputados no momento.
“Essa PEC está no Senado Federal”, disse o presidente da Câmara, sem citar o número da proposição. “E o Senado Federal, até hoje, de 2015 a 2021, não se pronunciou se quer votar ou não essa PEC. Portanto, ela não teve a urgência que a Câmara deu no Senado Federal.”
Após a derrota, Filipe Barros disse que o resultado já era esperado. “Pelas nossas contas era de fato isso que iria acontecer”, afirmou. “Onze parlamentares que já declaradamente tinham se manifestado favoravelmente à PEC, e os 23 cujos partidos fizeram a reunião com o TSE e cujos presidentes de cada um desses partidos já tinham fechado questão contrários à PEC.”
“Hoje, na verdade, foi a votação não da Câmara, não do Parlamento, que, de maneira independente, delibera sobre questões de interesse da sociedade. Hoje foi a votação resultado da influência e da interferência do Tribunal Superior Eleitoral.”
Diante da perspectiva de derrota, ele ainda tentou diminuir a resistência e amenizou pontos que desagradavam partidos, como o dispositivo que estipulava que as legendas poderiam, até cinco dias após a eleição, pedir a recontagem dos votos da seção eleitoral, desde que assumissem os custos envolvidos no processo. Barros ampliou o prazo para 15 dias e retirou a menção a arcar com os custos.
O bolsonarista também mudou o trecho sobre apuração para determinar que a contagem será exclusivamente manual, a partir de cada um dos registros impressos de voto, nas seções eleitorais, com a presença de eleitores e fiscais de partido.
Antes, a contabilização dos registros impressos de voto era automatizada, a partir de equipamentos de contagem dos votos que permitam a verificação visual do conteúdo de cada voto. Durante a implantação gradual, de acordo com o texto anterior, a apuração poderia ser feita com base nos registros eletrônicos onde o voto impresso ainda não tivesse sido adotado.
Barros mudou ainda o prazo para preservação dos registros impressos de voto. No primeiro relatório, isso deveria ocorrer até 31 de janeiro, salvo em situações excepcionais definidas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a partir de quando poderiam ser descartados.
No novo relatório, Barros estabeleceu que os registros impressos deveriam ser preservados por cinco anos a partir do dia seguinte da proclamação do resultado, salvo situações em que haja pedido de recontagem ou procedimentos de investigação, hipóteses em que deverão ser preservados até o trânsito em julgado do procedimento.
O texto também previa que leis que tratem da execução e procedimentos dos processos de votação e demais assuntos que não interfiram na paridade entre os candidatos têm aplicação imediata.
Segundo o relatório derrotado, investigações sobre o processo de votação devem ser conduzidas de maneira independente da autoridade eleitoral pela Polícia Federal, sendo a Justiça Federal de primeira instância do local da investigação o foro competente para processamento e julgamento, vedado segredo de Justiça.
A resistência contra o voto impresso ganhou força com a escalada de ameaças golpistas de Bolsonaro, que passou a defender que as eleições de 2022 ocorram somente mediante a aprovação do voto impresso no país.
Em 29 de julho, o presidente realizou uma live para apresentar o que ele chamava de provas das suas alegações, mas trouxe apenas teorias que circulam há anos na internet e que já foram desmentidas anteriormente. Ao longo de sua fala, o presidente mudou o discurso e admitiu que não pode comprovar se as eleições foram ou não fraudadas.
O modelo atual de votação já tem várias camadas de proteção e auditoria, em suas diferentes etapas, inclusive com participação de instituições e grupos externos ao TSE. Até hoje não há evidências de que tenham ocorrido fraudes em eleições com uso da urna eletrônica.
Fonte: Folhapress