O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o Fies, programa federal para estudantes de baixa renda financiarem mensalidades do ensino superior, é “bolsa para todo mundo” e “um desastre”.
Em reunião do Conselho de Saúde Complementar na última terça (27), Guedes contou de forma anedótica que “o filho do porteiro do prédio” tirou zero em todas as provas e conseguiu financiamento.
“Teve uma bolsa do governo, o Fies, uma bolsa pra todo mundo. […] O porteiro do meu prédio virou pra mim e falou: ‘Eu tô muito preocupado’. Eu disse: ‘O que houve?’ Ele disse: ‘Meu filho passou na universidade’. Eu: ‘Ué, mas você não tá feliz por quê? Ele: ‘[Meu filho] tirou 0 na prova. Tirou 0 em todas as provas. Recebi um negócio financiado escrito ‘parabéns seu filho tirou…’ Aí tinha um espaço pra preencher… e lá 0. Seu filho tirou 0 e acaba de se ingressar na nossa escola. Estamos muito felizes.”
O Fies é um programa de financiamento para estudantes cursarem o ensino superior em universidades privadas. Não concede bolsas, diferentemente do Prouni.
Oferece vagas com juro zero para estudantes com renda mensal familiar de um a três salários mínimos e com juros variáveis para alunos com renda mensal familiar de até cinco salários mínimos.
Segundo o Ministério da Educação, serão disponibilizados R$ 500 milhões para os financiamentos neste primeiro semestre de 2021, processo que já foi finalizado.
O edital previa a seleção com base em notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2010 a 2019. O candidato deve ter tirado nota média acima de 450 e não ter zerado na redação.
O ministro da Economia disse em outro comentário sobre o Fies que “foram até outro extremo. Deram bolsa para quem não tinha nenhuma capacidade. Botaram todo mundo… Exageraram. Foram de um extremo ao outro. Então, eu tô falando isso porque nós temos que ter muito cuidado quando a gente vai entrar em credenciamento”.
Na mesma reunião Guedes afirmou que “o chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana”. Posteriormente ele se desculpou e disse que usou “uma imagem infeliz”. No encontro, o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Casa Civil, também relatou ter tomado “escondido” a vacina contra a Covid-19.
O ministro da Economia não sabia que a reunião do conselho estava sendo gravada e transmitida por redes sociais na terça. Quando foi informado, disse: “Não mandem para o ar”. Após a reunião, o Ministério da Saúde retirou o vídeo da página da rede social da pasta.
“Desastre”
Em outro momento, Guedes chama o Fies de “desastre” ao complementar uma comparação entre sistema público e privado de saúde.
“Hospital privado chega e bate todo dia lá na porta do [paciente] Fez a cirurgia ontem de apendicite. De manhã cedo: Tá tudo certo? Tá com febre? Não. Vamo embora. Sai da cama aí. Vai ficar na cama não. Tem que desalojar. No sistema público o cara fica oito dias deitado. Aí tem uma fila no corredor querendo entrar. […] Por mais que nós trabalhemos nós não vamos dar conta do desafio se a gente não se encontrar com o setor privado a mil por hora. Eu acho que até exageraram no caso do privado, por razões e outras. Deram aquele fundo para educação [Fies]. Exageraram, deram R$ 40 bilhões, enriqueceram meia dúzia de empresários, foi um desastre. Exageraram. E aí não conseguiram manter.”
Ao jornal “O Globo”, o ministro defendeu as falas e disse que a intenção era alertar para a baixa qualidade de faculdades privadas.
“Eu estava dizendo de quão importante foi o investimento privado para permitir acesso ao ensino superior. O Fies foi um programa exitoso, deu acesso, embora eu prefira voucher para as famílias mais pobres, e aí citei o dilema que estava o porteiro do meu prédio. Isso é fato, é verídico”, afirmou.
“Eu dei um exemplo de uma caça-níqueis privada que aprovou alguém com média zero e possivelmente foi a base do Fies. Não tem nada a ver com filho de porteiro. O filho de porteiro foi um exemplo de uma pessoa humilde que me consultou preocupada com a qualidade da educação do filho.”
Empregadas domésticas
Em fevereiro do ano passado, Paulo Guedes, ao comentar as sucessivas altas da cotação do dólar, disse que na época de baixa da moeda norte-americana havia “empregada doméstica indo pra Disneylândia, uma festa danada”.
“Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vou exportar menos, substituição de importações, turismo, todo mundo indo para a Disneylândia. Empregada doméstica indo pra Disneylândia, uma festa danada. Mas espera aí? Espera aí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai ali passear nas praias do Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro do Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu. Vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil, que está cheio de coisa bonita para ver”, declarou à época.
Ele se retratou mais tarde. Mas logo na sequência questionou as críticas feitas à sua declaração.
“Qual o problema de você fazer uma referência como essa? Mostrando que os preços estão empurrando a população em direção equivocadas. Um Brasil cheio de belezas naturais e as pessoas pensando em não viajar para o Nordeste, para as praias do Nordeste porque estava 50% mais caro ir para o Nordeste brasileiro do que ir para o exterior”, disse.
Fraudes no Fies
O Ministério da Educação afirmou em fevereiro que há suspeita de irregularidades relacionadas ao Fies e que foi aberta uma investigação pela Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU).
Segundo reportagem da revista “Veja”, documentos da CGU indicam a existência de um esquema no Fies que repassou de forma ilegal US$ 1 bilhão a faculdades e mantenedoras de ensino que não poderiam participar do programa, impedidas por causa de dívidas com a Receita Federal.
A investigação, afirma a reportagem, aponta que 30% do total repassado voltava como propina para agentes públicos.
Em comunicado, a CGU disse que “em novembro de 2020, foi comunicada pelo Ministério da Educação (MEC) sobre a existência de possíveis irregularidades no âmbito do Fundo. Em razão dessa comunicação, a CGU deu início à investigação sobre o assunto, que se encontra em andamento, com o devido sigilo, necessário à condução adequada dos trabalhos”.
Fonte: G1