Coerência é artigo raro na Câmara dos Deputados. Enquanto o plenário da Casa debatia a reforma da Previdência, que pode render uma economia de até 1 trilhão de reais num período de dez anos, segundo estimativa do Ministério da Economia, o deputado Cacá Leão (PP-BA) incluía em seu relatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) a previsão de aumento dos recursos destinados ao financiamento de campanhas eleitorais. Pela proposta do relator, avalizada por líderes de partidos, os candidatos terão à disposição 3,7 bilhões de reais nas eleições municipais do ano que vem — 2 bilhões a mais em comparação com o valor desembolsado em 2018, quando houve eleições gerais no país. Esse reforço de caixa sairia das chamadas emendas de bancada, que são usadas para custear investimentos em infraestrutura e nas áreas sociais, como saúde e educação. Ou seja: se a medida for aprovada, um pedaço da verba pública destinada ao grosso da população será remanejado para a atividade político-partidária.
Em nota, o relator disse que não haverá aumento de despesas, mas apenas remanejamento de recursos. Seus colegas também não estão dispostos a recuar da ideia. Eles alegam que, com a proibição das doações empresariais, cabe à União arcar com as contas de campanha eleitoral. Nessa hora, esquerda e direita falam a mesma língua. Repetem como mantra que “democracia tem custo”. E ressaltam que, nesse caso específico, o custo acrescido é quase irrisório, insuficiente para pagar um mês de benefícios do Bolsa Família.
A cantilena dos deputados tem pelo menos dois furos. O primeiro: a lei permite doações de pessoas físicas. Em vez de trilharem o caminho fácil rumo aos cofres públicos, os políticos poderiam tentar convencer os eleitores a ajudar mais suas campanhas financeiramente. Nos Estados Unidos, essa modalidade de financiamento tem papel de destaque. O segundo furo: os parlamentares querem mais dinheiro público porque não enfrentam o problema de fundo — o alto custo das campanhas eleitorais. “O momento de atender à demanda dos partidos pelo aumento dos gastos eleitorais é péssimo. Há uma imagem muito ruim dos políticos num contexto de aprovação da reforma que torna mais difícil o acesso do trabalhador à aposentadoria”, diz a cientista política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos. Ela acrescenta: “Enquanto o cidadão aperta o cinto, os políticos afrouxam os próprios gastos”. Em meio a uma semana de festa no Congresso, essa iniciativa é uma péssima ideia.
Fonte: Veja.com