Eleitos 182 prefeitos de municípios cearenses, começa agora, em algumas cidades, outra fase importante do processo: a transição das gestões. Historicamente, neste período de mudança, os novos administradores encontram prefeituras “sucateadas”, com demissão em massa de funcionários, contratos de serviços essenciais se encerrando, além do sumiço de documentos e equipamentos.
Para coibir tais práticas, o Ministério Público do Ceará (MPCE) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) já têm na mira da fiscalização pelo menos 18 gestões municipais. Os locais foram escolhidos com base em uma “matriz de risco” criada pelas duas instituições. A expectativa é que, na próxima semana, as prefeituras comecem a ser procuradas por membros do TCE para apresentar documentos sobre contratos de obras, serviços e fornecedores, além do levantamento das ações judiciais que envolvem o município.
A situação da dívida ativa também deve ser observada pelos fiscais, bem como da folha de pagamento. “Já temos os primeiros municípios a serem inspecionados e fiscalizados. Neste ano, temos a peculiaridade da pandemia, então estamos pedindo documentações a essas gestões e, a partir disso, faremos inspeções presenciais, caso necessário”, explica Vanja Fontenele, coordenadora da Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública (Procap) do MPE.
Segundo ela, foram estabelecidos critérios objetivos para mapear as prefeituras com maior risco de desmonte, como locais onde o prefeito não foi reeleito e o sucessor será da oposição. “Quem se reelegeu ou fez o sucessor, inicialmente, não tem motivo para fazer desmonte, a não ser que haja um rompimento antes mesmo da posse”, afirma.
Dos 18 municípios selecionados para acompanhamento, em parceria entre a Procap e o TCE, mais da metade passará por um pente-fino específico na administração, revela Carlos Nascimento, secretário de Controle Externo do TCE. “Desses, em 12 (municípios) iremos focar na gestão contábil, financeira e patrimonial. Nos outros seis iremos verificar principalmente os gastos com pessoal”, explica.
Denúncias
Contudo, segundo ele, o número de locais fiscalizados deve aumentar “à medida que novas denúncias forem surgindo”. “Na próxima segunda-feira (23), vamos emitir uma portaria para orientar os prefeitos sobre o que observar nesse processo de transição”, diz o secretário.
Conforme Nascimento, a prioridade é que as prefeituras criem uma equipe de transição. “Se o gestor pensou na continuidade do serviço, as novas licitações ou as prorrogações dos contratos já deveriam estar sendo pensadas”, acrescenta o secretário.
Em outubro, o Ministério Público recomendou aos promotores que tomem providências para prevenir o desmonte. Até agora, foram instaurados procedimentos para acompanhar, pelo menos, oito prefeituras cearenses na reta final da gestão. No início do mês, a 15ª Promotoria de Justiça de Juazeiro do Norte solicitou à Prefeitura da cidade dados sobre o início e término dos contratos administrativos referentes aos serviços de coleta de lixo, transporte escolar e locação de veículos.
Prevenção
Já em novembro, o mesmo pedido foi feito para as gestões municipais de Boa Viagem, Cariré, Groaíras, Jati, Penaforte, Aurora e Pacoti. Nas cidades, os promotores de Justiça também recomendaram a formação de um grupo misto para o processo de sucessão entre as gestões.
“Em 2017, por exemplo, tivemos cidades tomadas pelo lixo, isso porque o prefeito via que o contrato seria finalizado em janeiro, mas não se preocupava em fazer nova licitação, então o que entrava não tinha condições de fazer uma licitação imediata”, relembra Vanja Fontenele.
Os órgãos de fiscalização esperam que os casos de desmanche sofram redução. “Nosso objetivo é de prevenir e construir essa cultura tanto nos administradores quanto nos administrados. Queremos estabelecer essa cultura de respeito ao erário”, conclui.
Diretor institucional da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Expedito Nascimento afirma que o combate às depredações é preocupação constante da entidade. “Orientamos todos ao longo das gestões. Os prefeitos hoje estão bem mais conscientes, principalmente porque, com as redes sociais, fica mais fácil para a população acompanhar e cobrar”, disse.
Pandemia
Além do desafio de assumir prefeituras até então geridas por adversários, Álvaro Martim Guedes, especialista em administração pública e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), aponta que, inevitavelmente, os prefeitos recém-eleitos enfrentarão cenários de dificuldades ao longo do mandato, especialmente no próximo ano.
“Este ano foi marcado por quedas drásticas na arrecadação devido à pandemia. Esses gestores terão pela frente um cenário muito adverso, então serão heranças muito ruins, mesmo que os antecessores deixem a máquina pública como está”, avalia.
Para ele, o processo de transição, incentivado no Ceará pelo Ministério Público, fica ainda mais importante. “Essa equipe que vai chegar e enfrentar todas essas dificuldades de crise econômica precisa estar a par de todo o cenário”, disse.
Por Igor Cavalcante
Fonte: Diário do Nordeste