O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou hoje a um jornalista que teria vontade de “encher tua boca com uma porrada” ao ser perguntado sobre os depósitos feitos pelo policial militar aposentado e ex-assessor Fabrício Queiroz na conta bancária da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Durante visita à Catedral de Brasília, Bolsonaro foi questionado por um repórter do jornal O Globo sobre o motivo dos depósitos feitos a Michelle.
O presidente então reagiu: “Minha vontade é encher tua boca com uma porrada, tá”. Sem responder à pergunta, Bolsonaro emendou: “Seu safado”. O jornal O Globo repudiou a atitude do presidente e afirmou que “tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população” (leia abaixo a íntegra da nota). Entidades jornalísticas e políticos da oposição também criticaram a postura do presidente da República.
Após a ameaça, os repórteres então questionaram se a declaração era direcionada a toda imprensa ou apenas ao repórter que fez a pergunta. “Isso é uma ameaça presidente?”, questionaram os jornalistas que o acompanhavam. Bolsonaro não respondeu e deixou o local em seguida.
O presidente seguiu então para o Palácio da Alvorada. Os jornalistas, entretanto, foram proibidos pelos militares de seguir para o espaço reservado à imprensa na entrada da residência oficial do presidente da República.
A reportagem do UOL pediu por e-mail que a Secom (Secretaria de Comunicação Social) do Ministério das Comunicações, que responde pela Presidência da República, se manifestasse sobre a intimidação do presidente ao jornalista. A Secom informou que “o Planalto não comentará”.
Sempre que passa pela Catedral nos fins de semana, o chefe do Executivo para e cumprimenta apoiadores. Como poucas pessoas estavam no local, ele permaneceu na Catedral por apenas cinco minutos.
Os depósitos de Queiroz a Michelle Bolsonaro
Queiroz e Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente, são investigados pelo Ministério Público do Rio por suposta rachadinha em seu gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). A prática envolve a devolução de parte dos salários por servidores.
A investigação foi deflagrada pouco após as eleições de Bolsonaro à Presidência e de Flávio ao Senado a partir de relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que identificou movimentações suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Alerj.
Entre elas, constava a “movimentação atípica” de R$ 1,2 milhão em uma conta no nome de Queiroz entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Segundo o Coaf, as movimentações bancárias seriam “incompatíveis com a atividade econômica” de Queiroz e grande parte era feita em dinheiro.
Entre as transações, foi identificado um cheque no valor de R$ 24 mil favorecendo a então futura primeira-dama Michelle Bolsonaro. À época, Bolsonaro afirmou que o cheque era parte de uma dívida de R$ 40 mil que o ex-assessor tinha com ele. O dinheiro não foi declarado em seu Imposto de Renda.
Neste mês, reportagem da revista Crusoé revelou que Queiroz fez outros depósitos em cheque na conta de Michelle. Ao todo, o ex-assessor Queiroz e a mulher dele, Márcia Aguiar, repassaram R$ 89 mil para a conta de Michelle Bolsonaro entre 2011 e 2016 —antes portanto de o marido assumir a Presidência da República.
A defesa de Flávio Bolsonaro tem negado a prática de qualquer irregularidade.
Queiroz e Márcia Aguiar encontram-se em prisão domiciliar no Rio por obstruir as investigações, segundo o juiz Flávio Itabaiana, da 1ª instância da Justiça do Rio.
Intimidação a jornalista ocorreu após aglomeração
A ameaça ao repórter ocorreu após Bolsonaro fazer uma visita à quadra 103 da Asa Norte, bairro de Brasília. A quadra residencial possui um conjunto de prédios que pertencem ao governo e são ocupados por militares.
Questionado pelos jornalistas, o presidente não esclareceu por que visitou o local. Os moradores da área se aglomeraram na prumada de entrada do prédio em que o Bolsonaro estava.
Ao deixar o local, ele posou para fotos com crianças, adultos e idosos, provocando uma grande aglomeração.
O uso de máscara e o distanciamento social são recomendados pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e pelo Ministério da Saúde como principais medidas —juntamente com a correta higienização das mãos— para diminuir a disseminação do novo coronavírus.
Leia a nota do jornal O Globo
Nota do jornal O Globo sobre o ataque do presidente Jair Bolsonaro a um de seus repórteres:
“O GLOBO repudia a agressão do presidente Jair Bolsonaro a um repórter do jornal que apenas exercia sua função, de forma totalmente profissional, neste domingo.
Em cobertura de compromisso público do presidente, o repórter solicitou que ele se pronunciasse sobre reportagens da revista Crusoé e do jornal Folha de S.Paulo que, no início deste mês, informaram que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro Fabrício Queiroz e a mulher dele depositaram cheques no valor de R$ 89 mil na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Anteriormente, o presidente havia prestado uma informação diferente sobre os valores.
Bolsonaro, então, em manifestação que foi gravada, não respondeu à pergunta e afirmou a vontade de agredir fisicamente o repórter.
Tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população.
Durante os governos de todos os presidentes, o GLOBO não se furtou a fazer as perguntas necessárias para cumprir o papel maior da imprensa, que é informar os cidadãos. E continuará a fazer as perguntas que precisarem ser feitas, neste e em todos os governos.”
Fonte: UOL