O senador e ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB) e sua filha Verônica Allende Serra foram denunciados hoje pelo MPF (Ministério Público Federal) por suspeita de lavagem de dinheiro transnacional. Os dois também são alvos de uma operação da Lava Jato que ocorre de manhã. Estão sendo cumpridos oito mandados de busca e apreensão em São Paulo e no Rio de Janeiro relacionados ao caso.
Em nota, o MPF informa que a denúncia oferecida pela Lava Jato de São Paulo diz que o ex-governador de São Paulo, entre 2006 e 2007, “valeu-se de seu cargo e de sua influência política para receber, da Odebrecht, pagamentos indevidos em troca de benefícios relacionados às obras do Rodoanel Sul”.
“Milhões de reais foram pagos pela empreiteira por meio de uma sofisticada rede de offshores no exterior, para que o real beneficiário dos valores não fosse detectado pelos órgãos de controle”, disse o MPF.
Por meio de uma nota, Serra disse que “causa estranheza e indignação a ação deflagrada” hoje. “Em meio à pandemia da Covid-19, em uma ação completamente desarrazoada, a operação realizou busca e apreensão com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita, o que comprova falta de urgência e de lastro probatório da acusação”, declarou.
“É lamentável que medidas invasivas e agressivas como a de hoje sejam feitas sem o respeito à lei e à decisão já tomada no caso pela Suprema Corte, em movimento ilegal que busca constranger e expor um senador da República”, acrescentou.
A procuradoria, por sua vez, alega ainda que as investigações demonstraram que José Amaro Pinto Ramos e Verônica Serra constituíram empresas no exterior, ocultando seus nomes, e por meio delas receberam os pagamentos que a Odebrecht destinou a Serra, na época governador de São Paulo.
“Neste contexto, realizaram numerosas transferências para dissimular a origem dos valores, e os mantiveram em uma conta de offshore controlada, de maneira oculta, por Verônica Serra até o final de 2014, quando foram transferidos para outra conta de titularidade oculta, na Suíça”, diz a nota.
Ainda segundo o MP, a Justiça Federal autorizou o bloqueio de cerca de R$ 40 milhões em uma conta na Suíça.
Segundo o colunista do UOL Jamil Chade, os advogados de defesa de Serra tentaram impedir que as informações da Suíça chegassem aos procuradores brasileiros, o que alongou o processo.
De acordo com a denúncia, a Odebrecht pagou ao senador cerca de R$ 4,5 milhões entre 2006 e 2007, que seriam usados pelo tucano para pagar gastos da campanha eleitoral, e mais R$ 23,3 milhões entre 2009 e 2010 para liberação de créditos junto à Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A) por conta das obras no Rodoanel Sul.
O MP alega que “por muitos anos, a Odebrecht relacionou-se com José Serra por meio de Pedro Augusto Ribeiro Novis, executivo da Braskem”, que posteriormente tornou-se delator. Novis afirmou à investigação que o político solicitou o pagamento de R$ 4,5 milhões no final de 2006 em uma offshore chamada Circle Technical Company, que estaria no nome de José Amaro Pinto Ramos, amigo do tucano.
Codinome “Vizinho”
Serra e Novis, que também foi presidente da Odebrecht, eram vizinhos em São Paulo. Segundo o MPF, em razão dessa proximidade, cabia sempre a Novis receber Serra em nome da Odebrecht, em encontros realizados em sua casa ou no escritório político, para “demandas de pagamentos em troca de ‘auxílios’ diversos à empreiteira”.
De acordo com o MPF, a construtora criou o que chamou de “Setor de Operações Estruturadas”, que tinha como objetivo o pagamento de propina no exterior. Nesse setor, a contabilidade era processada no sistema por meio de anotações em campos relativos à data, moeda, valor, obra e codinome do recebedor.
O codinome de Serra, ainda segundo a denúncia do MPF, era “Vizinho”. A Promotoria afirmou que, além dos registros constantes do “Setor de Operações Estruturadas”, o codinome de Serra foi confirmado por Novis em delação premiada.
“Fica claro nas muitas trocas de email apreendidos no computador de Marcelo Bahia Odebrecht. Em muitos deles, há menções expressas ao codinome ‘Vizinho’, ligado a temas como ‘Dersa’ e ao contato de Novis”, aponta a denúncia.
Primeira camada de lavagem
Segundo o MPF, no final de 2006, José Serra solicitou à Odebrecht, via Novis, R$ 4,5 milhões e indicou que o montante deveria ser pago no exterior, por meio de uma offshore chamada Circle Techical Company Inc..
A investigação localizou, entre 2006 e 2007, “numerosas transferências” feita em uma conta da offshore localizada no banco suíço Corner Bank. Entre essas transferências, nas planilhas constavam o codinome “Vizinho”, sendo a maior parte delas relacionada a obra do Rodoanel.
O MPF listou na denúncia as datas e o valores repassados nessa primeira camada de lavagem de dinheiro. “A análise de dados bancários da Circle Technical Company Inc, obtidas junto ao Corner Bank da Suíça via cooperação jurídica internacional, deixa fora de qualquer dúvida que tais pagamentos, referidos nos documentos entregues pela Odebrecht, realmente aportaram em sua conta”, diz o MPF.
Segunda camada de lavagem
De acordo com o MPF, a primeira camada de lavagem era um “mero artifício voltado a ocultar e dissimular a natureza espúria desses valores, além de seu real destinatário”. A investigação apontou que a Circle Technical “pulverizou” valores que recebeu por meio de outras organizações, entre elas, a offshore Dortmund International Inc.
“Informações bancárias relativas à offshore Dortmundo International Inc, obtidas via cooperação jurídica internacional, permitiram ver que sua conta no banco Arner recebeu outros pagamentos, oriundos de outras contas da Circle Technical, da Sofidest e da Hexagon no banco Corner, todas pertencentes a José Amaro.”
De acordo com o MPF, essas transferências eram controladas pela filha de Serra. “Assim, ao José Amaro Ramos realizar, a partir de contas suas, transferências vultosas em favor da Dortmund, entre 2006 e 2007, o que se praticava eram atos de ocultação e dissimulação da natureza espúria dos valores que recebera da Odebrecht no período, assim, seus reais destinatários: José Serra e sua filha Verônica Serra”, aponta o MPF.
Ao todo, segundo a denúncia, essa segunda camada de lavagem de dinheiro permitiu o recebimento de 936 mil euros, a títulos ainda a serem corrigidos monetáriamente para futuras devoluções, caso a Justiça assim decida.
“Dessa forma, valores transferidos a José Amaro Ramos pela Odebrecht, por solicitação de José Serra e tendo este como beneficiário final, foram remetidos, a partir de diversas operações, ao controle de Verônica Serra, filha do referido agente político, sendo, ao fim, liquidados para outras contas, em uma terceira camada de dispersão patrimonial, integrante, a toda evidência, de uma cadeia de lavagem de ativos.”
Fonte: UOL