Documentos internos revelam que o governo Jair Bolsonaro já havia sido alertado, em fevereiro de 2019, para o fato de que a verba para o Bolsa Família não seria suficiente.
Ao menos cinco vezes, o Ministério da Cidadania pediu mais dinheiro para que a fila de espera continuasse zerada.
Os pleitos, porém, foram barrados pela Junta Orçamentária, formada pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni, então na Casa Civil e que, na semana passada, passou a comandar o Ministério da Cidadania, responsável pelo Bolsa Família.
Procurado, Onyx não quis comentar as recusas para elevar os repasses que evitariam a queda na cobertura do programa e a barreira a mais de 1 milhão de famílias que pediram o benefício.
O programa atende famílias com filhos de 0 a 17 anos e que vivem em situação de extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 89 mensais, e pobreza, com renda entre R$ 89,01 e R$ 178 por mês. O benefício médio é de R$ 191.
Sem dinheiro, o governo praticamente suspendeu a liberação de novos benefícios, desde junho do ano passado.
Assim, a fila de espera, quando a família aguarda há mais de 45 dias para entrar no programa, voltou a se formar. Documento do Ministério da Cidadania mostra que mais de 1 milhão de famílias estavam nessa situação no fim do ano.
A tendência é o número continuar subindo, podendo chegar a 1,454 milhão no início de 2020, diz nota técnica da pasta.
O número, contudo, depende da habilitação —ato para checar se as famílias fizeram uma declaração verdadeira da renda ao se cadastrarem no programa social—, e só após 45 dias o pedido passa a ser contabilizado na fila.
A primeira tentativa de conseguir dinheiro para o programa foi feita em 6 de fevereiro de 2019. Foram requisitados R$ 3,7 bilhões, sendo R$ 2,5 bilhões para o pagamento da 13ª parcela, promessa de campanha de Bolsonaro, e R$ 1,2 bilhão para manter a fila zerada.
O governo, então, concedeu apenas o valor referente ao 13º. O montante não era suficiente para atender a todas as famílias que cumprem os requisitos do programa, concluíram técnicos da Cidadania.
Os estudos constataram ainda que o Bolsa Família atingia, no início do ano passado, alto grau de eficiência. Uma combinação de duas políticas: a de pente-fino e a continuidade da estratégia de “fila zero”.
A procura por benefícios irregulares já não apresentava tanto resultado. O dinheiro liberado para as famílias atendidas pelo programa era quase que totalmente sacado (98%).
“Na medida em que as famílias que recebem são de fato aquelas que precisam, elas tendem a sacar os benefícios nos prazos estabelecidos”, diz um dos documentos, ressaltando que esses fatores pressionam o orçamento do programa.
Em julho, o Ministério da Cidadania apresentou uma nova estimativa de necessidade de recursos: R$ 1,9 bilhão. Mas a Junta Orçamentária rejeitou o pedido. “A situação fiscal atual do país não permitir ampliação de gasto”, justificou.
Em outubro, quando a fila já se estava próxima de 1 milhão de famílias, novo documento alertou para o fato de que a espera continuaria crescendo, por causa da lenta recuperação da economia.
“O atual contexto de frustração dos principais indicadores econômicos reforça ainda a importância da continuidade dessa estratégia [fila zero]”, aponta o estudo.
Para minimizar os impactos, foi sugerida, então, a liberação parcial de novos benefícios para reduzir a fila em quase 700 mil famílias.
A solicitação de orçamento caiu, assim, para R$ 784,9 milhões. O dinheiro também seria usado para a manutenção do pagamento a quem já está no programa. Mas o pleito foi novamente negado.
Em novembro, a Folha mostrou que o orçamento do Bolsa Família não seria suficiente para bancar os pagamentos de dezembro, que incluiu a 13ª parcela, mesmo para quem já estava no programa. Bolsonaro foi às redes sociais chamar a reportagem de mentirosa.
Um mês depois, o governo teve de mexer no Orçamento, tirando verba da Previdência Social, que economizou por causa do pente-fino e fila de espera por benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), e repassando recursos para o Bolsa Família.
Sobre a rejeição aos alertas que começaram em fevereiro, o Ministério da Economia afirmou, na semana passada, que o Orçamento de 2019 estava pressionado por outros gastos e o governo teve de fazer escolhas diante de inúmeros pedidos de aumento de repasses para diversos programas.
Houve uma folga maior no Orçamento, segundo a pasta, apenas no fim do ano, quando foram recebidos os recursos do megaleilão de petróleo da cessão onerosa. Apesar disso, o governo teve dificuldade em fechar as contas do Bolsa Família.
“Mesmo tendo suspendido novas concessões de benefícios a partir de junho, as projeções apontavam para falta de recursos tanto para a retomada da política da fila zerada quanto para o fechamento do orçamento de 2019 sem concessões”, destacou uma nota técnica de 17 de dezembro.
Naquele mês, o Ministério da Cidadania já nem pedia mais dinheiro para reduzir a fila do programa social.
Foi solicitada uma verba de R$ 412,7 milhões para conseguir cumprir o pagamento de quem já estava no programa. São esses os recursos que saíram da Previdência.
Os documentos internos do governo foram obtidos pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP) via Lei de Acesso à Informação e confirmados pela Folha.
Para 2020, o governo ainda não tem previsão para conseguir ampliar o orçamento do Bolsa Família, que caiu de R$ 32,5 bilhões, no ano passado, para R$ 29,5 bilhões.
Fonte: Folhapress