“Não vai dar em nada”. A frase, com variações, é a que mais se ouve no Palácio do Planalto quando o assunto são os efeitos que a CPI da Covid poderá ter sobre o governo e o presidente Bolsonaro.
Do ponto de vista político, o argumento de estrategistas palacianos é de que a maior parte da população não está interessada em acompanhar o que seria um “ringue com finalidades eleitorais” em curso no Congresso. O que os brasileiros querem, afirmam, é se vacinar e conseguir emprego, ou tocar o seu negócio.
Do ponto de vista judicial, é preciso lembrar que, no caso de o relatório final da CPI responsabilizar Bolsonaro por crime comum, uma eventual investigação e uma também eventual apresentação de denúncia à Justiça contra ele ficará a cargo do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, autoridade máxima do Ministério Público Federal —e amigão do presidente.
Caso o relatório aponte que Bolsonaro cometeu não um crime comum, mas um crime de responsabilidade, a decisão sobre a abertura de um processo de impeachment contra ele continuará nas mãos de quem sempre esteve: Arthur Lira, o presidente da Câmara e líder do Centrão, que até hoje não se comoveu com nenhum entre as dezenas de pedidos de impeachment contra o ex-capitão que abarrotam suas gavetas.
Eis, portanto e em resumo, por que o Planalto acha que a CPI vai “dar em nada”, ao menos para Bolsonaro.
Pesquisa Exame/Ideia divulgada na última sexta-feira confirma em parte a análise dos estrategistas do governo.
Segundo o levantamento, 67% dos brasileiros têm conhecimento da existência da CPI da Covid, mas a maior parte desse grupo (88%) tem renda acima de cinco salários-mínimos e 72% têm curso superior.
Já entre a população mais pobre e que cursou até o ensino fundamental, 42% nunca ouviram falar da comissão. Os números corroboram a versão de que o interesse pela CPI está concentrado nos segmentos que não precisam se preocupar com a própria sobrevivência ao acordar.
Mais: perguntados sobre o que esperavam da CPI, apenas 32% dos que têm conhecimento dela responderam desejar que apontasse os culpados pela má condução pública no combate à pandemia —sua finalidade original.
Em compensação, 41% afirmaram considerar mais importante que a investigação resultasse no “aumento do ritmo da vacinação” no país.
Nesse ponto, o desejo dos entrevistados começa a encontrar eco na realidade.
Anteontem, sábado, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, voltou a afirmar que o governo federal está “na iminência” de assinar um novo contrato com a Pfizer para a compra de 100 milhões de vacinas contra a Covid-19 – em março, ele já havia fechado com a farmacêutica a aquisição de um primeiro lote, também de 100 milhões de unidades.
Além disso, a partir da semana que vem, a Fiocruz finalmente começará a fazer o IFA (ingrediente farmacêutico ativo) para a produção da Oxford/AstraZeneca em território nacional. A fabricação da “vacina brasileira” pela Fiocruz sempre foi a aposta do general Eduardo Pazuello, que, no entanto, errou feio no prazo, para variar.
Com o início da produção em grande escala da AstraZeneca pela Fiocruz e a compra das novas 100 milhões de doses da Pfizer, o governo estima que conseguirá vacinar toda a população adulta do Brasil até dezembro.
A CPI da Covid pode não ser responsável por essas iniciativas, muitas das quais nasceram antes mesmo da instalação da comissão.
Também é possível que, do ponto de vista político e até judicial, as investigações da CPI acabem por apresentar poucos resultados, como espera e torce o Planalto.
Mas não resta dúvida de que, ao escancarar omissões, trapalhadas e boicotes perpetrados pelo governo Bolsonaro no combate à pandemia, a CPI da Covid ao menos conseguirá impedir que ele continue a fazer o que fez até agora: jogar contra a vida dos brasileiros.
Por Thais Oyama
Fonte: UOL