João Doria (PSDB) anunciou hoje (31) a saída do governo de São Paulo e confirmou que vai ser candidato à Presidência da República, após um dia marcado por notícias desencontradas, disputas internas e tensão. Ele passou o cargo ao vice, Rodrigo Garcia (PSDB), que assume no dia 2 de abril e, nas eleições de outubro, vai concorrer à cadeira no Palácio dos Bandeirantes. “Cumpri a minha obrigação”, disse Doria.
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Depois de horas de reuniões com aliados, a formalização ocorreu no 4º Seminário Municipalista, no Palácio dos Bandeirantes, em evento que contou com plateia, escola de samba e gritos de “Brasil, pra frente, Doria presidente”.
Logo que subiu ao palco, Doria deu as mãos a Garcia —com quem estaria de relações estremecidas desde ontem (30), por desavenças políticas. (leia mais abaixo)
Na frente da plateia com mais de 600 prefeitos e aliados, o ainda governador elogiou seu vice no começo de seu discurso. “São Paulo teve o privilégio de ser governado por dois governadores”, afirmou.
“Chego hoje com sentimento de satisfação e realização. De ter cumprido o dever de honrar os compromissos que assumi com o povo de São Paulo e paz de espírito por ter seguido os preceitos morais de meu pai.”
João Doria (PSDB)
Doria fez um longo balanço dos seus três anos e três meses de governo, em citou projetos que sempre quis usar durante sua campanha eleitoral, como o desenvolvimento da vacina contra covid-19 e o aumento das matrículas em tempo integral na rede estadual.
Ele alfinetou o presidente Jair Bolsonaro (PL), provável concorrente na disputa eleitoral, e outros adversários políticos. “Aqui, em vez de agredir parceiros e gerar conflitos na diplomacia, respeitamos os parceiros econômicos do Brasil e de São Paulo”, referindo-se às declarações de Bolsonaro contra a China e o imunizante desenvolvido pelo Instituto Butantan e pela farmacêutica chinesa Sinovac —que deverá ser o principal mote da campanha eleitoral tucana.
Também reforçou a ideia de se criar uma terceira via, que possa disputar a vaga ao Planalto com Bolsonaro e o ex-presidente Lula (PT), que lideram as pesquisas de intenção de voto.
É hora de criar uma frente ampla e um time poderoso pelo Brasil e pelos brasileiros. Construir, sim, a melhor via para o país.”
João Doria (PSDB)
Em alguns momentos, se mostrou emocionado. Agradeceu equipe, amigos e família e só confirmou a candidatura ao pleito federal no fim de sua fala.
Quero dizer a vocês que, sim, serei candidato à Presidência da República pelo PSDB.”
João Doria (PSDB)
O governador foi ovacionado e, em cima dos ombros dos apoiadores, rodou por todo o auditório. Ao ser colocado no chão, falou com jornalistas, negou ter pensado em desistir da candidatura à Presidência, mas disse que era preciso “planejar”.
O tucano também disse que vai conversar com Sergio Moro, que anunciou hoje que vai se filiar ao União Brasil e que desistiu de concorrer ao Planalto. O ex-juiz e ex-ministro da Justiça deve disputar uma vaga como deputado federal por São Paulo.
“Nunca desisti [da candidatura], mas você precisa planejar para poder executar, para poder ter um caminho. Eu respeito o Moro, não quero falar que fica mais fácil [com a desistência do ex-juiz]. Vou chamar o Moro também para nos ajudar. Ele é uma pessoa de bem. Agora é hora da união”, disse o governador.
Para a plateia, elogios e apoio
Além dos prefeitos, o evento contou com a presença de secretários de governo, deputados e políticos relevantes de São Paulo.
Os primeiros discursos de prefeitos tucanos e aliados já citavam que Rodrigo Garcia ficaria com o governo e Doria renunciaria para seguir na disputa à Presidência.
Luís Fernando Machado (PSDB), prefeito de Jundiaí e um dos articuladores da campanha presidencial do ainda governador, citou em sua fala a “instabilidade emocional” e a “angústia” desde a noite de ontem, mas, ao final, sugeriu que Doria seguiria rumo ao Palácio do Planalto.
Logo depois, o secretário do Desenvolvimento Regional, Marco Vinholi, que também é presidente do diretório estadual do PSDB e importante interlocutor de Doria, antecipou a candidatura ao pleito federal e alfinetou o ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
“Neste governo, conseguimos fazer as reformas necessárias, os investimentos. É por isso que hoje representamos a continuidade desse projeto de alguém que já foi secretário de quatro pastas diferentes [Rodrigo Garcia], que não vem a poucos dias do prazo eleitoral, mudar o título para São Paulo para ser candidato”, afirmou.
Por fim, anunciou, exaltado: “Uma salva de palmas para o futuro presidente do Brasil, nosso governador do Estado de São Paulo, João Doria”.
Já o presidente da Alesp, Carlão Pignatari, mencionou a esposa do governador, Bia Doria e enalteceu a gestão Doria. “Entendo a aflição da Bia e dos filhos, mas essa polarização está acabando com nosso país”, disse —mais cedo, Bia havia afirmado que preferia que o marido desistisse.
“Você fez história no governo de São Paulo. Não tem nenhuma dúvida. Dos grandes governadores que nós tivemos, você foi o maior” afirmou. “Somos gratos pelas reformas e pela quantidade de investimentos no governo.”
Depois, o cerimonialista anunciou o discurso de Rodrigo Garcia. Todos aplaudiram de pé. “Ninguém está aqui para dizer adeus, mas um até breve. Não sou eu que tenho que brilhar aqui, é você”, disse Garcia a Doria.
Garcia foi o primeiro a citar Bruno Covas em seu discurso —o ex-prefeito da capital paulista, que morreu em maio do ano passado, foi vice de Doria na Prefeitura de São Paulo.
Doria, depois, fez o mesmo, dizendo que lembrava de Bruno ao olhar para o rosto do prefeito Ricardo Nunes. Fotos com Covas foram exibidas em um vídeo veiculado no evento pela equipe de comunicação de Doria.
O vídeo ressaltou os feitos da gestão tucana em São Paulo e também relembrou números positivos de renda e emprego, atribuindo as ações também a Rodrigo Garcia. A maior parte do material, no entanto, focou na CoronaVac. Na plateia, estava a primeira pessoa a receber uma dose do imunizante no Brasil, em janeiro de 2021, Monica Calazans.
Assim que o discurso de Doria acabou, os políticos que participaram do imbróglio ao redor da candidatura de Doria saíram pela parte de trás do palco. O prefeito Ricardo Nunes foi um dos primeiros a descer rapidamente a rampa de acesso ao palco e seguiu por uma porta lateral.
Crise no ninho tucano
Antes considerada uma possibilidade remota, a desistência da candidatura de Doria ao Palácio do Planalto e a intenção de ficar no cargo de governador acabaram virando moedas de negociação nas últimas horas.
O governador teria comunicado ontem Rodrigo Garcia que cogitava a ideia, conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo. Isso romperia um acordo fechado há três anos entre os dois políticos: Garcia se filiou ao PSDB e seria o candidato do partido ao governo paulista, enquanto Doria disputaria a campanha nacional.
A notícia movimentou a política paulista —aliados chegaram a pedir ajuda de tucanos históricos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador José Serra, para convencer Doria a sair do cargo e se lançar à campanha nacional. Também houve pressão do presidente da Câmara Municipal da capital, Milton Leite, e o MDB, do prefeito Ricardo Nunes, participou das articulações.
Até a confirmação de renúncia ao governo, no evento junto aos prefeitos, a decisão a ser tomada por Doria era considerada incerta. O presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, chegou a emitir uma carta ao diretório paulista afirmando que o governador paulista é candidato à Presidência da República pelo partido.
Segundo apurou a colunista do UOL Thaís Oyama, Doria sabia que sua candidatura não era a favorita na cúpula do PSDB e que seu nome também não é o favorito para ser o líder de uma terceira via nas eleições, em contraposição à Bolsonaro e Lula.
Soma-se ao cenário a briga interna no PSDB entre Doria e Eduardo Leite, ex-governador do Rio Grande do Sul. Nos últimos dias, Leite, que renunciou ao cargo de governador, tem se movimentado para assumir a candidatura federal no PSDB, pretendendo rifar João Doria, que ganhou as prévias internas.
Isso fez com que Doria pensasse em permanecer no governo do estado —com a convicção de que seria traído por Rodrigo Garcia.
Há pouco tempo o governador de São Paulo passou a desconfiar que seria abandonado por aliados paulistas após deixar o Palácio dos Bandeirantes, de acordo com apuração do colunista do UOL Alberto Bombig. Em conversa com o irmão Raul Doria, decidiu pelo gesto extremo de abortar o projeto nacional e permanecer no cargo.
O mau desempenho do governador nas pesquisas eleitorais também tem desanimado os políticos envolvidos na campanha. A chance de um dos nomes da terceira via chegar ao segundo turno se mostra um desafio.
Fonte: UOL