A Organização Mundial da Saúde não enviou um convite para que o presidente Jair Bolsonaro fosse um dos líderes a discursar em sua principal cúpula, a Assembleia Mundial da Saúde. O evento ocorreu no final de maio e foi considerado como um dos principais momentos da agência na busca de um consenso sobre como dar uma resposta à pandemia.
Naquele momento, a OMS não esclareceu oficialmente quem tinha sido convidado. O Itamaraty, apesar dos repetidos pedidos de esclarecimento por parte da coluna, se manteve em total silêncio sobre a ausência do presidente no evento.
Fontes na cúpula da entidade, porém, afirmam agora que de fato não houve um convite ao brasileiro.
Nos bastidores, pessoas próximas ao diretor-geral Tedros Ghebreyesus indicaram que o argumento oficial que utilizariam se fossem questionados era de que a vaga na América do Sul na Assembleia Mundial foi dada ao Paraguai, na condição de presidente do Mercosul no primeiro semestre do ano.
Quando o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, tomou a palavra no evento, ele de fato citou que era o presidente temporário do Mercosul, mas se limitou a dizer o que o seu país estava fazendo para conter o vírus, e não os vizinhos.
Um segundo país latino-americano também deveria participar e foi convidado pela OMS. Mas, de última hora, teve de ser cancelado por outros compromissos internos.
Mas a ausência do Brasil vai além de uma questão de protocolar e, para experientes negociadores em Genebra, o uso do Mercosul foi interpretada como uma “saída diplomática” para não ter de contar com um discurso do brasileiro ou, pior, uma recusa de Bolsonaro, o que ampliaria o mal-estar.
A regra de representação de um país por bloco não foi respeitada em outras regiões. Na Europa, a palavra foi dada ao presidente da França, Emmanuel Macron, e não aos croatas que presidiam o bloco. Na Ásia, China e Coreia do Sul participaram em seu mais alto nível. Donald Trump também foi convidado, mas se recusou.
Naquele momento, a OMS ainda lamentava a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. Ela era visto na direção da entidade como um “aliado” da agência dentro do governo brasileiro. Em reuniões fechadas, Tedros chegava a dizer que o ex-ministro era “excelente”.
Já antes de sua saída, o Itamaraty passou a enviar cartas duras às principais agências da ONU para alertar sobre eventuais críticas contra o país. Procurado, Mandetta afirmou que desconhecia essas cartas. Na esperança de manter uma relação cordial e apoiar o trabalho de Mandetta, Tedros optou por não criticar o Brasil publicamente.
Sem ele, a avaliação na OMS é de que a vertente ideológica do governo sobre saúde e política externa assumiu o comando da resposta à pandemia.
Presente em todos os grandes momentos da história recente da agência, o Itamaraty foi tradicionalmente um apoiador irrestrito ao multilateralismo. Com Bolsonaro, porém, o tom é de críticas, um afastamento e a utilização da organização como forma de justificar o número elevado de mortes.
Quem representou o Brasil foi o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde. Em seu discurso, ele apresentou um cenário do Brasil distante da realidade que vive o país. Não citou o salto no número de casos e nem o fato de o presidente insistir em não seguir e até criticar as recomendações da entidade.
No discurso, o general tampouco citou a OMS ou seu diretor-geral, Tedros Ghebreyesus, uma prática comum em falas na Assembleia Geral. Nos últimos meses, Bolsonaro tem criticado o chefe da agência e ignorado suas recomendações.
A entidade começou seu debate com um alerta duro por parte do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, que criticou governos que não deram ouvidos aos alertas da OMS ou suas recomendações. A reunião ainda contou com a participação de presidentes como Emmanuel Macron, Xi Jinping e vários outros líderes.
Um dos objetivos de Tedros era ainda de ter Donald Trump no evento, num sinal de coordenação entre Pequim e Washington para lutar juntos contra o vírus. O chinês aceitou o convite. Mas Trump recusou e, naquela semana, anunciou que estava “rompendo” com a OMS.
Na agência em Genebra, porém, o governo americano nunca formalizou sua saída e, para todos os efeitos legais, continua sendo membro. Diplomatas americanos também participam de reuniões sobre diversos temas, sempre longe dos holofotes da imprensa para não desmentir o próprio presidente dos EUA.
Por Jamil Chade
Fonte: UOL