O governo de Jair Bolsonaro prevê gastar menos na parte social, cultural e trabalhista no próximo ano.
Pressionado pelo aumento nos gastos de Previdência e no funcionalismo, o Palácio do Planalto acabou compensando a escassez de recursos com cortes em programas e ações do Orçamento de 2020 que não têm sido prioridade para o Executivo, na avaliação de especialistas.
O Minha Casa Minha Vida, por exemplo, terá o menor volume de recursos da história, assim como a fiscalização de obrigações trabalhistas e segurança no trabalho.
O Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) quase desaparece no próximo ano. A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) argumenta que os cursos oferecidos não atendem à demanda do mercado de trabalho.
Para 2020, o Bolsa Família tem futuro incerto. Nem mesmo a 13ª parcela, promessa do presidente Bolsonaro, está garantida no Orçamento. O governo quer reformular o programa e dar o nome de Bolsa Brasil.
Os cortes afetam também ações na área de saúde. Programa para distribuir remédios gratuitos ou com descontos à população de baixa renda, o Farmácia Popular também não foi poupado.
Apesar da intenção de expandir a cobertura de programas sociais, o principal desafio para a equipe de Bolsonaro em 2020 é o teto de gastos.
Essa norma, prevista na Constituição, impede que a União eleve as despesas públicas mais do que a inflação do ano anterior. Aprovado pelo Congresso, o Orçamento de 2020 está no limite. Novos gastos precisariam ser compensados com o cancelamento de outras despesas.
O investimento em cultura também despencará, especialmente na preservação cultural de cidades históricas.
O professor Caio César Costa, do departamento de administração da UnB e especializado na avaliação de políticas sociais, disse que o governo precisa estabelecer prioridades na hora de fazer os cortes.
“A Inglaterra, por exemplo, é um país desenvolvido, e as políticas sociais ainda ocupam um espaço grande no Orçamento. A principal mensagem é que, no momento atual do Orçamento, com margem pequena para cortar, diante das despesas obrigatórias, o governo precisa pensar onde será o corte.”
Para o Bolsa Família, o Orçamento elaborado pela equipe econômica reservou R$ 29,5 bilhões em 2020 —menos que os R$ 32 bilhões de 2019 e sem a previsão do 13º pagamento para beneficiários prometidos.
A expectativa é que 13,2 milhões de famílias sejam atendidas. Essa é praticamente a mesma cobertura registrada em dezembro (13,1 milhões), após os sucessivos enxugamentos do Bolsa Família promovidos por Bolsonaro.
Previsões de menos recursos para 2020 em relação a 2019
R$ 29,5 bi
é a previsão para o Bolsa Família, uma queda de R$ 2,5 bi
R$ 2,7 bi
estão reservados para o Minha Casa Minha Vida, metade do valor anterior
R$ 36 milhões
são os recursos destinado para toda a fiscalização trabalhistas, queda de 49%
R$ 33 milhões
são destinados à preservação do patrimônio cultural de cidades históricas, menos 78%
No Minha Casa Minha Vida, o orçamento previsto para o próximo ano, de R$ 2,7 bilhões, é metade da dotação deste ano. A queda ocorre em meio a incertezas quanto ao modelo que vai passar a vigorar no próximo ano. O governo tenta reformular as diretrizes do programa habitacional para reduzir os subsídios da União.
“O Minha Casa, além da política social importante, tem reflexo grande na geração de emprego. Mas, em compensação, teve orçamento em áreas também estratégicas para ação governamental, como Ciência e Tecnologia e Defesa”, avaliou Costa.
Na esteira de uma série de medidas adotadas pelo governo para afrouxar a lei trabalhista, vista, pela equipe econômica, como bastante engessada, os recursos para fiscalizações trabalhistas foram cortados para o menor patamar da série histórica, corrigida pela inflação.
De um total de R$ 1,4 trilhão de despesas previstas para 2020, foram reservados apenas R$ 36 milhões para operações de inspeção de segurança e saúde no trabalho, combate ao trabalho escravo e verificações de obrigações trabalhistas. A queda em relação ao orçamento apresentado em 2019 —R$ 70,4 milhões— é de 49%.
No caso do Pronatec, o auge do programa foi em 2015, quando a verba prevista em projeto de lei somou R$ 4 bilhões. Se comparado com esse período, a ação em 2020 sofreu uma redução de 97%.
Na cultura, um dos cortes mais agudos se deu na preservação do patrimônio cultural das cidades históricas. Desde 2013, quando foram atribuídos R$ 300 milhões à ação, os recursos destinados a esses projetos vêm minguando. Ainda assim, se mantinham acima de R$ 100 milhões —neste ano, foram R$ 150 milhões de dotação por projeto de lei. Em 2020, o Orçamento prevê apenas R$ 33,1 milhões, queda de 77,9% na comparação com este ano.
Para o deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), ex-ministro da Cultura, o corte na área de patrimônio é simbólico.
“As pessoas, mesmo aquelas que apoiam o governo, quando olharem um monumento abandonado, quando olharem uma igreja malcuidada, elas têm que lembrar que, na realidade, o governo não está tomando nenhuma ação, nenhuma medida, para que isso seja revertido. Um país sem memória é um país sem alma”, critica.
No Farmácia Popular, que se propõe a oferecer à população acesso aos medicamentos considerados essenciais, o corte orçamentário foi menos expressivo, redução R$ 100 milhões. Estão previstos R$ 2,5 bilhões em 2020.
Ex-presidente do CNS (Conselho Nacional de Saúde), Ronald Santos, porém, criticou a desidratação. “É uma insanidade reduzir os recursos aí. O programa tem diminuído. Há mais limitações”, avaliou Santos, que atualmente preside a Fenafar (Federação Nacional dos Farmacêuticos).
Fonte: Folhapress