O governo exonerou a coordenadora-geral de Observação da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Lubia Vinhas. A exoneração, assinada pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, foi publicada na edição desta segunda-feira (13) do “Diário Oficial da União”.
A Observação da Terra é a área do Inpe responsável, entre outras atribuições, pelo monitoramento da devastação da Amazônia, por meio do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter).
Em conversa com a TV Globo, Lubia afirmou que é servidora concursada do Inpe há 23 anos e, por isso, deve seguir no instituto – mesmo sem o cargo de gestão. Ela também afirmou não saber o motivo da exoneração, e disse que ficou sabendo da mudança pelo Diário Oficial da União.
Já no fim da tarde, o Inpe divulgou nota em que afirma que Lubia será, na verdade, remanejada para outro cargo. Segundo o instituto, ela será “Chefe da Divisão de Projeto Estratégico, que tratará implementação da nova Base de Informações Georreferenciadas (“BIG”) do INPE, uma demanda do Ministro Pontes”.
“Esta, por sinal, é a área primária de formação e expertise da Dra. Lubia Vinhas”, diz o Inpe (veja a íntegra da nota ao fim desta reportagem).
Na semana passada, o Inpe divulgou que junho teve o maior número de alertas de desmatamento para o mês em toda a série histórica, iniciada em 2015.
No acumulado do semestre, os alertas indicam devastação em 3.069,57 km² da Amazônia, aumento de 25% em comparação ao primeiro semestre de 2019. Só em junho, a área de alerta foi de 1.034,4 km².
Os dados servem de indicação às equipes de fiscalização sobre onde pode estar havendo crime ambiental. Os números não representam a taxa oficial de desmatamento, que é medida por outro sistema, divulgado uma vez ao ano.
Em nota divulgada pouco após a exoneração, o Greenpeace afirmou que a demissão “não supreende” em razão de decisões anteriores tomadas pela gestão Jair Bolsonaro, mas “dá novamente a entender que o governo é inimigo da verdade”.
“Mas não será escondendo, passando uma maquiagem nos dados ou investindo em propaganda que o governo irá mudar a realidade. E isso acontece por uma razão bem simples: Bolsonaro não quer mudar os rumos da sua política, afinal, a destruição é o seu projeto do governo”, diz o comunicado da porta-voz de Políticas Públicas da organização, Luiza Lima.
De acordo com o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, o governo não abandonou um suposto plano de intervenção no Inpe.
“Não é segredo para ninguém desde o ano passado que o governo deseja intervir no Inpe. A demissão ruidosa de Ricardo Galvão impediu isso, mas a exoneração de Lubia Vinhas pode ser um indicativo de que o plano nunca foi abandonado. Que isso ocorra em plena aceleração do desmatamento, quando o governo precisa conter ameaças de desinvestimento, é sinal de que Jair Bolsonaro parece estar tratando as preocupações do agronegócio e dos investidores como trata as dos brasileiros aterrorizados pelo coronavírus. Nossa economia encontra-se em risco extremo”, afirmou.
Demissão anterior
Em agosto do ano passado, em meio à escalada nos focos de incêndio na Amazônia, o governo exonerou o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão.
Na época, o presidente Jair Bolsonaro havia desqualificado os dados do instituto e disse que o Osório devia estar a “serviço de alguma ONG”. Galvão rebateu as acusações.
Íntegra
Confira abaixo a íntegra da nota divulgada pelo Inpe sobre a exoneração:
“O processo de reestruturação do INPE, em curso e sob demanda do ministro do MCTI Astronauta Marcos Pontes, tem como principal objetivo buscar sinergias e otimizar os recursos humanos e de infraestrutura do Instituto para um funcionamento mais eficiente. O INPE completará no dia 3 de agosto de 2020 seus 59 anos de idade tendo assumido a partir de 2010, como uma de suas duas missões principais ao lado da reconhecida área espacial, a área de monitoramento ambiental do território nacional. A missão finalística do INPE, portanto, não diz respeito somente ao estudo do espaço exterior e suas conexões com o planeta e o desenvolvimento de tecnologias espaciais nacionais com repasse à nossa indústria, mas também o que se denominava até há pouco de “aplicações espaciais” para o estudo do ambiente terrestre. Nesse contexto, juntamente com a Coordenação de Observação da Terra (CGOBT), o INPE criou e mantém a Coordenação Geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) e o Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST). Com o suporte de vários campi do INPE em várias cidades do País, o INPE também mantém centros de controle e rastreio de satélites, recepção de imagens e observatórios espaciais.
Infelizmente, desde 2010, o INPE perdeu mais de 600 servidores sem a devida reposição via concursos públicos. No mesmo período, ocorreu uma demanda cada vez maior de nossa sociedade por produtos singulares do INPE relativos à área de Ciência da Terra como a previsão numérica de tempo e clima, o monitoramento dos biomas brasileiros, dos oceanos e das áreas de agricultura e pecuária, o desenvolvimento de programas de mitigação para cenários de mudanças globais, estudos sobre o balanço de carbono terrestre e oceânico, poluição e eletricidade atmosféricas, assim como de ensino, pesquisa e extensão em áreas relacionadas ao sensoriamento remoto e previsão de tempo e clima. Esses eixos fundamentais de ameaça nos forçaram necessariamente a mudar, visando, em primeiro lugar, aumentar a eficiência dos nossos trabalhos e melhorar nosso atendimento às demandas do governo e da sociedade brasileira em geral.
Notou-se também que o INPE, devido às atribuições crescentes ao longo de sua história, carecia de uma maior integração transversal entre suas áreas, programas e operações. Notou-se, por exemplo, a partir da crise imposta pelo aumento do desmatamento verificado no bioma Amazônia em 2019, seguido de um aumento considerável de queimadas no mesmo bioma e período, que nossas equipes do Programa Amazônia e Demais Biomas (AMZ+) e Queimadas, respectivamente lotadas na CGOBT e CPTEC, poderiam render mais se trabalhassem juntas. Um outro exemplo da sinergia entre essas coordenações ocorreu durante a crise do derramamento de óleo no litoral brasileiro no final de 2019, quando o INPE, por meio do trabalho integrado da CGOBT e do CPTEC desenvolveu um trabalho extraordinário em apoio ao Grupo de Acompanhamento e Análise (GAA) do Ministério da Defesa, IBAMA e ANP, nas áreas de sensoriamento remoto dos oceanos e de previsão numérica de correntes marinhas. Do INPE partiu a hipótese principal de que a origem do óleo aportado às nossas praias teria origem em oceano profundo.
O processo de reestruturação do INPE, desenhado para modernizar o Instituto e adaptá-lo para melhor responder às pressões ora impostas, teve início em outubro de 2019. Desde então e até o final de fevereiro de 2020, ocorreram discussões internas com os servidores do Instituto sobre como o INPE poderia avançar científica e tecnologicamente, além de explorar as possíveis sinergias entre as áreas. Nas reuniões que ocorreram com os servidores da CGOBT, CPTEC e CCST, foi realizado um estudo sobre as sinergias das atividades dessas coordenações e foi estabelecida a criação da Coordenação-Geral de Ciências da Terra, que responderá por todo o trabalho da área ambiental do INPE. Nessa nova coordenação, nossos servidores, bolsistas e estagiários das áreas ligadas ao ambiente terrestre irão trabalhar juntos. Ali concentrar-se-ão servidores com formação nas áreas de ecologia, biologia, oceanografia, meteorologia, geologia, agronomia, engenharia florestal, computação científica, física e outras. O trabalho integrado desses servidores certamente permitirá avanços em atividades do INPE associadas ao melhoramento das previsões numéricas de tempo e clima, bem como a melhor estruturação de bancos de dados georreferenciados.
Nesse sentido, desde o início das conversas sobre a reestruturação, já estava prevista a relocação da Dra. Lubia Vinhas do cargo de Coordenadora-Geral da CGOBT para o cargo de Chefe da Divisão de Projeto Estratégico, que tratará implementação da nova Base de Informações Georreferenciadas (“BIG”) do INPE, uma demanda do Ministro Pontes. Esta, por sinal, é a área primária de formação e expertise da Dra. Lubia Vinhas.
A Direção do Instituto reforça que as atividades associadas ao monitoramento do desmatamento da Amazônia, bem como as demais atividades operacionais do Instituto continuarão sendo realizadas e tendo como premissas os critérios técnicos e científicos de praxe.”
Fonte: G1