“Escute a ciência”. Foi com apenas poucas palavras que a ativista sueca Greta Thunberg respondeu quando lhe perguntei se ela tinha uma mensagem para passar ao presidente Jair Bolsonaro. Palavras, porém, carregadas por um forte recado.

Alvo de uma forte pressão internacional, o brasileiro se transformou num dos nomes mais citados em manifestações pelo clima no mundo. Mas, quase sempre, como um exemplo a não ser seguido. Sua posição sobre a Amazônia e sobre mudanças climáticas se transformaram em uma imagem antagônica aos milhares de jovens que optaram por tomar as ruas de cidades pelo mundo, no último ano.

O apelo de Greta ao presidente brasileiro era relativamente simples: tomar decisões políticas com base nos resultados de anos de pesquisas da ciência e que têm demonstrado que o planeta vive um momento decisivo.

Nesta sexta-feira, dia 17, percorri a cidade de Lausanne ao lado do grupo de Greta. Ela fazia parte de uma manifestação que reuniu 10 mil jovens, em defesa do clima. Às vésperas de seu desembarque em Davos na semana que vem para falar com a elite mundial, ela usou seu primeiro evento na Suíça para mostrar a força de sua mobilização. Ela não deixou de fustigar os líderes internacionais, muitos dos quais não escondem o mal-estar diante de seu discurso.

Admirada por muitos, Greta é também alvo de críticas. Mas, nas ruas, seu poder parecia incontestável.

Uma “pirralha” gigante
Por quase duas horas, a “pirralha” de Bolsonaro era uma verdadeira gigante em meio a uma histeria comparada a um astro do futebol ou da música. Sempre com o semblante fechado, Greta e seu entorno mantinham um detalhado controle sobre tudo o que ocorria e a cada passo que dava.

Ela se recusou a liderar a manifestação. Estava no meio de todos, longe das bandeiras e cartazes empunhados pelos estudantes locais que direcionavam a multidão pela cidade suíça. A mensagem que tentava passar era de que ela seria apenas uma garota a mais na massa de jovens que tomaram as ruas.

Com um gorro de lã, botas e uma luva surrada, Greta passou parte do percurso olhando para o chão. Praticamente não falou por mais de uma hora. Enquanto ela caminhava, o que se via em seu entorno era uma estrutura profissional. Três seguranças à paisana, observando constantemente tudo e todos.

Para que pudesse caminhar, os organizadores da manifestação tinham inicialmente convocado dez jovens para fazer uma espécie de cordão para impedir que as pessoas se aproximassem. Não funcionou. Minutos depois, eles já eram 20 fazendo um muro para protege-la dos fãs e curiosos.

Enquanto ela caminhava, as sacadas dos prédios antigos do centro de Lausanne se abriam. Nem o inverno rigoroso dos Alpes impedia que centenas de pessoas se debruçassem sobre suas janelas para esperar por Greta.

Foi assim quando ela passou diante de um hotel cinco estrelas e notou a presença de todos os garçons uniformizados numa sacada, com seus celulares apontados para ela. Mas também foi assim quando ela parou o trabalho de um escritório de um grande banco e levou seus funcionários a sair nas varandas para ver a celebridade. Numa casa funerária, as janelas também se abriram para ver Greta passar.

Ao seu lado, na rua, o que se via era um fluxo constante de jovens excitados diante da presença da menina. O empurra-empurra de alguns apenas terminava quando conseguiam o mais importante: uma foto do ícone daquela juventude.

Uns tentavam selfies, outros simplesmente faziam um “live” enquanto lutavam contra o cordão que a separava da multidão.

Ativismo e “likes”
Inabalada diante dos gritos, elogios e declarações de amor, Greta seguia seu percurso. Pequenas confusões se formavam quando esses mesmos jovens, assim que conseguiam a foto, deixavam de andar para, imediatamente subir a imagem nas redes sociais, na espera de “likes”.

Entre os comentários da multidão que se aproximava a ela, uma mistura de surpresa diante de seu tamanho modesto e palavras de apoio. “Vamos Greta”, gritaram três meninas, saltando freneticamente, numa cena que mais parecia às imagens da loucura dos shows dos Beatles.

Enquanto o cortejo percorria Lausanne, via-se de tudo pelas calçadas. Um jovem tocando clarinete no topo de um poste, outros vestidos com máscaras de um seriado popular da Netflix e mesmo idosos aguardando com curiosidade para entender a fascinação que aquela garota gerava. “É ela, é ela”, dizia uma senhora, ao seu acompanhante de cabelos brancos.

Ao final, numa das praças da cidade, foi a vez da multidão escutar o discurso de seus líderes. Jovens que prometiam “lutar pelo planeta” e fazer Davos “escutar” a existência de um “outro mundo”.

Vaias ao Brasil
Nos discursos, não faltaram ataques ao Brasil. Um dos estudantes que tomou o microfone alertou sobre o desmatamento no país. E, diante dos jovens, alertou que a Suíça estava “recompensando” o governo Bolsonaro ao assinar um acordo de livre comércio com o Brasil, numa alusão sobre o acordo entre o Mercosul e o EFTA, o bloco europeu do qual faz parte a Suíça. “Tudo isso para que o preço da carne seja mais baixo aqui”, denunciou. Os milhares de jovens ecoaram uma longa vaia ao governo brasileiro.

Mas quem todos esperavam era Greta. Já com uma chuva fina caindo sobre os jovens, foi sua vez de ela ocupar o centro do palco, para a explosão de alegria dos jovens. Rapidamente, os organizadores se deram conta: o microfone estava muito alto.

Cada frase da pequena garota era interrompida por aplausos e gritos da multidão. Foram breves minutos de um recado cuidadosamente organizado para ser claro e sem ambiguidades.

“Estamos entrando em uma nova década. Não vimos nenhuma ação que as coisas estão sendo feitas. E isso precisa mudar”, disse a sueca.

“Estamos protestando há várias semanas. Mas isso é só o começo. Para os líderes mundiais, quero dizer que vocês não viram nada ainda. E isso é o que vamos dizer em Davos”, alertou.

Ao terminar, como uma estrela mundial, Greta foi retirada dos demais jovens por uma saída sigilosa. Visivelmente exausta e sozinha, ela entrou em um carro, acompanhada por dois seguranças e um adulto. Do lado de fora, outros dois guarda-costas permaneciam examinando a situação da rua deserta.

Aquele era o seu 74º protesto. E não será o último.

Por Jamil Chade

Fonte: UOL