A escola onde estuda e a comunidade em que mora fizeram Samila Ferreira, 15, conhecer de perto do preconceito. O tema chamou a atenção da adolescente, que participa de uma pesquisa para entender como a discriminação leva à violência.
Pelo trabalho, a jovem foi escolhida e representará o Brasil no European Development Days (Jornada Europeia de Desenvolvimento), que será realizado em Bruxelas, na Bélgica, na terça e na quarta.
Samila está no primeiro ano do ensino médio da escola estadual Mário Alencar, em Fortaleza, e faz parte do projeto Jovens Investigadores, da ONG Visão Mundial. “Quando meus colegas souberam que eu tive a chance de nos representar por meio dessa pesquisa, foi algo muito grande, eles ficam muito felizes”, conta.
O projeto Jovens Investigadores, liderado por crianças e adolescentes, já percorreu cinco outros países: Bangladesh (com o tema de punição corporal na escola), Chile (intimidação), Gana (gravidez na adolescência e abuso sexual), Romênia (violência na mídia) e Sri Lanka (abuso de substâncias e violência).
Na capital cearense, Samila participa de pesquisa sobre “desempacotar a violência baseada na discriminação contra crianças marginalizadas”. Foi com esse tema que a jovem foi selecionada para falar em Bruxelas.
“A gente chegou à conclusão de fazer uma pesquisa sobre um tema que é muito comum na nossa realidade. A gente usou o método de entrevistas e questionou qual o tipo de discriminação que gera violência”, explica.
Os entrevistados pela equipe de Samila foram jovens que estudam com ela ou moram perto dela. “Na comunidade, o público de adolescentes é vítima disso, adolescentes ficam com muitas sequelas. Nas minhas entrevistas, pude perceber essa realidade. Os meus colegas de escola, todos falaram que, se não sofreram, já presenciaram alguma violência desse tipo”, diz.
A pesquisa ainda está em fase final de apuração e terá resultados lançados em breve.
De um humilde Ceará para a Europa
Samila mora no Parque Santa Maria, na região Ancuri, local marcado pela violência. Em 2018, a região em que ela vive registrou 167 assassinatos, o que dá uma média de 65,2 homicídios para cada 100 mil habitantes (mais que o dobro da taxa de 30 a cada 100 mil em média no país, em 2017). A maioria das vítimas é formada por jovens e negros.
Filha de uma empregada doméstica que está desempregada, Samila vai sair do Ceará pela primeira vez na vida. Ela, a mãe e o irmão moram juntos. “A minha vida é muito simples, muito humilde. A minha mãe sustenta a casa, mas ela está desempregada, então temos todas as dificuldades de uma família sem renda”, diz.
Clarice Ziller, assessora da ONG Visão Mundial, é quem vai acompanhar Samila no evento. “Lá eu vou a orientar, vou fazer a tradução para ela, ser como a mãe dela”, diz, citando orgulho da “filha”, mesmo que apenas por alguns dias. “Esse é um evento muito grande, com mais de 5.000 pessoas, e que será uma oportunidade para falar sobre sua realidade”, diz.
Na Bélgica, Samila diz que pretende falar um pouco da experiência da desigualdade. “Falarei sobre como a discriminação pode determinar a vida de uma pessoa. Pretendo realmente ter muitas experiências e trazê-las para cá”, afirma.
Olhando para o futuro, Samila diz que ainda não sabe o curso que pretende fazer na faculdade, mas sabe a área a seguir. “Quero fazer faculdade, mas não sei bem qual a profissão. Só sei que quero trabalhar com pessoas, ser da área de humanas.”
150 países participam da jornada
O evento vai contar com líderes, influenciadores, pesquisadores e estudantes de todas as idades de 150 países para troca de experiências. A jornada é considerada o principal fórum de desenvolvimento social da Europa.
Neste ano, o fórum tem como tema “Abordar as desigualdades: Construir um mundo que não deixa ninguém para trás”.
Samila irá participar de duas apresentações. Na primeira, será a oradora principal de um evento sobre a participação da criança para a redução das discriminações. Ela ainda vai participar da apresentação do projeto Jovens Investigadores.
Fonte: UOL