A descoberta de uma nova espécie de aranha fóssil da Bacia do Araripe, no Ceará, a mais antiga da família dos Palpimanidae, que viveu há cerca de 113 e 122 milhões de anos, e o primeiro exemplar encontrado na América do Sul, ganhou repercussão.
Descrito pelo norte-americano Matthew R. Downen e pelo britânico Paul A. Selden, o trabalho também recebeu visibilidade por batizá-la de Cretapalpus vittari, em homenagem à cantora brasileira Pabllo Vittar. Apesar da relevância do estudo, uma investigação do Ministério Público Federal (MPF) poderá apontar para possível saída ilegal deste material que deu origem a essa importante revelação científica.
Em menos de um ano, esta é a segunda grande descoberta científica alvo de polêmica. Em outubro do ano passado, foi revelado por pesquisadores estrangeiros o Ubirajara jubatus, dinossauro mais antigo encontrado na Bacia do Araripe, que viveu entre 110 e 115 milhões de anos. Seu fóssil está em um museu na Alemanha e foi exportado, em 1995, sem autorização legal.
No caso do Cretapalpus vittari, seu fóssil teria sido extraído, em data desconhecida, na Formação Crato, no município de Nova Olinda. Contudo, no artigo publicado na última edição da revista científica Journal of Arachnology, os pesquisadores que fazem parte do departamento de geologia da Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, afirmam que o espécime foi doado para Paul “pelo Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe e Departamento Nacional de Produção Mineral (CPCA-DNPM) para fins de pesquisa e ensino”.
Entretanto, essa doação foi amplamente questionada pela comunidade científica brasileira. De acordo com o paleontólogo Álamo Feitosa, coordenador do Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca), não há no trabalho nenhum documento que comprove a saída do fóssil do Ceará.
Além disso, a saída de holótipo — peça única que serve de base para a descrição da espécie — não é permitida pela legislação brasileira. Neste caso, ficam retidos ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Uma Portaria do MCT nº 55, de 14 de março de 1990, determina que materiais e dados científicos do Brasil só podem ser estudados fora do país com algumas condições, dentre elas, o intermédio de uma instituição técnico-científica brasileira, a participação de ao menos um cientista brasileiro na pesquisa e a devolução do material.
“Nem o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) poderia doar. Isso é contra qualquer lógica.”
Álamo Feitosa, paleontólogo
O Decreto Lei Nº 4.146, de 1942, determina que os fósseis são propriedade da União. Ao contrário de alguns países, como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, a compra e venda no Brasil é proibida. Sua extração depende da autorização prévia da Agência Nacional de Mineração (ANM) – antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Independem dessa autorização e fiscalização os exploradores que representam museus nacionais e estaduais e estabelecimentos oficiais, ainda tendo que comunicar antecipadamente ao mesmo órgão. A pena para quem comercializa as peças varia de um a cinco anos de prisão.
Urca provocou MPF
Diante da desconfiança, a assessoria jurídica da Urca enviou, há 13 dias, um ofício ao MPF, com o pedido de esclarecimento sobre o caso. “O Ministério Público tem que abrir uma investigação séria. Os indícios apontam para algo muito cavernoso, como tráfico ilegal de fósseis. Devem aparecer ainda muitas pesquisas de fósseis que teriam sido ‘doados’ pelo antigo DNPM, mas sem qualquer legalidade”, acredita Feitosa.
O procurador da República Rafael Rayol conta que já foi solicitada, junto à ANM, na semana passada, informações sobre uma possível autorização emitida pelo antigo escritório do DNPM, que funcionava em Crato e era responsável pela fiscalização deste material na região do Cariri. O órgão tem um prazo de até dez dias úteis para responder.
Em contrapartida, se comprovada a irregularidade, acredita que será aberto um inquérito policial para apurar o caso da Cretapalpus vittari. Neste caso, é necessária a cooperação jurídica internacional. “Vamos identificar quando saiu, quem recebeu. Assim, produziremos provas, poderemos fazer diligências. Mas, primeiro, temos que identificar se saiu irregularmente”, descreve.
A reportagem tentou contato, por e-mail, com os dois pesquisadores responsáveis pela descoberta do Cretapalpus vittari, questionando se havia autorização para a saída do fóssil do Brasil e se pretendem devolvê-lo, mas não tivemos retorno. Também buscamos informações junto à ANM sobre a doação alegada por Downen e Selden no artigo, mas também não obtivemos resposta até a publicação desta matéria.
Ubirajara saiu de forma ilegal
Um procedimento semelhante ocorreu com o Ubirajara jabutus, que teria sido levado para a Alemanha em 1995, após receber uma autorização por escrito de um servidor do escritório regional do antigo DNPM, em Crato.
Após sua descoberta divulgada, cientistas brasileiros começaram a questionar sua saída, pois, fere a legislação. No Twitter, por meio da hashtag #UbirajaraBelongsToBR (#UbirajaraPertenceAoBR), já era um dos assuntos mais comentados no país.
Em reportagem publicada na Revista Galileu, no último dia 16, o paleontólogo Eberhard Frey, diretor do Museu Estadual de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, e coautor da pesquisa, apresentou um documento emitido pelo então servidor do DNPM,
José Betimar Filgueira, que concede a ele a autorização para transportar “duas caixas contendo amostras calcárias com fósseis, sem nenhum valor comercial, com objetivo precípuo de proceder com estudos paleontológicos”, diz o documento. “Ele foi a pessoa-chave que apoiou nosso trabalho e concedeu todas as licenças para isso”, completou Frey, na matéria, descrevendo Betimar.
Na época, o Diário do Nordeste localizou José Betimar Filgueira, hoje servidor aposentado, que confirmou que emitiu e assinou a autorização. No entanto, ressaltou que ela era válida apenas junto ao DNPM.
“Eles precisavam também da autorização do Ministério das Ciências e Tecnologia (MCT), coisas que eles não obtiveram ou porque não sabiam ou porque não foram atrás”, disse em entrevista em dezembro do ano passado.
O próprio Betimar conta que vistoriou, na época, o material contido nas duas caixas e assegurou que não havia nenhum fóssil de dinossauro. “Se houvesse fóssil incomum, não teria dado a autorização”, argumentou.
O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria de Juazeiro do Norte, instaurou um procedimento para investigar a saída deste material do país e enviou um ofício à ANM, questionando todo o processo de autorização.
“O material não constava que tinha autorização para exportação, portanto, foi exportado ilegalmente. A gente já encaminhou para a PGR um pedido para as autoridades alemãs um requerimento de repatriação”, conta Rayol. Além disso, foi instaurado um inquérito criminal que vai buscar a responsabilização da saída deste material do Brasil.
Hoje, há outros procedimentos de repatriação em fase final para resgate de peças na Alemanha e França, mas que estavam na posse de particulares. No primeiro, tenta reaver 50 fósseis, inclusive um pterossauro. Já no segundo país, são três procedimentos num volume total de 1 mil fósseis, todos com a mesma empresa, que comercializava na Europa. Ainda há outros em museus do Japão e Itália.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste