Em um discurso com mentiras e dados imprecisos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou hoje na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) que o Brasil é vítima de “uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”.
No discurso de abertura do evento, que durou 14 minutos e foi feito por videoconferência, Bolsonaro elevou o valor do auxílio emergencial para US$ 1.000 a 65 milhões de brasileiros — pela cotação atual, o presidente afirma que o governo destinou cerca de R$ 5.400 para cada brasileiro atendido pelo governo. Na verdade, o auxílio deverá ser de, no máximo, R$ 4.200 à maioria dos beneficiários.
Bolsonaro afirmou que índios e caboclos são responsáveis por incêndios na Amazônia. Disse também que as queimadas no Pantanal acontecem em decorrência das altas temperaturas na região e culpou a Venezuela pelo aparecimento de manchas no litoral de 11 estados no ano passado.
Para o presidente, há uma “campanha escorada em interesses escusos” por parte de “instituições internacionais” junto a “associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas”. O objetivo, segundo ele, é prejudicar o seu governo. Apuração do UOL Confere, contudo, mostrou mentiras e dados imprecisos no próprio discurso.
“Somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal. A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil.”
Bolsonaro não citou diretamente o nome de nenhuma organização nem de países que estariam por trás dessa articulação, mas buscou reforçar a narrativa de seu governo de que a Amazônia seria alvo de cobiça internacional.
Disse, sobre o tema, que seu governo é líder em conservação de florestas tropicais e que tem política de tolerância zero com o crime ambiental. Ambas as informações foram classificadas como falsas pela Agência Lupa, que também avaliou o conteúdo do discurso.
Bolsonaro repete estratégia
A estratégia tem sido adotada pelo Palácio do Planalto na tentativa de rechaçar as críticas à gestão ambiental em decorrência do desmatamento na Amazônia e das queimadas que estão devastando o Pantanal.
Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente, que coordena o Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon, mostram que o desmatamento na Amazônia subiu 68% em agosto de 2020, na comparação com o mesmo período do ano passado.
O Pantanal, por sua vez, bateu recorde histórico de queimadas para todo o mês de setembro ainda na primeira quinzena. Foram mais de 5.600 focos de incêndio, número quase três vezes acima da média para o mês.
É a segunda vez que o presidente brasileiro discursa em uma Assembleia Geral da ONU sob forte pressão internacional por causa do avanço do desmatamento e de questões ambientais. No ano passado, Bolsonaro classificou como “falácia” a ideia de que a floresta é um patrimônio da humanidade.
Sem evidências, Bolsonaro culpa caboclo e índio
Hoje, o presidente brasileiro disse, sem entrar em detalhes técnicos, que os incêndios na Amazônia ocorrem “praticamente nos mesmos lugares” e atribuiu parte dessa responsabilidade ao “caboclo e o índio”, que teria por hábito queimar “seus roçados em busca de sobrevivência”.
“Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente, nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas.”
Ao contrário do que disse o presidente, não há provas de que os incêndios na Amazônia tenham acontecido por iniciativa de caboclos e indígenas. A declaração do presidente, por tanto, é falsa.
Em setembro deste ano, pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e da Universidade de Estocolmo publicaram uma carta na revista Science em que afirmam que boa parte das queimadas e do desmatamento na Amazônia, entre 2019 e 2020, está relacionada a “apropriação e desmatamento em larga escala” realizadas por médios e grandes fazendeiros.
Desmonte da política ambiental
Na ONU, o presidente disse ainda que sua política é de “tolerância zero” com o crime ambiental e que os focos criminosos são combatidos com rigor.
“Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação. Mantenho minha política de tolerância zero com o crime ambiental. Juntamente com o Congresso Nacional, buscamos a regularização fundiária, visando identificar os autores desses crimes.”
Ao contrário do que disse o presidente, em seu governo houve desmonte da política ambiental e de órgãos que tradicionalmente atuam na fiscalização de crimes ambientais, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Apesar do aumento no desmatamento no país, as sanções impostas pelo Ibama caíram 60% em um ano.
Além disso, segundo o MPF (Ministério Público Federal), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, interferiu nas estruturas de fiscalização do Ibama após Bolsonaro pressionar sua equipe devido à destruição de maquinário usado por grileiros na Amazônia.
Indícios apontam para incêndios criminosos no Pantanal
Sobre as queimadas no Pantanal, Bolsonaro comparou a situação brasileira com a dos Estados Unidos.
“O nosso Pantanal, com área maior que muitos países europeus, assim como a Califórnia, sofre dos mesmos problemas. As grandes queimadas são consequências inevitáveis da alta temperatura local, somada ao acúmulo de massa orgânica em decomposição.”
A Polícia Federal, porém, suspeita de ação criminosa nos incêndios. A corporação deflagrou uma operação para apurar a responsabilidade pelas queimadas na região.
Na reserva particular do Patrimônio Natural Sesc Pantanal, na região de Barão do Melgaço, em Mato Grosso, peritos apontaram que o incêndio aconteceu por queima intencional de vegetação desmatada para criação de área de pasto para gado.
Fonte: UOL