A prática de queimar a vegetação para preparação ao plantio da roça, ainda muito presente no interior do Estado, é um dos principais fatores que contribuem para o alto número de incêndios no Ceará. Uma alternativa à redução deste índice é a disseminação das agroflorestas, também conhecidas como agricultura sintrópica.
O sistema trabalha com a recuperação pelo uso, isto é, o estabelecimento de áreas altamente produtivas e independentes de insumos externos, como agrotóxicos e pesticidas. A ideia é trabalhar a favor da natureza, associando os cultivos agrícolas com os florestais, recuperando os recursos em vez de explorá-los e incorporar conceitos ecológicos ao manejo. Deste modo, o agricultor elimina a necessidade do uso do fogo e, por sua vez, contribui para redução das queimadas, beneficiando fauna e flora.
Quebra cultural
O engenheiro agrônomo Francier Simião da Silva explica que a prática da queima para preparar área ainda é comum porque, em um primeiro momento, facilita o plantio. Porém, adverte que a produção só será significativa no primeiro ano. “As cinzas têm vários minerais que sustentam a planta nesta primeira etapa, mas para o ano seguinte, como a broca e a queima acontecem numa vegetação mais rasteira, de um solo mais fraco pela perda de nutrientes, vai cair 50% ou mais. A tendência é que em três anos não se produza e procure um novo solo para fazer a prática”, enfatiza.
Deste modo, outras áreas são queimadas na busca por resultados e o número entra em uma espiral de crescimento. Para Francier, um dos problemas que mantém esta prática, hoje criminosa no Ceará, é a falta de acesso à terra. “São os ‘posseiros’, pessoas que pegam emprestado a terra de outro só para o plantio”, acredita. O agrônomo aponta que o problema reside neste cenário. “Não tem como fazer trabalho ambiental quando não se é o dono”, detalha.
Disseminar a cultura, portanto, ainda é um gargalo. O diretor técnico da Ematerce, Itamar Lemos, admite que o órgão estadual não tem nenhum programa específico relacionado a implantação de sistemas agroflorestais, mas diz que há oferta de assistência técnica gratuita para os agricultores interessados neste tipo de manejo.
“Nosso princípio de trabalho é em cima do sistema agroecológico. O produtor pode entrar em contato conosco, que ofereceremos este apoio para começar”. O interessado pode ligar para um dos escritórios regionais.
Ação antrópica
O tenente-coronel Nijair Araújo, comandante do 4º Batalhão de Bombeiros Militar de Iguatu e 4º Grupamento de Combate a Incêndios, avalia que mais 90% dos incêndios acontecem pela ação humana. “Raramente a natureza provoca a autocombustão”.
Quanto à queimada feita pelos agricultores, Nijair diz que “tecnicamente não resolve nada”.
Para agravar, o militar ressalta que “tem visto aceiros desordenados, em horários diferentes do que é comum, que foge à normalidade”.
Para ele, a educação e a prevenção são importantes, mas, só através da denúncia, o Estado pode agir numa tentativa de identificar e, assim, punir os autores.
Benefícios
Diferente das áreas queimadas, que só produzem no primeiro ano, o sistema agroflorestal permite plantar todos os anos no mesmo espaço e ainda é possível recuperar uma área degradada ao longo do tempo, manejando a introdução de plantas arbóreas, frutíferas e até pequenos animais neste contexto.
O agricultor José Raimundo de Matos, 77, morador do Sítio Taboleiro, em Nova Olinda, deixou a queimada de lado e migrou, há mais de 20 anos, para o sistema agroflorestal.
Em sua propriedade, Zé Artur consegue reunir uma grande variedade de frutas e legumes. “Eu não tinha nenhuma fruta. Hoje, quando chega no tempo, a gente tem”.
A mais de 70 quilômetros dali, no Sítio Jurema, em Juazeiro do Norte, Ednaldo Ferreira Gonçalves também mantém um sistema agroflorestal, desde 2017.
A mudança ambiental foi fundamental para a família transformar a propriedade, antes castigada pela agricultura convencional por causa da queima, mas que agora dispõe de bom solo. “Aqui dá quase tudo”, vibra Ednaldo.
Fonte: Diário do Nordeste