A manifestação cultural chamada Michael Jackson (1958-2009) é revestida de extremos. Artista único, foi responsável por alterar os modos de consumo e difusão da estética pop nos últimos 50 anos. Rosto reconhecido em todos os continentes, tanto a voz como as performances seguem imortalizadas nas mais diferentes expressões artísticas e plataformas midiáticas. Da música ao cinema, do teatro ao videoclipe. É uma assinatura milionária, cuja façanha foi ancorada pelo profissionalismo e uma expressiva venda de discos e produtos de merchandising.
Hoje, contam exatos 10 anos da partida do astro, atribuída a uma overdose de substâncias anestésicas. À época, faltavam apenas 17 dias para Jackson estrear o espetáculo “This is it”. Com 50 shows agendados na 02 Arena, em Londres, a turnê era encarada por muitos como a despedida dos palcos. Outro detalhe também gerava expectativa. Era a chance do retorno triunfal após anos de exílio, brigas na justiça e polêmicas nos noticiários. Entretanto, no intervalo de uma década, a lacuna física não foi empecilho para o faturamento da marca.
Segundo dados da “Forbes”, a família de Jackson já arrecadou US$ 2,4 bilhões desde a morte do cantor. Em 2018, a cifra atingida foi de US$ 400 milhões e só deixou de liderar a lista anual de celebridades mortas que mais arrecadaram em 2012. Musicalmente teve os lançamentos póstumos “Michael” (2010) e “Xscape” (2014). Mesmo com a qualidade duvidosa dos trabalhos, emplacou o single “Love Never Felt so Good” (2014). Com isso, é o único músico a marcar presença no ranking top 10 da Billboard em cinco décadas diferentes.
Ascensão e queda
Reforçam os números a venda de direitos autorais de outros artistas e até produções baseadas na sua imagem e obra. Caso dos espetáculos “Michael Jackson: The Immortal World Tour” (de 2011 a 2014) e “Michael Jackson: ONE”, do Cirque du Soleil, em cartaz em Las Vegas desde 2013. Outro musical deve ter como destino a Broadway. É o caso de “Don’t stop ‘till you get enough”, previsto para 2020.
Tais conquistas pontuam Jackson como um nome ainda relevante e capaz de atrair atenção do público. Negativamente, inclusive. Estrela mundialmente reconhecida por mais de quatro décadas, Michael Jackson prossegue como um artista lucrativo mesmo morto. Na mesma intensidade, novas acusações de abuso sexual contra o músico reacendem o debate entre detratores e fãs apaixonados pela arte do norte-americano.
As conquistas e o mundo de fantasias construído ao redor da celebridade reservam um lado contraditório e conflitante. Desde 1993, Jackson é notícia devido a acusações de abuso sexual infantil. A primeira denúncia foi aplacada de forma extrajudicial em 1994, após o pagamento de uma indenização de US$ 23 milhões aos pais da vítima, um garoto de 13 anos. Em 2003, outro menino, com a mesma idade, declarou ter sido molestado pelo cantor. Dessa vez, o processo ganhou os tribunais e a absolvição só aconteceu dois anos depois.
Em 2019, novos fatos envolvendo crimes de pedofilia voltam à tona e o debate em torno da inocência de Jackson se acirra entre fãs e detratores. O estopim dessas cicatrizes é o documentário “Deixando Neverland”, dirigido por Dan Reed, de “The Paedophile Hunter” (2014). Produzido pela HBO e Channel 4, a obra é ancorada nos depoimentos de Wade Robinson e James Safechuck. Ambos relatam abusos cometidos por Jackson quando eles ainda eram crianças.
Ao longo de quatro horas, o espectador tem acesso ao depoimento das vítimas, dos familiares diretamente envolvidos, além de documentos (como papéis de fax) trocados entre o acusado e uma das crianças. Os testemunhos são dolorosos e pontuados pela inclusão de detalhes horripilantes. Dividido em dois capítulos, a primeira parte desenvolve a relação abusiva de Jackson com os meninos. Num segundo momento, acompanhamos o drama dos acusadores e a difícil decisão de denunciar os acontecimentos do passado.
A veiculação do filme surtiu resultados. Rádios da Austrália, Canadá e Nova Zelândia decidiram retirar as canções de Jackson da programação. Na Bélgica, autoridades de Bruxelas se recusaram a vestir uma estátua local com as roupas da estrela. As autoridades não ficaram insensíveis ao conteúdo divulgado na obra.
“Deixando Neverland” é maior do que o próprio legado musical de Michael Jackson. É um documento que denuncia as relações de poder numa indústria massacrante e abusadora. O número de vidas mastigadas nos bastidores do entretenimento constrange e o recente movimento #metoo também descortinou tal cenário. Michael Jackson ainda gera lucros e segue preso a uma infeliz incógnita.
Discografia (solo)
“Got to Be There” (1971)
“Ben” (1972)
“Music & Me” (1973)
“Forever, Michael” (1975)
“Off the Wall” (1979)
“Thriller” (1982)
“Bad” (1987)
“Dangerous” (1991)
“HIStory: Past, Present and Future – Book I” (1995)
“Invincible” (2001)
“Michael” (2010)
“Xscape” (2014)
Filmografia
“The Wiz” (1978)
“Captain EO” (1986)
“Moonwalker” (1988)
“Michael Jackson’s Ghosts” (1997)
“Men in Black II” (2002)
“Miss Cast Away and the Island Girls” (2004)
Fonte: Diário do Nordeste