O candidato ao governo do Ceará Capitão Wagner (União Brasil) evitou nesta quarta-feira (14) declarar apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que já o considerou candidato dele no estado. O posicionamento destoa dos realizados pelos outros principais concorrentes ao cargo, Elmano de Freitas (PT) e Roberto Cláudio (PDT), que se relacionam explicitamente com a imagem de outras lideranças políticas.
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Para Carla Michele Quaresma, mestra em sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora da faculdade Ari de Sá, o “descolamento” da imagem de Bolsonaro é vantajoso no Ceará, onde o candidato à reeleição na disputa presidencial tem avaliação negativa.
“Isso a gente vê claramente na tentativa de alguns candidatos se afastarem do presidente Bolsonaro, com avaliação negativa por parte considerável dos eleitores em algumas regiões, como no Nordeste”, destacou.
Com isso, candidatos ao governo tentam “descolar” suas imagens do presidente da República, mesmo com alinhamento ao ponto de vista ideológico de Bolsonaro. Isso ocorre, conforme a professora, pois eles sabem que essa associação pode ser muito comprometedora.
Paula Vieira, doutora em sociologia pela UFC e docente da Unichristus, observa esse movimento na estratégia utilizada pelo candidato ao governo do Ceará Capitão Wagner, a qual busca se desvincular de uma figura no páreo presidencial. Tal atuação seria sustentada pela rejeição a Bolsonaro no território cearense.
A docente situa que esse posicionamento se dá porque, mesmo que Bolsonaro esteja com um percentual competitivo numa perspectiva nacional, a disputa se dá em âmbito estadual. Nesse contexto, o que o Brasil pensa nesse momento não é importante em termos de estratégia para o jogo político do Ceará.
“O Ceará, até na campanha de 2018, não apoiou o Bolsonaro; ele não liderou aqui. O Ceará está mais vinculado ao Lula e ao Ciro, a disputa fica mais entre esses candidatos ideologicamente falando”, refletiu. “Para o Wagner, que está concorrendo ao governo de um estado que rejeita Bolsonaro, então é melhor não se vincular tanto à figura do Bolsonaro”.
Na avaliação de Carla Quaresma, Wagner tem um trunfo para sustentar a posição de neutralidade. O partido dele, União Brasil, tem candidatura própria à presidência, com a senadora Soraya Thronicke. Isso o ajuda a se esquivar, na visão dela, do relacionamento com o presidente.
“Quando ele é instigado a falar sobre isso, ele diz que vai votar na Soraya Thronicke, pela questão fidelidade partidária. É muito bom para ele porque é uma forma de prestar contas, de dar essa satisfação”.
Ela destacou ainda que o discurso de negociação com qualquer presidente beneficia Wagner devido à base saber que o eleitor dele vota nos três candidatos com maiores intenções de voto no Ceará.
“O eleitor não tem muito essa noção de ideologia e alinhamento; ele não consegue estabelecer essa relação entre partidos políticos e coerência entre as suas alianças […] o eleitor é muito personalista, vai muito no indivíduo. Então, para o Capitão [Wagner] não é interessante falar sobre isso no período eleitoral.”
Posicionamento pode mudar no segundo turno
Para Carla Quaresma, a tendência é de que, num eventual segundo turno, a postura dos candidatos mude — geralmente, eles assumem posicionamento mais abertamente.
Ela lembra do caso do ex-governador Camilo Santana (PT) em 2018, com neutralidade no primeiro turno, quando Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT) estavam disputando a presidência. O então gestor estadual só veio declarar apoio ao petista no segundo turno, em que Haddad concorria com Bolsonaro.
“No primeiro turno é mais fácil ter essa posição de neutralidade; no segundo turno, isso se torna mais difícil. Os candidatos vão ser mais cobrados, então, por exemplo, o Capitão Wagner vai ter que dizer em quem ele vai votar, e só haverá dois candidatos”.
Balizada pelas pesquisas, Carla Quaresma acredita que a candidatura de Soraya Thronicke não será projetada para o segundo turno. “Ele [Capitão Wagner] vai ser instigado a falar sobre isso. É claro que ele vai tentar manter esse discurso, sair pela tangente, mas ele vai ser muito pressionado. Isso vai acontecer de forma mais incisiva”.
Apadrinhamentos de petistas
As duas professoras percebem que a estratégia de Elmano de Freitas (PT), também candidato ao governo do estado, dá-se na direção contrária: os apoios do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e do ex-governador Camilo Santana, candidatos à presidência e ao Senado, respectivamente, são essenciais na corrida pelo pleito.
Carla Quaresma ressaltou que a recente subida de Elmano se deu mais pela cisão entre o bloco partidário antes formado no estado. Até então, o capital político de Camilo estaria relacionado ao bloco político do qual ele participava.
A entrada de Elmano na disputa — contando também com o apoio de Lula — foi, na perspectiva dela, o motivo da queda de protagonismo de Roberto Cláudio. “Ninguém esperava nem o rompimento da aliança”, disse a professora.
“Quando o Elmano começou a fazer campanha de rua e a aparecer nas propagandas de rádio e televisão mostrando o apoio do Camilo e do ex-presidente Lula, tudo isso foi fazendo com que o eleitor fosse demovido a apoiar a candidatura do Roberto Cláudio”.
Além disso, Carla Quaresma citou que a atuação de Camilo na campanha de Elmano tem provocado muito engajamento político em torno do petista. O ex-governador tem feito, na perspectiva dela, um “corpo a corpo muito expressivo”, inclusive com outras lideranças políticas.
“Parece que é ele [Camilo] que está em campanha, é como se ele não fosse nem candidato ao Senado; parece que ele é candidato ao governo”, pontuou. “As pessoas estão muito nessa, de fazer uma escolha baseada no apadrinhamento. Não é pelo Elmano; é pelo apoio que o Elmano recebe.”
Paula Vieira atentou, ainda, que essa não foi a primeira vez em que a estratégia foi utilizada pelo petista. Na candidatura pela prefeitura de Fortaleza em 2012, Elmano teve apadrinhamento da atual deputada federal Luizianne Lins, que terminava o segundo mandato à época. A ligação, porém, não deu certo, e ele saiu derrotado das eleições.
“Ele estava muito vinculado à Luizianne Lins, que estava com uma imagem muito desgastada aqui em Fortaleza”, pontuou. “Agora, não. Ele está com Lula, que está em primeiro nas pesquisas, e com o Camilo, com alto índice de aprovação”.
Para a professora da Unichristus, a tática teve mais resultados do que a atuação política do candidato. Mesmo eleito deputado estadual por dois mandatos, em 2014 e 2018, Elmano não acumulou muita visibilidade entre a população.
“Historicamente, a memória do eleitor não é tão precisa. Se a pessoa não continua na cena politica enfaticamente, tende a prevalecer a campanha mais imediata, que é vinculada ao Camilo e ao Lula”, sugeriu.
Paula Vieira ressaltou o sucesso da estratégia quase de forma instantânea nas pesquisas. “Depois que ele foi anunciado como candidato, uma semana ele já tinha o dobro [das intenções de voto]. Foi muito rápido que ele cresceu, muito rápido”, avaliou.
“Eu lembro que eu disse: ‘ele vai ficar competitivo na hora em que fizerem a primeira pesquisa, ele já vai ter aumentado’. Eu não achava que ele iria dobrar, mas que iria crescer, pois teria muito potencial para crescimento”, comentou, apontando que, dada a inclusão tardia dele na disputa pelo Palácio da Abolição, ainda há espaço para a conquista de mais eleitores. “Tendo a acreditar que ele vai crescer mais; que ele ainda não estagnou.”
Efeitos distintos em torno de Roberto Cláudio
Apesar do apoio explícito a Ciro Gomes, o caso do ex-prefeito Roberto Cláudio, que disputa o governo estadual pelo PDT, é distinto dos outros dois políticos. Carla Quaresma afirma que a candidatura do pedetista tem servido como palanque para Ciro Gomes, candidato à presidência pelo partido e maior articulador da campanha do aliado internamente.
“Dificilmente, o Ciro Gomes teria um palanque se não tivesse optado por essa candidatura do Roberto Cláudio. Se a Izolda Cela fosse candidata, mesmo sendo do PDT, ela adotaria a postura que o Roberto Cláudio adotou, de fazer campanha para o Ciro”, considerou.
Devido a tal conjuntura, foi necessário para Ciro ter apoio do ex-prefeito fortalezense, no raciocínio da professora da Faculdade Ari de Sá.
“O Roberto Cláudio acaba sendo uma figura importante para a candidatura do Ciro, que, pelo menos até o momento, ele nem aqui no Ceará consegue uma posição confortável”, afirmou, lembrando que o presidenciável não aparece à frente do presidente Jair Bolsonaro no estado nas últimas pesquisas de intenção de votos, diferentemente das eleições de 2018, quando foi o candidato a presidência mais votado do estado no primeiro turno.
“Pra ele [Ciro], o Roberto Cláudio é fundamental. É o inverso do que ocorre com o Elmano; o Elmano depende desse apadrinhamento [com o Lula], e o Roberto Cláudio mantém o Ciro vivo no Ceará”.
Já Paula Vieira pontuou que o fato de o ex-prefeito ter se desvinculado da imagem de Camilo o prejudicou na campanha eleitoral.
“O Roberto Cláudio estava como prefeito no início da pandemia, então teve situações bem delicadas. Mas a partir do momento em que ele se desvinculou do Camilo — e eles agiram juntos —, ele não teve mais como agregar; ele perdeu esse capital de aprovação do governo Camilo”.
Além disso, o candidato do PDT sofre um desgaste ainda em razão da função já exercida à frente da capital cearense, um movimento que já conferiu a ele muita visibilidade, mas não tem sido revertido da mesma maneira, mesmo com o apoio de Ciro Gomes.
“Os eleitores têm buscado, ultimamente, o novo, o político que não tenha recebido a rejeição de cargo, as reeleições. Os eleitores estão atribuindo à política uma característica muito negativa, então, para esses eleitores, especificamente, eles entendem que quem está há muito tempo na política mais prejudica do que ajuda”, explicou, citando que o capital político, no caso de RC, passa a ser visto como carreirismo.
“Essa alta rejeição eu entendo que é pelo distanciamento do Camilo como também pela visibilidade que ele teve no Executivo municipal. São dois eixos”, concluiu.
Por Marcelo Monteiro
Fonte: g1 CE