Pressionado por críticas crescentes de educadores e estudantes, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai suspender a implementação do novo ensino médio. Uma portaria deve ser publicada nos próximos dias com a interrupção do prazo de implementação da política.
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O texto também irá sustar as mudanças no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) previstas para 2024, que adequariam o exame ao previsto nas novas regras da etapa. O Enem é a principal porta de entrada para o ensino superior público no país.
Essa suspensão ocorrerá, inicialmente, enquanto perdura o prazo da consulta pública sobre o tema. Iniciada em março, a consulta tem 90 dias de duração, com possibilidade de prorrogação, e mais 30 dias para o MEC (Ministério da Educação) elaborar um relatório que vai definir o futuro da política.
Na prática, a suspensão de ter em 2024 um novo formato do Enem é a principal consequência. Dessa forma, o exame continua no formato atual e ainda não devem ser produzidos itens para um novo modelo de prova.
Como a lei que reformou o ensino médio continua valendo, as redes têm autonomia para manter as aulas como estão, no novo formato. Isso significa que as escolas podem continuar a oferecer os chamados itinerários formativos, alvo de polêmica.
O ministro da Educação, Camilo Santana, tem dado várias declarações em que se coloca contrário à revogação do novo ensino médio, como pressionam setores envolvidos no debate educacional. Ele tem defendido que haja ajustes no modelo e que revogar tudo seria um retrocesso.
A portaria com a suspensão — que altera, por sua vez, a portaria 521 de julho de 2021— tem anuência da equipe próxima ao presidente Lula. A avaliação do Palácio do Planalto é de que o governo tem sofrido desgastes exagerados ao manter a reforma, sobretudo entre estudantes —os jovens não representariam uma base consolidada de apoio ao presidente muito por que não viveram os anos dos dois mandatos de Lula.
Uma revogação total da reforma dependeria de atuação do Congresso, por ter ocorrido por lei. A suspensão dos prazos foi a saída vista pelo governo para acalmar os ânimos dos críticos e evitar maiores impactos à imagem do governo e do presidente Lula.
A suspensão dos prazos não anula a reforma, mas tiraria a obrigatoriedade de estados e escolas particulares manterem o processo de implementação, segundo relatos de integrantes da equipe do MEC. A aplicação da reforma começou para os alunos do 1º ano do ensino médio em 2022 e o cronograma atual, que deve ser anulado, prevê a continuidade neste ano para o 2º ano até chegar no 3º em 2024.
O novo ensino médio foi aprovado em 2017, a partir de medida provisória (que acelera a tramitação legislativa), e prevê a organização da grade horária em duas partes.
Assim, 60% da carga horária dos três anos é comum a todos os estudantes, com as disciplinas regulares. Os outros 40% são destinados às disciplinas optativas dentro de grandes áreas do conhecimento, os chamados itinerários formativos.
O número de horas anuais obrigatórias passa de 800 para ao menos 1.000, ou de quatro para cinco horas diárias.
A implementação do novo formato tornou-se obrigatória em 2022 e tem registrado uma série de problemas. Os estudantes reclamam, principalmente, de terem perdido tempo de aula de disciplinas tradicionais. Há casos de disciplinas desconectadas ao currículo e deficiências de oferta dos itinerários a todas as escolas.
Em entrevista publicada pelo jornal Diário do Nordeste, o ministro Camilo Santana disse que será suspensa “qualquer mudança no Enem em relação a 2024 por conta dessa questão do novo ensino médio”.
Questionado, o MEC não respondeu.
A revogação total não agrada secretários estaduais de Educação. Eles argumentam ter realizado trabalho importante para estruturar o novo modelo. Mais de 80% das matrículas do ensino médio estão nas redes estaduais.
Vitor de Angelo, presidente do Consed (órgão que reúne os dirigentes estaduais de Educação), disse que a entidade se mantém favorável a continuidade da implementação da política. Para ele, a suspensão é uma medida radical, que pode desperdiçar o investimento de recursos financeiros, humanos e tempo empenhados pelas redes estaduais para colocar o novo modelo em prática.
“Suspender ou revogar a lei do novo ensino médio significa que é preciso ter alguma proposta para colocar no lugar do que temos. E até agora não há nada. Então, vamos voltar ao que tínhamos antes? Para um passado que não funcionava? Não existe vazio na educação, suspender, sem ter proposta, significa voltar ao modelo antigo que não funcionava”, diz.
Um grupo de trabalho do MEC que trata do assunto se reúne na tarde desta segunda-feira (3), e a portaria será o principal tema da conversa.
Desde o início deste ano, estudantes, professores e especialistas da área cobram o governo Lula para que o modelo seja revogado. No dia 15 de março, estudantes fizeram um protesto pressionando pela revogação, em uma primeira rusga de entidades estudantis com a gestão petista.
O prazo atual de implementação da reforma culmina com um novo formato do Enem em 2024, quando a primeira turma completa os três anos da etapa no novo modelo. Por isso, a portaria que deve ser publicada nos próximos dias revoga esse prazo de implementação também.
Criados com o objetivo de dar aos jovens a opção de escolher uma área para aprofundar os estudos, os itinerários do novo ensino médio estão, na prática, sendo impostos e até mesmo sorteados entre os estudantes nas escolas estaduais do país.
Por falta de professores, espaço físico, laboratórios e turmas lotadas, as escolas não conseguem atender a opção feita por todos os alunos e acabam por colocá-los para cursar os itinerários disponíveis. Sem ter a escolha respeitada, os estudantes têm 40% das aulas do ensino médio em áreas que não são as de seu interesse, como mostrou reportagem da Folha.
A consulta pública instituída pelo MEC prevê audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais com estudantes, professores e gestores escolares sobre a experiência de implementação do Novo Ensino Médio em todos os estados.
Entenda o Novo Ensino Médio
O que é
Política aprovada em 2017, por medida provisória, durante Temer (MDB), definiu que parte da carga horária seria escolhida pelos estudantes para que pudessem aprofundar os conhecimentos na área de maior interesse
Estrutura
Ampliou o número de horas de aulas anuais obrigatórias para a etapa, passando de 800 para ao menos 1.000. Assim, a carga horária total do ensino médio foi ampliada em 25%, de 2.400 para 3.000 horas, sendo:
60% reservados para a carga horária comum, com as disciplinas regulares
40% formados por optativas dentro de cinco grandes áreas do conhecimento, os chamados itinerários formativos
Limitações
Ao longo dos três anos da etapa, o tempo dedicado às disciplinas tradicionais não pode ultrapassar 1.800 horas. Como antes as escolas tinham 2.400 horas para distribuir as aulas das matérias comuns, na prática, o teto reduziu o tempo dedicado exclusivamente para disciplinas como matemática, português, história e geografia
Definição de itinerários e disciplinas
A lei diz que as redes de ensino têm liberdade para definir quais itinerários e disciplinas querem criar, desde que estejam dentro de uma das cinco áreas do conhecimento estabelecidas
Para quem vale
Todas as escolas públicas e privadas do país. Cerca de 7 milhões de estudantes foram impactados com a política, a maioria deles (cerca de 85%) estão matriculados em escolas das redes estaduais de ensino
Prazos
A lei estabeleceu um prazo de cinco anos para as redes de ensino se prepararem, seguindo o seguinte cronograma: 1º ano do ensino médio em 2022, 2º ano em 2023 e os três anos da etapa até 2024. Muitas redes, no entanto, começaram a implementação antes, como a rede estadual paulista, que iniciou o processo em 2021
Fonte: Folhapress