Necessidade de trabalhar, mesmo ainda estando em idade escolar, histórico de reprovações e falta de atratividade nas ações da escola. Gargalos históricos que fazem crianças e adolescentes pararem de estudar. Em 2019, do total de matrículas nas redes pública e privada do Ensino Fundamental no Ceará, 0,7%, ou seja, 8.245 estudantes, deixaram a escola.
No Ensino Médio, a taxa de abandono foi de 3,5%, cerca de 12.265 estudantes. Em 10 anos, o Ceará vem reduzindo esse índice. Entre 2010 e 2019, foi o 4º Estado que mais recuou na taxa de abandono no Fundamental (75% de queda) e o 5º no Médio (66% de redução). Mas, a pandemia pode afetar os bons resultados.
Portanto, executar agora estratégias como a busca ativa, com monitoramento por telefone e até visitas presenciais, são meios para evitar que o problema crônico volte a se agravar em 2020.
A taxa de abandono escolar de 2019 foi divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), na última semana. Em 2019, o Ceará teve cerca de 1,1 milhão de matrículas no Ensino Fundamental das redes públicas e privadas, sejam elas municipais, estaduais ou federais.
No Ensino Médio, aproximadamente 360 mil alunos foram matriculados. No Fundamental, a cada 150 matrículas, cerca de um aluno deixou a escola. No Médio, a cada 100 matriculados, três abandonaram. Em 2019, o maior gargalo foi o 1º ano do Ensino Médio, cuja taxa de abandono chegou a 5% das matrículas.
Em 10 anos, no Ceará, a taxa de abandono passou de 2,9% para 0,7% na etapa fundamental. Goiás, Alagoas e Pernambuco tiveram um desempenho melhor que o Ceará no recuo. Já no Médio, cujos índices no Brasil historicamente são mais elevados, saiu de 10,6% em 2010 para 3,5% em 2019.
Pernambuco, Goiás, Espírito Santo e Maranhão tiveram quedas mais expressivas. O temor é que, em 2020, os dilemas trazidos pela interrupção das aulas presenciais possam agravar o quadro que, embora venha em queda no Estado, continua sendo de alerta.
Iniciativas
Uma das ações anteriores à pandemia e que segue em curso em algumas escolas do Ceará é o projeto “diretor de turma”.
O professor de artes e educação da Escola de Educação Profissional Salaberga Torquato Gomes de Matos, em Maranguape, Timóteo Monte, conta que, na iniciativa, um profissional, com o perfil de maior proximidade com a turma e com os pais, é escolhido para monitorar a participação dos alunos. “Já fazíamos antes de acontecer esse problema. Aí veio a pandemia e esse projeto tem sido fundamental”, reforça. Na escola, relata ele, há 560 estudantes.
Destes, cerca de 10 não conseguem ter acesso às aulas remotas. “No caso desses alunos, as atividades são feitas e a coordenação imprime para eles pegarem e devolverem presencialmente”, conta.
“Se o aluno hoje faltou à prova, a gente vai lá e vê o que aconteceu. Eu, por exemplo, tenho uma aluno de 15 anos que, em julho, teve um linfoma no tórax. Ficamos em contato por telefone com a mãe. Isso não impede de fazer as atividades. Quando é dia de quimioterapia, ela avisa e a gente espera o tempo dele. Além disso, reservamos sempre os sábados para o aluno que não conseguiu fazer atividade. Dessa forma, não temos registro de abandono escolar”.
Outra situação, explica o professor, é aquela em que o aluno não interage virtualmente. Timóteo explica que, quando necessário, a equipe da escola vai até a residência do estudante. Em um dos casos, relata, após a visita, ele descobriu que o aluno não tinha celular próprio e, por isso, não se comunicava com frequência com a turma. A busca presencial foi fundamental para adequar a melhor forma de contato, diz ele.
Obstáculos
Um estudo nacional divulgado, em agosto deste ano, pelo Instituto de Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) revela que, no planejamento das redes de ensino para a volta às aulas presenciais, um dos pontos mais críticos são as estratégias para evitar o aumento do abandono.
O diretor fundador do Iede, Ernesto Martins Faria, reforça que a crise econômica tem implicações diretas em uma possível piora dos índices de abandono escolar nos próximos anos.
“Quando a gente olha para os jovens, muitos estão buscando alternativas para ajudar sua famílias, como os aplicativos de entrega. Isso, em um cenário de baixa valorização da educação. Outros não têm condições para estudar bem em casa. Tem vários elementos desfavoráveis. Situação de alunos que têm acesso e outros que não. A escola precisa estar próxima”, defende.
Além disso, reforça, é fundamental que as redes de ensino se utilizem da estrutura das secretarias de educação para faze o contato offline. “Busca ativa não precisa esperar uma volta presencial. Se tem aluno que está sem fazer atividade, não está tendo contato, é importante ir atrás. Usar o carro da Prefeitura, usar o transporte escolar para entrar em contato”, reforça Ernesto.
A avaliação é reiterada pelo oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Rui Aguiar: “a pandemia mostrou em primeiro lugar que as desigualdades sociais afetam a educação de maneira bastante severa. O empecilho do acesso das crianças ao computador, celular ou à internet, foram decisivos para que pudessem acompanhar os diversos modelos que foram adotados”.
Portanto, conforme Rui, o fator mais importante não foi o pedagógico, mas o econômico e social. “A falta de condições de acesso impediu que muitas crianças pudessem acompanhar”.
O secretário executivo do Ensino Médio e Profissional da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), Rogers Mendes, também destaca a implicação dos obstáculos econômicos na permanência dos alunos na escola.
Em relação à pandemia, ele explica, “não temos ainda com clareza quais os efeitos reais. Estamos tentando todas as estratégias de busca ativa para que o estudante não se desvincule da escola. O ensino remoto não estava na nossa cultura e muitas pessoas até se entusiasmaram, mas ele também cansa. Isso fez com que o estudante se desencantasse um pouco”.
O representante da Seduc reconhece que é difícil que taxa de abandono “não vá subir um pouco”.
Além disso, garante, o Ensino Médio continua sendo a etapa mais desafiadora. No Ceará, além das ações de busca ativa, o maior potencial pedagógico das escolas em atrair os alunos e assegurar ensino adequado, argumenta ele, também influenciam na queda do abandono.
Por Thatiany Nascimento
Fonte: Diário do Nordeste