Disposição para encarar a vida, persistência nos objetivos, confiança no futuro e mentalidade aberta são marcas da personalidade do agricultor Antônio Santos de Sousa, de 72 anos, natural de Campos Belos, na zona rural do município de Caridade. Trabalhador do campo desde os sete anos, só veio conhecer escola em 2012, quando já contava mais de sessenta de idade, após ter se aposentado e dado por concluída a tarefa de garantir o sustento dos quatro filhos, hoje todos adultos. O sonho de ampliar os horizontes e poder enxergar além do que a realidade lhe mostrava ao longo de décadas, entretanto, sempre se manteve vivo. O desejo de concluir a educação básica e ingressar no Ensino Superior, no curso de Direito, em tempo, dá sinais de estar próximo de se concretizar.
Aluno da 2ª série da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) José Nilton Salvino Franco, distante 13 quilômetros da Fazenda São Vicente, onde reside, seu Antônio teve os primeiros contatos com as letras aos 12 anos, por iniciativa própria, quando conseguiu uma “carta de ABC”, antigo livro didático dedicado a alfabetizar crianças. Na falta de um professor que o ensinasse os conteúdos, ele se lançava pelas redondezas em busca de alguma explicação, pois não se contentava em não saber.
“Naquele tempo, não havia professora. Eu saía pelas estradas procurando uma pessoa que soubesse ler e me ensinasse a lição da carta. Quando aprendia, voltava pra casa e ia estudar. Isso foi um sucesso para mim!”, rememora.
Constância
Apesar do chamado da responsabilidade ter vindo tão cedo, a perseverança e a visão esperançosa do agricultor lhe faziam acreditar que a oportunidade da sua vida, um dia, chegaria. “Eu pensava: se fosse estudar, como queria, não teria condições de alimentar meus filhos. Naquela época, tudo, tudo era difícil. Principalmente, para quem morava no mato. A gente era muito pobre. Depois, voltei a estudar porque isso me interessava demais, desde criança. Só não tinha era possibilidade”, explica.
Em 2019, a escola presenteou seu Antônio com o livro Vade Mecum, publicação de referência na área jurídica, que era objeto de desejo do agricultor. A inclinação pelo curso de Direito é antiga, conforme ele conta. “A gente já vem de muito tempo com isso na cabeça. Eu dizia: se algum dia estudar, vou ser juiz de Direito. Se tivesse estudado desde criança, já teria disputado muitos cargos. Vontade, eu tinha demais”, aponta.
Encontro de gerações
Além dos quatro filhos, seu Antônio tem 10 netos. Um deles, Erivan, de 20 anos, é seu colega de turma. Antes da suspensão das aulas presenciais por conta da pandemia da Covid-19, o jovem dividia a sala de aula com o avô e diz que se sentia feliz e privilegiado. “Ele é um exemplo de superação para toda a escola, respeitado por todos os alunos. É um senhor de muita coragem. Quando os professores passam atividades em grupo nas aulas, ele é o primeiro a olhar para mim e chamar para fazer junto com ele. Isso é muito significante pra mim, tenho ele como um exemplo de vida”, revela.
Luciene Augusto, diretora da EEMTI José Nilton Salvino, pontua que toda a comunidade escolar nutre admiração pelo seu Antônio, pela determinação que demonstra em busca dos objetivos. “Ele é um aluno exemplar, que cumpre, com responsabilidade, todos os compromissos de estudante. Valoriza todos os conhecimentos e sempre está querendo aprender cada vez mais. Questionador e atento às aulas, dificilmente falta, só em caso de extrema necessidade. Na fila do lanche ou almoço, ele vem normalmente com os outros alunos e não gosta de ter prioridade. Quando o transporte escolar falta por algum motivo, ele vem pra aula de bicicleta, vencendo uma distância de 13km. Na verdade, nós aprendemos mais com o seu Antônio do que ele com a gente”, ressalta.
Valorização
O estudante septuagenário diz gostar de todas as disciplinas. Existem assuntos que ele considera “quebra-cabeças”, por não serem tão simples de entender, mas nem por isso desestimulantes. Pelo contrário, trata-se, na opinião dele, de uma oportunidade para exercitar a inteligência.
“Se o jovem pensasse um pouquinho, não desistiria dos estudos. O estudo é o que bota a pessoa pra frente. Através disso, se pode conseguir um bom trabalho, se tornar uma autoridade, ser o que quiser. Embora encontre dificuldade, é preciso seguir em frente. Ninguém consegue nada de mão beijada. É preciso lutar pelo que se quer. E é isso que eu estou fazendo. Não consegui quando jovem, mas, na terceira idade vou conseguir”, conclui.