A privatização da Eletrobras, uma das principais bandeiras defendidas pelo ministro Paulo Guedes, pode até ajudar a empresa a retomar sua capacidade de investimento a longo prazo, mas não deve ter nenhum efeito prático sobre as contas de luz, segundo especialistas ouvidos. A avaliação contraria as estimativas do Ministério de Minas e Energia, que prevê redução já neste ano na tarifa paga pelos consumidores.
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A venda da Eletrobras recebeu aval do Congresso Nacional há um ano, em junho de 2021. Em 18 de maio, o processo foi aprovado pelo plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) por 7 votos a 1. O único ministro contrário foi Vital do Rêgo, que ainda em abril havia demonstrado preocupação com um possível aumento nas contas de luz com a privatização.
A avaliação do ministro é semelhante à feita por Celio Bermann, professor associado do IEE-USP (Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo).
“O argumento mais fácil para poder, digamos, atingir os incautos é justamente dizer que vai baixar a tarifa de energia elétrica. É uma retórica que aparece sempre. Mas, desculpe-me quem acredita na fantasia de que as tarifas serão reduzidas. Isso é desprovido de qualquer base. As tarifas vão ficar mais caras, e o serviço prestado vai ser mais precário”, diz.
“Isso não tem qualquer lógica. O que levaria à redução das contas? A Eletrobras nem define as tarifas de energia. Quem cobra a energia elétrica da população são as empresas de distribuição locais, e a maioria já são privadas”, acrescenta o professor Ewaldo Mehl, do Departamento de Engenharia Elétrica da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
“Objetivo não é redução”
Ainda que o Ministério de Minas e Energia mantenha a previsão de redução nas contas de luz, o objetivo principal da privatização da Eletrobras não é esse, segundo explica Edmar Almeida, do Instituto de Energia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) Rio. Para o professor, a ideia é possibilitar à estatal a retomada de investimentos no setor elétrico, mas os custos ao consumidor ainda dependerão do mercado.
“A privatização não tem como objetivo principal a redução de tarifas. Ela tem o objetivo de mudar a governança da Eletrobras e retomar sua capacidade de investimento. Esse é o objetivo de longo prazo. O preço vai depender do mercado. Espera-se que esse mercado, com maior concorrência, gere preços mais baixos. Mas não é algo que o governo possa garantir”, afirma.
“Essa associação da privatização à redução de tarifas não é um argumento correto. Quando você privatiza o setor de energia, você está querendo introduzir competição. A ideia que está por trás é a de que você vai ter mais competição e, através da competição, vai promover a redução de tarifas. Mas é um processo de longo prazo.”
Edmar Almeida, da PUC-Rio
Medidas mais eficazes
Tanto Celio Bermann, do IEE-USP, quanto Edmar Almeida, da PUC-Rio, defendem a revisão dos encargos e impostos que incidem sobre a tarifa de energia como uma medida mais eficaz para reduzir as contas de luz. Hoje, segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), só o peso dos subsídios responde por mais de 16% do valor pago pelos consumidores. (Veja abaixo)
“A tarifa elétrica no Brasil é utilizada como uma fonte de arrecadação tributária e de subsídios. Onde o governo pode atuar é justamente aliviando o peso que as tarifas carregam na questão dos impostos, principalmente ICMS, e também dos subsídios. Nós temos 16 encargos na tarifa de energia elétrica do Brasil”, diz Bermann.
“Uma revisão desses impostos pode, efetivamente e no curto prazo, atingir o objetivo de redução das tarifas”, completa Almeida.
O professor da USP cita como exemplo a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), um dos principais encargos embutidos na tarifa, que serve para custear energia para a população de baixa renda e subsídios a setores econômicos estratégicos. Parte do dinheiro da privatização da Eletrobras será destinada a esse fundo bilionário — o que, em tese, reduzirá o custo da manutenção da CDE para os consumidores.
Os impostos que incidem sobre as tarifas de energia são o PIS e a Cofins, ambos federais, e o ICMS (estadual). Os dois primeiros ficaram em 0,83% e 3,81% em maio, respectivamente. O ICMS varia de estado para estado: em São Paulo, a alíquota vai de 12% a 25%, estando isentos os lares com consumo de até 90 kWh.
Na segunda (13), o Senado aprovou um projeto que limita em 17% a cobrança de ICMS sobre as tarifas de energia elétrica, combustíveis, transporte e comunicações — mais uma tentativa do governo federal e do Congresso de segurar a alta dos preços no Brasil. O texto passou por mudanças e, por isso, agora voltará a ser analisado pela Câmara dos Deputados, onde foi discutido em maio.
Governo ainda prevê redução
Procurado pela reportagem, o Ministério de Minas e Energia reforçou que a destinação de parte dos recursos da privatização da Eletrobras para a CDE “deve resultar na redução de encargos para o consumidor”. Segundo a pasta, serão R$ 5 bilhões já em 2022, “com efeito redutor da ordem de 2,5% nas tarifas [das contas de luz] deste ano”.
O processo de capitalização da estatal, definido pela lei sancionada por Bolsonaro em julho do ano passado, pode levar a uma redução média de 6,34% nos valores pagos pelos consumidores, ainda de acordo com estudos do Ministério.
“Estima-se que os cenários de variação do efeito tarifário podem ir desde uma redução de 5,10% (cenário conservador) até 7,36% (cenário arrojado). Lembrando que esses efeitos deverão ocorrer à medida que as ações previstas na lei se efetivem”, conclui, em nota.
Fonte: UOL