O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propõe um decreto para aumentar de R$ 303 para R$ 600 o chamado mínimo existencial, fatia da renda mensal de superendividados que fica protegida dos bancos. A iniciativa integra um pacote formulado pelo Ministério da Fazenda com 13 medidas voltadas ao mercado de crédito e que foram divulgadas nesta quinta-feira (20).
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Com a atualização do mínimo existencial, a pasta prevê atingir ao todo 14 milhões de brasileiros (5 milhões a mais do que atualmente), que terão direito a pleitear um procedimento especial de repactuação de dívidas com a União.
Segundo estimativas preliminares, o saldo sujeito a renegociação cresceria cerca de R$ 30 bilhões, passando de R$ 235 bilhões para R$ 266 bilhões. O valor de R$ 600 para o mínimo existencial foi definido pela Fazenda em conjunto com o Ministério da Justiça para equipará-lo ao piso do programa Bolsa Família.
“Essa é uma medida que pode ser uma fonte de alívio para a população nesse momento”, afirma Marcos Barbosa Pinto, secretário de Reformas Econômicas da Fazenda, acrescentando que o Brasil possui cerca de 70 milhões de brasileiros negativados atualmente.
O Ministério da Fazenda busca estimular a concessão de crédito em um momento de menor apetite das instituições financeiras, cautelosas após o caso Americanas e o cenário internacional, com as dificuldades financeiras enfrentadas pelo setor bancário nos EUA e na Europa.
O pacote de medidas estruturais de crédito proposto pelo governo tem três eixos como base: mercado de crédito bancário, mercado de capitais e mercado de seguros.
No entendimento da equipe econômica, há hoje uma série de amarras que não necessariamente trazem garantia e segurança para o crédito. Nesse contexto, a Fazenda pretende flexibilizar algumas exigências burocráticas.
Por exemplo, uma pessoa física que tenha renda igual ou inferior à máxima permitida para enquadramento em empresas de pequeno porte ficará dispensada de apresentar diversas certidões para obter crédito, pois será utilizada a consulta ao Cadin (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal).
Nessa mesma medida, quer tornar menos rígidas as exigências para a emissão de debêntures [títulos de dívida de empresas] –eliminando, por exemplo, o requisito de convocar uma assembleia geral de acionistas para dar aval aos papéis, o que poderia ser feito pela diretoria ou pelo conselho.
A pasta também propõe simplificar a forma com que pessoas físicas e jurídicas compartilham dados fiscais com instituições financeiras. Isso significa que um cliente daria autorização para o banco onde é correntista acessar dados que estão sob controle da Receita Federal, como renda, faturamento e restituição de IR (Imposto de Renda), de forma que aquele usuário poderia comprovar sua real condição financeira e obter crédito com juros adequados a cada situação.
Em outra ação para estimular o crédito, o Ministério pretende apresentar um projeto de lei permitindo o uso de recursos de plano de previdência privada aberta, de seguros, de títulos de capitalização e do Fapi (Fundo de Aposentadoria Programada Individual) como garantia a empréstimos.
Nesse caso, alguém que precisasse de dinheiro para resolver uma pendência financeira temporária poderia dar os recursos como garantia, diminuindo o juro do crédito tomado. Em um primeiro momento, não haverá limitação no valor a ser resgatado, o que poderá ser alterado posteriormente. Segundo a equipe econômica, nesses planos privados há cerca de R$ 1,2 trilhão de recursos.
O governo vai ainda pedir urgência na tramitação do novo marco das Garantias, criado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e que está no Senado Federal. O texto, que busca estimular mercado de crédito, permite, entre outras coisas, usar um mesmo imóvel como garantia em mais de um financiamento bancário.
No caso de um imóvel de R$ 1 milhão dado como garantia de um crédito de R$ 100 mil, por exemplo, o dono poderia utilizar os R$ 900 mil restantes para dar de garantia de outros créditos.
Para o secretário de Reformas Econômicas, o projeto é “meritório” e está travado no Congresso por “discussões acessórias”. Segundo Barbosa Pinto, a pasta econômica pretende dialogar com o Congresso para “remover empecilhos”. Como exemplo, cita uma discussão sobre bem de família.
O real digital –em desenvolvimento pelo Banco Central– aparece como uma das medidas que, na avaliação do Ministério, ajudará a modernizar o sistema financeiro. A intenção é enviar um projeto de lei complementar que crie a base legal para a moeda digital, o que abriria espaço para o surgimento de novas instituições que aumentariam a competição no setor.
O regime de resolução bancária é outro projeto de lei complementar que conta com o apoio do governo e já está em tramitação na Câmara. Ele tem como objetivo simplificar as normas que regulam instituições financeiras e prevê a criação de um fundo com aportes dos bancos para socorro em caso de crise.
Segundo a pasta, entre os impactos esperados estão o menor risco de uso de recursos públicos no caso de intervenção e a redução do custo de crédito de bancos menores.
No eixo do mercado de capitais, a principal medida vem na esteira do caso Americanas, embora não seja retroativa. É um projeto de lei para proteger investidores minoritários de empresas contra potenciais danos causados em caso de fraudes de acionistas controladores e administradores.
“A gente teve casos recentes no Brasil de dúvida sobre a qualidade de informações financeiras que foram prestadas ao mercado. Na medida em que ocorram casos desses e seja constatado que a informação foi prestada de forma falsa, incorreta, imprecisa, levou o investidor a erro, a gente está prevendo mecanismos processuais para que o investidor busque ressarcimento contra os administradores e controladores da companhia”, afirma o secretário.
Nessa situação, acionistas e investidores que tenham sido lesados podem abrir uma ação civil coletiva de responsabilidade. Poderão acionar os controladores ou administradores em nome de todos os acionistas aqueles que tiverem 1% de um título (esse percentual pode ser atingido de forma conjunta) ou R$ 15 milhões –o que for menor.
Há ainda propostas para aumentar a competição do setor de seguros. Nesse mercado, a ideia da Fazenda é possibilitar que cooperativas ampliem os ramos de atuação, passando a comercializar produtos em mercados como seguro para bicicletas, celulares, tablets e notebooks.
No caso das PPPs (parcerias público-privadas) a estados e municípios, o Tesouro vai mudar o procedimento de verificação de limites e condições para permitir a contratação de empréstimos de forma a dar aval para contragarantia da União a projetos de PPPs desses entes.
Com isso, prefeituras menores poderiam garantir parcerias do tipo para a construção de creches para ampliar a educação infantil ou mesmo universalizar a infraestrutura de saneamento básico.
Além disso, o ministério quer editar um decreto para permitir a emissão de debêntures com isenção de Imposto de Renda para investimentos em projetos de educação, saúde, segurança pública, sistema prisional, parques urbanos e unidades de conservação, equipamentos culturais e esportivos, habitação social e requalificação urbana.
Hoje, a captação é concentrada em setores de infraestrutura, como iluminação, mobilidade urbana e saneamento básico.
Fonte: Folhapress