A Câmara dos Deputados pretende votar ainda neste ano um projeto de lei que proíbe estabelecimentos de anunciarem crédito sem juros ao consumidor. A princípio, o texto previa uma exceção para cartões de crédito, mas o governo articula uma modificação para excluir essa ressalva.
O projeto de lei não acaba com o parcelamento no cartão, que continuaria existindo. Contudo, se o texto for aprovado, o comércio ficaria proibido de anunciar que a compra parcelada é “sem juros” ou “taxa zero”. Isso seria considerado propaganda enganosa, já que toda operação de crédito tem um custo que é repassado de alguma forma ao consumidor.
Comerciantes e instituições de pagamento afirmam que a oferta de parcelamento sem juros é lícita e faz parte da estratégia de mercado das empresas. Segundo eles, é possível absorver o custo do crédito ou repassá-lo a outras operações, de forma que o parcelamento fica de fato sem ônus para o consumidor que optou pela compra a prazo.
Entidades que representam aqueles setores também dizem que a medida prejudica ainda mais os negócios neste momento de crise econômica, já que as vendas a prazo no cartão são fundamentais para estimular o consumo.
Projeto considera propaganda enganosa
Batizado de “Projeto de lei de prevenção ao superendividamento”, o texto original foi proposto pelo então senador José Sarney (PMDB-AP) em 2015. Agora na Câmara, o texto teve relatório do deputado Franco Cartafina (PP-MG) e foi pautado em regime de urgência na semana passada, mas não chegou a ser votado. Nesta segunda-feira (21), entrou na pauta novamente.
A proposta traz várias medidas para supostamente proteger o consumidor do endividamento. O artigo que restringe a oferta de crédito tem a seguinte redação:
Art. 54-C. É vedado, expressa ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não:
I – fazer referência a crédito “sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo”, com “taxa zero” ou expressão de sentido ou entendimento semelhante […]
Parágrafo único. O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica à oferta de produto ou serviço para pagamento por meio de cartão de crédito.
Segundo fontes que acompanham a tramitação, líderes do governo na Câmara pediram para remover o parágrafo único. Assim, a lei proibirá também a oferta de parcelamento sem juros no cartão de crédito. Com a modificação, o texto ganha apoio da base do governo e tem maiores chances de ser aprovado ainda este ano.
O projeto de lei considera que qualquer oferta de crédito sem juros é uma propaganda enganosa, pois o custo da operação sempre será repassado ao consumidor final de alguma forma. Portanto, mesmo existindo o parcelamento, a empresa será proibida de anunciar que o consumidor não paga a mais ao optar pela compra a prazo.
“Ofertar produto ou serviço com expressões como ‘sem juros’, ‘taxa zero’, etc, não é verdadeiro. O uso dessas expressões dá a falsa ideia ao consumidor de que aquela condição é benéfica para ele, de que ele fará um bom negócio”, disse o relator, deputado Fraco Cartafina.
Como ficaria na prática?
Pelo projeto, não pode ser feita nenhuma oferta para divulgar o parcelamento sem juros. Mas pode haver dúvidas de como ficaria uma compra na prática.
Por exemplo: um produto que custe R$ 1.000. Na hora de concluir a compra pela internet, a loja vai dar as opções de pagamento: 1 parcela de R$ 1.000 ou 10 parcelas de R$ 100. Nessa hora, a loja poderia informar que são 10 parcelas “sem juros” ou não pode fazer nenhuma referência? Isso é considerado uma oferta de crédito ou apenas uma opção de forma de pagamento?
A reportagem perguntou isso ao relator do projeto, mas ele não respondeu até a publicação da reportagem.
Comerciantes negam que cliente seja enganado
Desde dezembro de 2016, é permitido que os lojistas deem desconto para pagamentos à vista com cartão ou em dinheiro. Na prática, é muito difícil o consumidor encontrar essa opção. Em geral, o preço é igual para pagamento à vista ou parcelado.
Representantes do setor de comércio defendem que o parcelamento sem juros para o cliente é uma realidade praticada por muitos estabelecimentos para estimular principalmente compras de alto valor. Eles afirmam que os custos da operação de crédito podem ser suportados pela própria empresa, ou repassados para consumidores que optam por outras formas de pagamento.
“A formação de preço e a estratégia comercial são problemas do lojista. Ele vai ter acordo com banco, com cartão, com quem ele quiser. A única coisa que tem que haver é transparência com o consumidor.”
Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo)
“Se você parcela, e o lojista oferece um preço menor à vista, os juros [da compra a prazo] estão embutidos. Mas há diversos comércios que fazem de fato o parcelado sem juros, principalmente agora que os juros estão muito baixos.”
Paulo Solmucci, presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) e diretor da Unecs (União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços)
Solmucci criticou a modificação no texto feita de última hora. “É insano, é sem sentido ou atende a algum interesse oculto. Não se pode proibir um produto que existe, que é importante para a sociedade e que é essencial para o comerciante.”
Fábio Pina disse que a iniciativa do governo de tentar boicotar o parcelamento sem juros no cartão de crédito não está de acordo com a política liberal pregada pelo Ministério da Economia.
Repartir prejuízos de bancos com outros setores
Quando um consumidor dá um calote na compra a prazo, quem fica com o prejuízo é o banco que emitiu o cartão. O custo desse risco é repassado principalmente nos juros pesados para quem atrasa a fatura. O chamado rotativo do cartão tem juros de aproximadamente 300% ao ano, enquanto bancos captam dinheiro a cerca de 2% ao ano.
Por isso, desestimular a compra parcelada no cartão sem juros pode ser uma forma de repartir o risco da operação entre outros elos da cadeia, como lojistas, bandeiras de cartão de crédito e operadoras de maquininhas de cartão.
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) declarou que vai aguardar a conclusão da tramitação do projeto de lei antes se manifestar sobre o tema.
Questionada, a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) afirmou que “está avaliando o tema junto às suas associadas e se pronunciará no momento oportuno”.
Instituições defendem parcelamento sem juros
A Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos) declarou que o parcelado sem juros é opção do varejista.
“Essa alternativa possibilita o varejo realizar mais vendas, sendo uma das principais ferramentas promocionais de estímulo à economia. Impedir que o varejista possa anunciar a seus clientes a oferta desse produto impactará negativamente seu negócio”, disse a associação.
Banco Central não comenta
O Banco Central, que regulamenta os meios de pagamento, afirmou que não comenta matérias em andamento no Congresso Nacional, tampouco eventuais futuras normas.
Fonte: UOL