A revisão das regras de geração distribuída proposta pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) poderá impactar quase 4 mil consumidores no Ceará que geram a própria energia. E, a depender das mudanças que serão aplicadas, o segmento de produção solar, que mais cresce no País nesse setor, poderá ser inviabilizado. Hoje, o Estado conta com 3.919 unidades geradoras, com 61,2 megawatts (MW) de potência instalada.
“A forma como foi proposta pela Aneel, de compensar apenas 38% em vez dos 100% atuais, inviabilizaria o setor”, aponta o consultor em energia Jurandir Picanço. Para incentivar a captação de energia solar, a Aneel estabeleceu, em 2012, que o dono da casa onde fossem instalados painéis solares não pagaria encargos, subsídios e tributos pela produção, pelo consumo ou pela distribuição de energia, mas já previa uma revisão da medida em 2019.
Atualmente, quando o que é gerado é superior ao que é consumido, o usuário fica com uma espécie de crédito a ser utilizado para diminuir a fatura em meses seguintes. E o consumidor paga à distribuidora apenas a diferença entre o que foi gerado e o que foi consumido. Pela proposta da Aneel, quem produz a própria energia teria de pagar pelo uso da rede distribuidora nos períodos em que a produção é menor do que o consumo, como em períodos de baixa incidência solar e à noite.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem (6) que não haverá taxação da geração de energia solar. “Ontem (domingo), eu tomei uma decisão na questão da energia de origem solar, as placas fotovoltaicas. Eu estive com o presidente da Aneel agora há pouco, estive ontem, conversei com o Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados), com o Davi Alcolumbre (presidente do Senado), foi uma conversa bastante boa e resolvemos que não haverá taxação da geração da energia de radiação solar”, disse ao sair de uma reunião sobre preço dos combustíveis no Ministério de Minas e Energia.
“Isso vai estimular a geração de energia porque o Paulo Guedes (Economia) bem sabe e nos adverte: se o Brasil crescer no corrente ano, nós vamos ter que ou rezar para que chova mais ou buscar outras fontes de energia para suprir a demanda com o crescimento da indústria brasileira”, acrescentou o presidente.
Ontem (6), o grupo de trabalho SOS Geração Distribuída, de empresas e entidades do setor de energia solar reforçou o posicionamento do presidente contra a revisão de tarifas. “A iniciativa, que também conta com o importante apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, auxilia na manutenção de um setor que seria inviabilizado, caso a resolução da Aneel entrasse em vigor”, disse o grupo.
Freio à produção
Segundo Lucas Melo, gerente comercial da Sou Energy, empresa especializada na instalação de equipamentos fotovoltaicos, se aplicada, a proposta da Aneel representaria um “freio” para o setor de mini e microgeração solar. “Cobrar quase 60% do que é gerado nos parece injusto. Nesse cenário, acredito que isso poderia frear o crescimento em pelo menos 50%”, diz. “Esse tipo de cobrança já acontece em outros países, mas só foi implementada quando o setor já estava bem desenvolvido, o que ainda não é o caso do Brasil”.
Uma consulta pública sobre o tema estava aberta na agência reguladora até o dia 30 de dezembro de 2019. As propostas levadas à Aneel deverão agora ser apresentadas e discutidas. A projeção do mercado é que o debate se alongue até o meio deste ano.
Benefícios
Para Jurandir Picanço a sugestão da Aneel deveria levar em consideração também as vantagens da geração distribuída para o próprio sistema de energia do País. “Além dos benefícios para o setor elétrico, há ganhos ambientais, com redução de emissão de gases pelas térmicas, e sociais, pois é a atividade que mais gera empregos no setor”, diz. Apesar do temor gerado pela proposta, Picanço acredita que, após a discussão, as mudanças não serão tão grandes.
“O Governo já se manifestou contra essa taxação, assim como os presidentes da Câmara e do Senado. Então, na melhor das hipóteses, serão mantida as regras como são hoje, ou vai ser estabelecido um valor pelo uso da rede muito menor do que o da proposta da Aneel”, diz o consultor.
Discussão
De um lado, as distribuidoras de energia alegam que os incentivos dados aos micros e miniprodutores geram custos para elas e os demais consumidores de energia do País. Do outro, empresas do ramo argumentam que eles são o estímulo à energia limpa solar que ainda se mostra necessário, uma vez que o segmento não alcançou a maturidade desejada no País.
Segundo a Aneel, a energia solar representa apenas 1,2% da matriz energética brasileira, sendo a sétima fonte, longe dos 61% das hidrelétricas e atrás da sua maior competidora, a energia eólica, que possui uma fatia de 8,7% da produção nacional. A geração solar saiu praticamente do zero em 2012 para os mais de 660 megawatts, atualmente.
Estimativa
A agência calcula que os benefícios concedidos a usuários de painéis solares poderão chegar a R$ 1 bilhão em 2021, mesmo valor destinado hoje ao programa para bancar tarifas mais baixas no Nordeste. Os dois benefícios estão embutidos na conta de luz de todos os brasileiros. Para este ano, a Aneel estima que os consumidores poderão pagar o valor recorde de R$ 20,6 bilhões para bancar ações e subsídios relacionados ao setor.
Com um crescimento exponencial da geração solar distribuída nos últimos anos, a previsão da Aneel é que esse número chegue a R$ 4 bilhões em 2027. A Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), no entanto, contesta os cálculos da Aneel, que não considera, por exemplo, os ganhos de eficiência que o segmento de geração solar proporciona ao setor elétrico como um todo.
Fonte: Diário do Nordeste