Em seu primeiro pronunciamento após ser anunciado o novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida afirmou nesta quarta-feira (11) que, com o aval do presidente Jair Bolsonaro (PL), vai pedir estudos para iniciar o processo de privatização da Petrobras e do pré-sal. Sachsida substitui Bento Albuquerque, que deixou o cargo após Bolsonaro atacar a Petrobras e o aumento nos preços dos combustíveis realizados pela estatal.
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Nos postos, o diesel subiu 96% e a gasolina aumentou 67% no governo Bolsonaro, de acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Para especialistas ouvidos, porém, a privatização poderia fazer com que os preços dos combustíveis subissem ainda mais, e não o contrário.
Apesar de o mercado brasileiro ser aberto à concorrência desde 1997, quando foi sancionada a chamada Lei do Petróleo, a Petrobras ainda é predominante em diversas áreas, como a de refino, por exemplo. Catorze das 18 refinarias do país pertencem à companhia, e as quatro restantes —Riograndense (RS), Manguinhos (RJ), Univen (SP) e Dax Oil (BA)— respondiam por apenas 1,4% da capacidade total do país em 2020, segundo último balanço disponível.
“Quando a empresa é monopolista, ela não tem a pressão da competição para colocar um preço que não seja muito alto. Se ela eventualmente exagerasse, um concorrente poderia puxar o preço dele para baixo, e aí ela seria obrigada a baixar também. Mas não é o que acontece, porque ela está praticamente sozinha”, afirma Virginia Parente, professora do IEE-USP (Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo).
Privatização não garante preço menor
Mesmo assim, continua Parente, privatizar a Petrobras não seria uma solução para baixar os preços dos combustíveis, mas apenas uma forma de isentar o governo da responsabilidade de atuar para controlar ou minimizar os impactos dessas altas.
“O risco de piorar [com a privatização] é muito grande porque você vai transferir o monopólio de algo que é do Estado para um monopólio privado, que vai ter uma pauta diferente da do governo”, diz.
“A gente tem que dar graças a Deus porque um dos sócios é o governo, que não deixa a Petrobras exagerar.”
Virginia Parente, do IEE-USP
O professor Eustáquio de Castro, do Departamento de Química da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), também acredita que a privatização não resolveria o problema dos preços.
Ele argumenta que, apesar de o governo ser sócio majoritário da Petrobras, os ganhos e interesses dos demais acionistas —investidores brasileiros e estrangeiros— também precisam ser preservados, e a estes interessa que a empresa lucre o máximo possível.
“É até contraditório falar que, se privatizar a Petrobras, teremos redução nos preços dos combustíveis”, opina. “Como não há uma livre concorrência no setor de petróleo, seria a mesma coisa que passar de um monopólio de controle do Estado para um monopólio privado, o que seria até pior. Em países como França e Noruega, por exemplo, as empresas são estatais, talvez por conta disso daí [maior controle dos preços].”
Empresa dá lucro para o governo
Uma eventual necessidade de acumular recursos —ou capitalização— por parte do governo também não justificaria a privatização da Petrobras, segundo a advogada Glaucia Elaine de Paula, especialista em direito administrativo. Ela lembra que a companhia é muito lucrativa para a União, que só em dividendos recebeu R$ 38,1 bilhões em 2021, ano em que a Petrobras registrou lucro recorde de mais de R$ 106 bilhões.
No primeiro trimestre deste ano, foram mais R$ 14 bilhões em dividendos, após lucro de R$ 44,5 bilhões.
“O que o governo precisa entender é que a Petrobras é uma empresa de economia mista, e não uma autarquia que está submetida à administração pública. A intenção está errada, e a privatização não seria a solução para o problema da alta dos combustíveis. Baixar artificialmente os preços seria só populismo, e ainda traria graves consequências econômicas para uma empresa que é, sim, muito boa”, afirma.
Castro concorda. “É uma empresa que dá lucro para o Estado, então não vejo como desculpa para privatizar”, diz o professor da Ufes.
Além disso, na visão da advogada, a venda da Petrobras não teria apoio suficiente de todas as partes relevantes —acionistas, Congresso e população— para ser levada adiante.
“A Petrobras é uma empresa muito bem vista pelos brasileiros. Acho que a privatização não teria apelo popular, nem na Câmara, nem no Senado. Do ponto de vista prático, não passaria nunca. Na vida real, não me parece possível privatizar a Petrobras. É só discurso, e o governo sabe disso. Não conseguiram privatizar nem os Correios ainda”, completa.
Possíveis soluções
Tanto Virginia Parente quanto Eustáquio de Castro dizem que uma possível solução para controlar a alta dos combustíveis seria abrir —de verdade— o mercado brasileiro de petróleo para a concorrência.
A professora do IEE-USP ainda sugere a implementação de um fundo de estabilização dos preços, “que suavizaria as subidas e as quedas”, além de investimentos em alternativas, como o etanol, para diminuir a dependência dos derivados de petróleo a longo prazo. O Senado já aprovou um projeto que prevê a criação de um fundo desse tipo, e o texto agora será analisado pela Câmara.
Já o professor da Ufes cita outras três possibilidades:
• A Petrobras reduzir sua margem de lucro para bancar preços mais baixos, mesmo em meio a altas do petróleo ou do dólar;
• O próprio governo federal abrir mão de parte de seus dividendos, de forma a subsidiar o preço dos combustíveis;
• Mudança na política de preços atualmente adotada, o PPI (Preço de Paridade Internacional).
“O Brasil não é totalmente independente na questão de petróleo. A gente ainda importa uma parte do que precisa, e isso nos deixa muito sujeitos às oscilações do dólar. Mas, no meu entendimento, não se justifica ter uma paridade tão direta e reta com a moeda americana. Às vezes o dólar cai, como agora mesmo, e você não vê os preços [dos combustíveis] caindo. Dizem que é para recuperar a Petrobras das grandes perdas que a gente viu no passado recente, para recompensar os acionistas. Mas, para mim, não se justifica.”
“O monopólio tem essa desvantagem: depende muito da política. Hoje nós não temos uma política de Estado para o setor de energia, então ele fica muito dependente do governante que está ali sentado na cadeira. Toda hora que muda o presidente, muda a política [de preços], e isso não é bom. Não há uma lógica, é uma coisa que está sempre sujeita a humores.”
Eustáquio de Castro, da Ufes
Fonte: UOL