A crise fiscal do país travou os planos do governo para a retomada do emprego em um momento em que a taxa de desocupação —que chegou a 13,5% em 2020, pior média da história, segundo o IBGE– não dá sinais de arrefecer.
Enquanto isso, cresce a pressão de empresários por iniciativas que reduzam custos operacionais, especialmente em um momento de forte aceleração da pandemia, com aumento do número de cidades que adotaram medidas restritivas e de isolamento social.
A limitação no Orçamento não só atrasou a apresentação de ações emergenciais para mitigação do efeito da crise na economia, como também prejudica propostas para estimular contratações de forma permanente.
A equipe econômica tem quatro planos prioritários para evitar cortes de vagas e estimular contratações: o programa que permite suspensão de contratos e corte de jornadas e salários, com compensação paga ao trabalhador pelo governo, a carteira verde e amarela, o Imposto de Renda negativo e a redução linear de encargos trabalhistas.
Essas medidas estão atrasadas ou totalmente travadas por causa de dificuldades orçamentárias.
No plano emergencial, o governo está há quase três meses se preparando para relançar o programa que permitiu corte de jornadas e salários e suspensão de contratos. No ano passado, sob vigência do estado de calamidade pública e com a retirada de amarras do Orçamento, foram liberados quase R$ 52 bilhões para essa finalidade, dos quais R$ 33,5 bilhões foram gastos.
A equipe do ministro Paulo Guedes chegou a estudar uma reformulação do programa. Para compensar os gastos, a ideia era reduzir pagamentos do seguro desemprego e usar recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), mas o plano foi barrado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Agora, a equipe econômica retomou a ideia de custear o programa com recursos do Tesouro. Como a margem é baixa e há disputa por recursos –o estado de calamidade não foi reeditado em 2021, tornando o Orçamento para o ano enxuto–, uma opção levantada é a de usar créditos extraordinários, autorizados em situações de comprovada urgência e que não são contabilizados no teto de gastos (regra que limita a despesa do governo à variação da inflação).
A pasta aguardava a votação do Orçamento de 2021 no Congresso para avaliar a forma de financiamento. Como os parlamentares aprovaram o texto na quinta-feira (25), é possível que uma medida provisória com o programa seja apresentado na próxima semana.
O presidente-executivo da Abrasel –entidade que representa bares e restaurantes, duas das atividades mais atingidas pela crise–, Paulo Solmucci, afirma que o setor aguarda a reedição do programa desde janeiro, quando se reuniu com Bolsonaro e Guedes.
“Naquela reunião, o presidente saiu com o compromisso de entregar a solução em 15 dias, mas passaram dois meses e ela [a MP] ainda não saiu. Muitas empresas que fecharam em março poderiam estar funcionando se tivessem soltado a medida no tempo prometido”, disse.
Segundo ele, a situação do setor é tão complicada que uma grande parcela das empresas não conseguirá pagar salários a partir de abril, nem terá dinheiro para pagar rescisões.
Para o pesquisador Bruno Ottoni, do iDados e do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a reedição do programa é bem-vinda, mas o atraso deve fazer com que haja uma maior destruição de vagas formais em março do que aquilo que seria observado se a medida já estivesse em vigor.
“Faltou ao governo um esforço maior no final do ano passado para já aprovar o Orçamento deixando espaço para eventuais necessidades que surgissem ao longo deste ano”, disse.
Em relação aos programas permanentes, a avaliação de técnicos do governo é que não há recursos disponíveis para bancar as ações. Continua na gaveta, por exemplo, a carteira de trabalho verde e amarela. O modelo prevê a flexibilização de contratos trabalhistas e redução de custos com tributos para faixas salariais mais baixas com o objetivo de incentivar a inclusão de informais no mercado de trabalho.
Para viabilizar a medida, o governo precisa encontrar uma fonte de recurso que compense a perda de receita com o corte de encargos.
O programa chegou a ser lançado em 2019, visando jovens de 18 a 29 anos em primeiro emprego, mas a MP que o instituiu foi derrubada pelo Congresso durante uma fase de atrito com o Palácio do Planalto Para bancar o programa, o governo previa cobrar contribuição previdenciária sobre o seguro-desemprego, o que também gerou críticas.
Com a carteira verde e amarela, o trabalhador teria contrato mais flexível e poderia prestar serviços por hora, com salário proporcional ao período trabalhado. Haveria a exigência de um piso a ser pago pela hora, mas, no fim do mês, a remuneração dessa pessoa poderia ser inferior a um salário mínimo.
Um dos modelos em estudo pelo Ministério da Economia prevê uma interligação do programa a outra iniciativa que também está travada por falta de recursos: o Imposto de Renda negativo.
A iniciativa, que seria batizada de BIP (Bônus de Inclusão Produtiva), alcançaria beneficiários de programas sociais e seria vinculada a cursos de qualificação. No início do ano, Guedes chegou a afirmar a interlocutores que o BIP seria o substituto do auxílio emergencial, mas depois recuou.
A medida seria uma forma de complementar os ganhos de pessoas mais pobres. Como forma de formalizar trabalhadores, o governo se comprometeria a complementar essas remunerações.
A pasta estuda alguns modelos. O pagamento poderia ser feito diretamente ao beneficiário, por meio de um vale, ou iria para uma espécie de fundo de Previdência para ser sacado no futuro.
Os sistemas têm em comum a necessidade de uma fonte de financiamento. Além disso, repasses seriam contabilizados no teto de gastos, que não tem espaço.
Para a equipe de Guedes, o plano de emprego ideal —e ainda mais remoto— seria uma desoneração ampla e linear da folha de salários dos trabalhadores. O programa teria custo elevado e a compensação defendida por Guedes, de criar um imposto sobre transações aos moldes da extinta CPMF, sofre com resistências dentro e fora do governo.
O plano inicial era instituir uma alíquota de 0,2% para o novo tributo, com arrecadação anual de R$ 120 bilhões que seria direcionada ao novo programa.
Em versão mais recente, a pasta passou a avaliar uma proposta mais enxuta, com alíquota de 0,1% e receita de R$ 60 bilhões. Nesse caso, haveria uma desoneração linear para todos os trabalhadores, mas apenas sobre um salário mínimo.
Depois de barrar o tributo no início do governo, Bolsonaro chegou a autorizar que Guedes dialogasse sobre o tema com parlamentares. Por resistência das lideranças, a proposta acabou engavetada.
Auxiliares do ministro avaliam que não há clima no Congresso para levar adiante essa proposta.
Membros da pasta afirmam que não seria possível implementar o programa sem o novo imposto. E, como 2022 é ano eleitoral, a desoneração ampla de encargos trabalhistas no governo Bolsonaro pode ficar na promessa.
“Eu não vejo a menor viabilidade. Desde o primeiro dia de governo, Guedes diz que as medidas virão, mas nós não trabalhamos mais com essa perspectiva”, disse Solmucci.
Para Ottoni, como o Orçamento do governo é restrito, é necessário aprimorar os mecanismos para avaliar o custo-benefício dos programas de emprego.
“Em um contexto de pouco dinheiro, você quer que cada real gasto na política gere o maior efeito possível. E o problema é que o governo tem feito muito pouco disso”, afirmou.
Entenda os programas
Benefício Emergencial (BEm)
Programa emergencial que autoriza suspensão de contrato e redução de jornada e salário de trabalhadores, com compensação parcial paga pelo governo às pessoas afetadas
Situação – Sem Orçamento, relançamento do programa atrasou. Equipe econômica chegou a avaliar programa com menor custo, cortando gastos do seguro desemprego, mas ideia foi barrada por Bolsonaro. Agora, medida deve ser editada com despesa fora do teto de gastos
Carteira Verde a Amarela
Contrato de trabalho mais flexível, com autorização para prestação de serviços por hora e remuneração proporcional ao período trabalhado. Alcançaria trabalhadores de baixa renda, que teriam custo de contratação reduzido
Situação – Modelos do programa passam por avaliação no Ministério da Economia, mas faltam recursos para compensar a perda de arrecadação. Ainda não há previsão de lançamento
Imposto de Renda Negativo
Trabalhadores de baixa renda receberiam uma espécie de complementação de salário pelo governo, com pagamento direto à pessoa ou a um fundo de Previdência
Situação – Programa está indefinido porque carece de fonte de financiamento. Outro entrave é o teto de gastos, que poderia ser pressionado por esses repasses
Desoneração ampla e linear de salários
Plano para cortar encargos trabalhistas no país. Versão mais recente prevê que seja feita desoneração sobre um salário mínimo
Situação – Compensação do programa depende da criação de um imposto de transações aos moldes da extinta CPMF, que sofre rejeição dentro e fora do governo. Não há plano para apresentação
Fonte: Folhapress