O processo de beatificação do Padre Cícero, divulgado neste sábado (20) foi autorizado pela igreja católica. Em missa em Juazeiro do Norte, o bispo da diocese do Crato, Dom Magnus Henrique Lopes, leu um trecho da carta escrita pelo papa Francisco, escrito essencial para a continuidade do processo, que pode, eventualmente, desdobrar-se para a canonização.
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Conforme o vaticanista Filipe Domingues, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, o processo é relativamente recente considerando o percurso da igreja. “No início da história, os santos eram proclamados santos por aclamação popular. As pessoas os veneravam depois da morte, consideram santo, e aí o bispo local dizia santo”, explicou, ressaltando a informalidade do processo.
No entanto, a instituição igreja viu a necessidade de fazer maior controle desse processo — haveria, com isso, a possibilidade de uso político por reis ou famílias nobres, que buscavam “comprar” esse título, apontou o especialista.
Como se dá o processo
Conforme Filipe Domingues, a primeira necessidade é a existência de um reconhecimento local da pessoa a ser beatificada. “A aclamação popular existe, e isso é pra todos os casos”, afirmou, dizendo que a população precisa nutrir devoção pela pessoa a ser considerada santa. Isso, no caso do Padre Cícero, já existe.
No entanto, há a necessidade de um fator concreto para a concessão do título. Para tal, o bispo se direciona ao Vaticano, apresenta o pedido para a Santa Sé e indica as propriedades do candidato para isso. Se não houver impedimento, o papa em exercício autoriza o processo — que não tem data para ser concluído — via carta.
Após a autorização, a diocese deve preparar um dossiê de pesquisa sobre a vida do candidato a santo. O levantamento deve trazer depoimentos de pessoas que o conheceram ou alguém que pesquisou bem a vida dele, e o percurso não necessariamente deve ser ilibado.
“O santo não precisa ter vivido uma vida perfeita […] O importante é o processo que aquela pessoa viveu, de conversão de mobilizar outras pessoas para Deus”, afirma, dizendo que outros santos tiveram uma vida fora dos padrões religiosos antes de serem submetidos ao exame para a titulação.
O vaticanista acrescenta que, mesmo com Padre Cícero tendo vivido relações com a política e não sendo reconhecido pelo milagre da hóstia, esse não é um impedimento no processo. A objeção só ocorreria com a não conciliação do religioso com a igreja católica, que concedeu, em 2015, perdão a punições contra o padre.
Com o processo concluído, forma-se um tribunal eclesiástico diocesano, ainda em caráter local. Nele, o bispo nomeia um postulador, eleito para ser o representante da causa em prol da beatificação. A função é incumbida de reconstruir a vida com outra pesquisa para demonstrar as virtudes santas do candidato.
Assim, o postulador seleciona um milagre e se volta à documentação dele, reunindo, por exemplo, laudos médicos e outras provas que atestem a fundamentação do milagre em uma perspectiva sobre-humana, divina. Após conclusão do levantamento, este é levado pelo postulador ao Vaticano.
Ainda segundo o vaticanista, esse procedimento leva “o tempo que precisar”. “Pode demorar anos, mas eles tentam fazer rápido”, disse Filipe Domingues, acrescentando que o processo para beatificação, porém, deve esperar em torno de cinco anos após a morte do candidato para ser iniciado.
Fase no Vaticano
Com a chegada do dossiê ao Vaticano, os trâmites passam a ocorrer com o Dicastério para as Causas dos Santos. Esse setor da Cúria Romana se volta para análise do documento, em prazo também não definido.
Se o Dicastério considerar que o candidato é mesmo uma pessoa interessante para a beatificação, eles vão reconhecer que essa pessoa tem “virtudes heroicas”. Em alguns casos, exemplifica o especialista, o candidato também pode ser considerado um mártir, caso tenha sido morto por motivos de fé.
Uma vez as virtudes tendo sido reconhecidas, estas serão apresentadas ao papa, que dará o seu próprio parecer sobre o assunto. Filipe Domingues indica que, normalmente, o pontífice considera as proposições do Dicastério. Se ele acata as virtudes, o candidato passa a ser considerado “venerável”.
Para haver a beatificação, há a necessidade de avaliação de um milagre, que deve ter ocorrido após a morte do candidato. “A ideia por trás disso é de que, se a pessoa está no céu ao lado de Deus, ela consegue interceder com Ele para a ocorrência junto dos que estão na Terra”, explica o especialista, citando que supostos milagres feitos em vida podem compor as virtudes no candidato.
O milagre escolhido para o exame deve ter comprovação de intercessão divina para existir, fundamentado por documentos que mostrem não haver explicação científica para a ocorrência. Exemplo disso seria um caso de câncer terminal curado em tempo recorde, apontou Filipe Domingues, pontuando as dificuldades para essa valoração.
“No Vaticano, há uma comissão, a qual pode inclusive questionar os fatos. Tem grupos de pessoas lá que servem para tornar o processo mais difícil.”
Se o milagre for, enfim, reconhecido, o Dicastério volta ao papa, que deve reconhecer o milagre. Caso isso ocorra, Padre Cícero pode ser considerado beato, e a igreja autoriza a devoção local a ele.
O vaticanista ressalta que, apesar de haver ampla reverência da população ao Padre Cícero, ele não é acolhido pela igreja católica — a instituição recebe as manifestações de fé das pessoas, que já chegaram a maiores proporções. Em razão disso, ele não tem autorização de uma igreja em seu nome, por exemplo.
A antecipação dessa devoção popular não é necessariamente um problema, apontou, desde que não tenha sido manipulada para ocorrer. Se a interferência, em algum momento dos trâmites da beatificação, fosse comprovada, a igreja poderia não reconhecer a candidatura, e o processo “ficaria por isso mesmo”.
Beatificação
Caso Padre Cícero seja beatificado, haverá uma cerimônia no local em que ele fez sua vida pública. O evento marcaria a permissão da devoção local pela igreja, a qual deveria ser restrita a esse âmbito. No entanto, se houver outro milagre nesse ínterim, o processo pode avançar para a fase de canonização.
Tal processo deve chegar, mais uma vez, ao papa, que tem o poder de proclamar o candidato ao status de santo. A pessoa alçada a esse reconhecimento pode, por exemplo, ter devoção mais ampla — a criação de imagens, festas, paróquias e até igrejas alusivas ao santo é permitida.
“Ser santo significa dizer que a pessoa está no céu, com Deus, e de lá intercede pelas pessoas aqui na Terra”, frisou o vaticanista, relembrando o rigor do processo para a chegada ao título. “Não é uma burocracia que a igreja faz só pra cumprir tabela; é para verificar e chegar o mais próximo da verdade do que a igreja acredita”.
Fonte: g1 CE