A variante ômicron do coronavírus está infectando famílias inteiras, provocando um dilema entre mães e pais que recebem diagnóstico positivo: é uma boa ideia sair de casa para testar o filho pequeno? Como se isolar e ainda cuidar da criança?
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Apenas na capital paulista, foram confirmados 188 casos por 100 mil habitantes de crianças de 0 a 4 anos contaminadas no dia 11 de janeiro, taxa superior aos 123 casos por 100 mil habitantes em 30 de abril do ano passado, pico da crise sanitária de Covid-19 no Brasil.
O número de infectados, no entanto, deve ser ainda maior em razão da falta de testes e da alta subnotificação, principalmente infantil. “A subnotificação entre crianças ocorre no mundo inteiro porque, em geral, se faz menos diagnósticos em pediatria”, afirma Renato Kfouri, pediatra e diretor SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
“As crianças são infectadas pelo coronavírus da mesma maneira que adultos, mas ficam assintomáticas, ou os sintomas são poucos, havendo menos diagnóstico.”
Renato Kfouri, pediatra
As epidemias familiares começam normalmente pelos adultos, diz o médico. “Como são os pais que cuidam das crianças, é difícil manter distanciamento se já estiverem infectados. É por isso que todos se contaminam. Muitas vezes é inevitável.”
“Só hoje [12 de janeiro] recebi três mensagens de pais que testaram positivo e não sabem o que fazer com as crianças”, afirmou a pediatra pneumologista Marina Buarque de Almeida, vice-presidente do Departamento de Pneumologia da SPSP (Sociedade de Pediatria de São Paulo).
“Não levei meu filho para testar”
O casal de empresários Nathália Godoy, 34, e Rafael Alexandre Nikolaus, 37, foram diagnosticados com Covid-19 no dia 10 de janeiro na cidade de Penha, a 120 km de Florianópolis. Os primeiros sintomas começaram no dia 3. No dia 6, Nathália percebeu que o filho de três anos começou a passar mal.
Portador de autismo, o menino Don não fala, mas o comportamento atípico chamou a atenção da mãe, que já desconfiava da contaminação do garoto, embora acreditasse que ele estivesse assintomático.
“O Don ficou irritadiço. Como não fala, ele chora quando não está bem”, disse Nathália, que estranhou os sinais emitidos pela criança. “Ele passou a colocar a mão na boca, no ouvido e na garganta, região da traqueia.”
Isolados, o casal preferiu não levar o filho ao médico e suspendeu as idas do garoto à terapia “para não contaminar ninguém”.
“Como a gente desconfiava que era Covid e ele não tinha falta de ar nem febre, preferimos não sair de casa para fazer o exame”, diz. “Em momento algum eu cogitei furar o isolamento.”
“A gente está reativamente bem para sair só para fazer um teste e colocar outros em risco.”
Nathália Godoy, empresária
Dilema semelhante viveu a tradutora Juliana Bittencourt, 35, que viu toda a família confinada depois que ela e o filho Caio, de um ano, foram diagnosticados com Covid-19 no dia 6 de janeiro.
Juliana decidiu levar o bebê ao médico depois de notar “um barulho estranho” quando o filho respirava. “Nós dois testamos para Covid e em uma hora saiu o resultado positivo para os dois”, afirmou.
“A pediatra que atendeu meu filho falou que nem adiantava testar meu marido e meu outro filho de 4 anos porque seria perda de tempo, e recomendou o isolamento de todos”
Juliana Bittencourt, tradutora
Ela passou a usar máscara dentro de casa, mas Pedro, o filho mais velho, e o marido, o representante comercial Osmar Bittencourt, 38, também apresentaram sintomas.
“A médica disse que é muito grande a chance de todos terem Covid quando alguém está positivo em casa”, lamenta.
Evite testar os filhos
“Se os pais estão contaminados, a gente presume que a criança também esteja. Nesse caso eu não recomendaria sair de casa para testar”, diz o pneumologista Frederico Fernandes, diretor da SPPT (Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia).
“Eu diria para isolar todo mundo por dez dias a partir do primeiro sintoma.”
Frederico Fernandes, pneumologista
Mas se a criança for do grupo de risco, com doenças pulmonares (como bronquite e asma), o pneumologista sugere testar. “Recomendo o antígeno [teste rápido] porque é mais fácil de coletar o material por meio da cavidade oral. O teste do tipo RT-PCR [padrão ouro] é muito invasivo, dolorido para crianças.”
O que fazer se a família toda se infectar?
Marina Buarque de Almeida, a pediatra pneumologista, disse o que recomenda aos pais que estão contaminados e querem proteger os filhos ainda sem diagnóstico.
“Qual é a faixa etária da criança? Se é bebê, os pais devem usam máscara o tempo todo. Se é uma criança a partir de seis anos ou adolescente, ele já pode ficar em isolamento em quarto separado, se houver”, aconselha. “Se apenas uma pessoa testou positivo, a gente isola este caso.”
Caso o doente seja o pai, por exemplo, ele deve dormir e comer separado da mãe e das crianças. “Quando precisar sair do quarto, precisa usar máscara, de preferência a N95 ou PFF2”, recomenda.
Como a mãe estava dormindo com o pai, diz Marina, “é melhor que ela durma também em quarto separado, e não com os filhos”. “Eu fui dormir na sala quando meu marido positivou.”
Os outros membros da família devem aguardar cinco dias desde o último contato com a pessoa infectada para então se testar. “Aí faz o RT-PCR para saber se está contaminado e assintomático, mas nem sempre é preciso porque a maioria que se contamina terá sintomas antes disso”, afirma.
Como cuidar de bebê?
Caso os pais tenham testado positivo e o bebê apresente sintomas, “mas está mamando, ativo e sorrindo”, o conselho é não sair de casa para testar, mas “monitorar remotamente com pediatra por WhatsApp e telemedicina”.
“Se a criança está com muita febre, desidratada, não mama, tem de levar ao médico, não tem jeito.”
Marina Buarque de Almeida, pediatra pneumologista
Em casa, os pais devem manter a criança bem hidratada. “Precisa tomar líquido com alguma fonte calórica, um pouco de carboidrato”, diz. “Se tiver diarreia, dar soro caseiro, que tem glicose e sais que as pessoas precisam repor.”
Com o tempo, é possível intercalar com suco e leite. “Dependendo da faixa etária, varia com sopa, mingau e ovo mexido. Crianças maiores podem comer gelatina caseira e tomar vitamina de fruta.”
Mas se a criança está com náusea, vomito, febre e dor, “é preciso medicar após orientação médica”, diz a especialista, que aconselha: “Não mande a criança para a casa dos avós, que são grupo de risco”.
“Tem de ficar longe da creche também. A criança é menos sintomática, mas a carga viral que produz é a mesma que a de adultos”, conclui.
Fonte: UOL