Um levantamento da coluna com dez municípios com mais de 100 mil habitantes que distribuíram oficialmente um kit com medicamentos para o chamado “tratamento precoce”, no ano passado, revela que nove deles registram uma taxa de mortalidade por Covid-19 mais alta do que a média estadual.
A única exceção, Parintins (AM), tem uma taxa de mortalidade apenas 1,3% menor do que a média do Amazonas: enquanto o estado registra um acumulado de 159 óbitos por Covid-19 por 100 mil habitantes, o dado do município é de 157 óbitos por 100.000 habitantes.
Os dados de municípios que distribuíram o ‘kit Covid’ não são suficientes para concluir que a prescrição dos medicamentos sem eficácia contribuiu para as taxas de mortalidade mais altas, mas desmontam o argumento de que o chamado “tratamento precoce” é capaz de salvar vidas.
Foram incluídos no levantamento todos os municípios com mais de 100 mil habitantes em que a distribuição de “kits Covid” pode ser confirmada pela coluna. Nenhuma cidade encontrada com esses critérios foi deixada de fora.
Segundo a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), com base nos estudos científicos mais recentes e consistentes, não existe tratamento precoce para a Covid-19. O protocolo da SBI segue preceitos semelhantes aos da Sociedade Americana de Infectologia e de outras entidades médicas especializadas.
As outras nove cidades que compõem o levantamento são Goiânia (GO), Campo Grande (MS), Natal (RN), Cuiabá (MT), Boa Vista (RR), Jundiaí (SP), Gravataí (RS), Itajaí (SC) e Cachoeirinha (RS). Todas registram uma taxa de mortalidade maior do que a de seus estados. Os dados são do Ministério da Saúde e referem-se ao acumulado até quarta-feira (20).
A diferença mais significativa se verificou em Itajaí, em Santa Catarina. Com 133 óbitos por Covid-19 por 100 mil habitantes, a taxa de mortalidade do município é 58,3% mais alta do que a do estado. Na capital do Rio Grande do Norte, Natal, a taxa de mortalidade pela doença causada pelo novo coronavírus é 57,1% mais alta do que a do estado. Em Cuiabá, capital do Mato Grosso, a taxa de mortalidade é 50,7% mais elevada do que a do estado como um todo (veja gráfico abaixo).
Remédios sem eficácia foram propagandeados pelo presidente
As prefeituras dos municípios montam seus ‘kits Covid’ com base em um protocolo do Ministério da Saúde que recomenda o chamado “tratamento precoce” com medicamentos que não têm eficácia comprovada contra a Covid-19.
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em diversas ocasiões defenderam que se o “tratamento precoce”, que inclui a controversa hidroxicloroquina ou cloroquina, tivesse sido adotado de forma massiva no Brasil, o país não teria registrado tantas mortes pela doença.
Os medicamentos que constam nos ‘kits Covid’ variam a depender da prefeitura que os distribuiu. Dos dez municípios pesquisados, apenas três não incluíram a hidroxicloroquina na cesta de medicamentos disponíveis nas Unidades Básicas de Saúde ou nas farmácias populares. Entre eles está Parintins, a única cidade do levantamento que teve taxa de mortalidade inferior à de seu estado.
Pazuello agora nega que tenha recomendado “kit Covid”
Todas as prefeituras dos municípios pesquisados, porém, incluíram no kit a azitromicina (antibiótico) — contraindicada para pacientes nos estágios iniciais da doença, segundo a SBI — e a ivermectina, um antiparasitário que não tem eficácia comprovada contra a Covid-19.
No início desta semana, o ministro Pazuello afirmou que nunca defendeu “tratamento precoce” para Covid-19, mas, sim, “atendimento precoce”. Foi desmentido prontamente, pois há inúmeros registros de sua defesa a remédios sem comprovação científica.
A insistência de Bolsonaro e de seu ministro em promover medicamentos sem eficácia desviou o foco de medidas que realmente podiam ajudar no combate à pandemia, como o distanciamento social e a compra de vacinas em quantidade suficiente para atender ao menos os grupos prioritários.
Por Diogo Schelp
Fonte: UOL