Uma equipe internacional de pesquisa integrada por brasileiros desenvolveu um fármaco capaz de eliminar o coronavírus nas narinas e impedir que a infecção se torne severa. Trata-se de um viricida, uma substância que destrói o vírus ao bloquear sua entrada nas células humanas. Com isso, ele não pode se replicar.
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O viricida foi desenvolvido a partir de uma proteína extraída originalmente de uma cianobactéria (também chamada de microalga azul) e oferece uma abordagem completamente diferente das empregadas até agora contra o Sars-CoV-2, tanto em medicamentos antivirais quanto nas vacinas contra a Covid-19. Em testes com animais, ele eliminou diferentes cepas do Sars-CoV-2, inclusive a ômicron.
— Ele não substitui a vacina, mas complementa as estratégias contra o coronavírus. Poderia ser empregado como spray nasal, por exemplo, em pessoas infectadas para evitar que a infecção se agrave ou naquelas que tiveram contato com infectados para bloquear a ação do vírus — afirma Amílcar Tanuri, um dos coordenadores do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos autores do estudo.
O trabalho foi publicado na prestigiosa revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Nele, os cientistas mostram que a cianovirina-N tem uma ação potente contra o Sars-CoV-2. A cianovirina-N é uma lecitina, uma proteína originalmente extraída de microalgas e com conhecida ação contra o HIV.
Tanuri já havia trabalhado com a cianovirina contra o HIV _ o projeto não foi adiante porque a forma de aplicação não era prática. Foi por isso que o cientista Elibio Rech o procurou em janeiro de 2020, quando soube da emergência de um novo coronavírus na China. Rech tem grande experiência com a cianovirina-N e seu grupo já havia conseguido produzi-la em soja transgênica, usada como biofábrica.
— Esse estudo mostra a importância da prospecção da biodiversidade em medicina e a força da ciência brasileira. É uma contribuição importante do Brasil — afirma Rech, pesquisador do Centro de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa (Cenargen) e diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Biologia Sintética.
Os cientistas brasileiros se associaram a uma equipe multidisciplinar, com pesquisadores dos Estados Unidos, e da Espanha para levar o trabalho adiante.
No estudo na PNAS, os pesquisadores dizem que “o mecanismo de ação de cianovirina-N é diferente das atuais terapias anti-Covid-19 ou dos alvos das vacinas. Por isso, a cianovirina-S é um potencial agente de ampla ação contra o Sars-CoV-2”.
A cianovirina-N é uma lecitina, um tipo de proteína com a capacidade de ligar a carboidratos. As lecitinas existem em algas, plantas e cianobactérias. Algumas lecitinas, como a cianovirina-N conseguem se ligar à membrana externa dos vírus. Com esse “pacote” extra, o vírus não consegue penetrar nas células humanas. Bate com a cara na porta e a infecção não vai adiante.
— O viricida não impede a infecção, mas evita que a carga viral se eleve. Ou seja, ele pode bloquear o desenvolvimento da doença. Os testes tanto em cultura de células quanto com animais foram animadores — salienta Tanuri.
Rech diz que a pesquisa enfrentou dificuldades, tanto por aporte financeiro quanto para conseguir laboratório capaz de levar adiante os testes com animais.
— Nos primeiros tempos da pandemia havia fila de seis meses para realizar experiências porque a demanda era enorme. Todos os grupos de pesquisa do mundo investigavam meios de enfrentar o coronavírus — diz Rech.
Tanuri e Rech destacam que toda a parte básica de pesquisa foi realizada, mas é necessário que um laboratório farmacêutico se interesse para que seja desenvolvido um produto de uso humano.
— O viricida atua de várias formas, tanto na transmissão quanto no tratamento. Mas é preciso investimento para que seja desenvolvido um produto de uso tópico nasal e mesmo oral — ressalta Tanuri.
Fonte: O Globo