Um dos grupos prioritários no esquema de vacinação contra a Covid-19, idosos acima de 75 anos representam 46,9% dos óbitos acumulados pela doença no Ceará. Do início da pandemia até as 8h47 desta quarta-feira (27), morreram, no Estado, 4.885 homens e mulheres dessa faixa etária — o total acumulado é de 10.402 óbitos, segundo o IntegraSUS.
A urgência em vacinar essas pessoas – nesta quarta-feira (27) teve início a vacinação domiciliar em Fortaleza – não é justificada “apenas”, de forma isolada, pelo alto índice de mortalidade. Idosos são os mais vulneráveis ao novo coronavírus, diante da dificuldade do organismo em combater infecções, seguidos pelos profissionais da saúde, que atuam na linha de frente no combate à doença.
Enquanto os mais novos sentem somente sintomas leves da Covid-19, a maioria dos idosos tende a desenvolver formas mais graves da doença, e não só devido a comorbidades.
Defesa natural comprometida
Naturalmente, ao longo dos anos, os sistemas imunológicos das pessoas se deterioram – processo chamado de “imunossenescência”. A depender de estilos de vida, uns mais, outros menos. Isso faz com que idosos sejam, portanto, mais vulneráveis a infecções mais graves, porque têm mais dificuldade em dar respostas imunológicas a agressões infecciosas.
“Pessoas idosas que envelhecem com maior fragilidade, maior ocorrência de doenças crônicas [como hipertensão e diabetes, por exemplo], com estilo de vida não saudável, vão acentuar a imunossenescência”, explica Jarbas Roriz Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante da comissão de Imunização da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
O especialista lembra ainda que, numa das fases da infecção, o corpo acaba se auto agredindo para tentar destruir o vírus, o que pode comprometer órgãos já comprometidos por comorbidades, por exemplo, no coração, no pulmão, no cérebro e nos rins.
Saúde mental
Além dessas vulnerabilidades, Jarbas chama atenção para o impacto da Covid-19 na saúde mental dos idosos. “Desde o início da pandemia, quando passam a chamar idoso de grupo de risco” e divulgam estatísticas de que a mortalidade é maior nesse grupo, destaca o professor.
Por causa disso, o isolamento social dessas pessoas foi mais rígido. Enquanto muitos filhos e netos puderam voltar a trabalhar e a praticar atividades cotidianas, eles tiveram de continuar em casa – alguns permanecem isolados até hoje. Com menos convívio social, há inúmeros casos de declínio cognitivo e desenvolvimento de pânico, ansiedade, depressão e até quadros de demência. “Todo esse isolamento tem agravado quadros cognitivos de pacientes, por exemplo, portadores de demências como Alzheimer”, observa Jarbas.
A esperança da vacina
A chegada das primeiras doses das vacinas contra a Covid-19 ao Ceará, apesar de remessas ainda pequenas, contribuem para melhorar as condições psicológicas dos idosos. “É muito positivo porque cria uma esperança de se sentir protegido e, a partir do momento de estar imunizado, retornar ao convívio social com familiares e amigos. Poder sair de casa, fazer atividade física, de entretenimento, de lazer. Ter o cotidiano de volta”, analisa Jarbas.
É como se sente Maria José de Almeida Braga Cavalcanti, de 82 anos, que tomou o imunizante no Centro de Eventos do Ceará na segunda-feira (25). “Fui uma privilegiada. Ficaria felicíssima se todos tomassem também e se sentissem com uma defesa, apesar de ser pouca”, compartilhou. Segundo a neta, a advogada Camille Cavalcanti, 28, Maria e o esposo estão em isolamento desde o início da pandemia no Estado e não foram infectados pelo vírus.
Maria, Camille contou, é diabética e já perdeu metade de um pulmão. E, por mais difícil que tenha sido isolar a avó do bisneto, o Bernardo, a advogada tem consciência de que o distanciamento físico foi o que a protegeu. “Minha avó é minha melhor amiga”, disse.
“A pandemia me afetou na falta do abraço, da convivência com os amigos, do supermercado, do meu grupo de oração, da minha vida social. Minha rotina parou. Meu corpo, engordei. Viver enclausurada é difícil”, relatou Maria. A vacina, agora, está mudando essa perspectiva, mas não diminui na dona de casa o senso de responsabilidade coletiva: “ainda temos que usar máscara e ter cuidado pra não transmitir essa doença pros outros”, estabelece, consciente.
“Dádiva”, diz médico idoso sobre vacina
O médico psiquiatra Arão Zvi Pliacekos, de 65 anos, também tomou a vacina nesta semana. Não por ser idoso, porque sua faixa etária não está contemplada agora, mas porque trabalha nas unidades de internação e na emergência do Hospital de Saúde Mental (HSM) de Fortaleza — consideradas linhas de frente da Covid-19.
Dr. Arão foi infectado pelo coronavírus em março do ano passado, no início da pandemia. Não tinha comorbidades, mas sentiu uma súbita falta de ar que o fez passar 16 dias entubado numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “O sofrimento de não poder ter contato com a família [devido ao isolamento no hospital] me fez refletir muito sobre minha existência e sobre o quanto é importante a gente ser mais generoso com a gente mesmo, mais humilde”. Como sequela da doença, ele contou que perdeu 30% da capacidade de visão no olho direito.
“A vacina, pra mim, representa a esperança de que a pandemia deixe de existir e de que as pessoas possam manifestar seu afeto. Veio como uma dádiva”, disse o médico psiquiatra.
Prioridades
O professor Jarbas Roriz reconhece a escassez de imunizantes — por enquanto, o Ceará dispõe somente de cerca de 330 mil doses de vacinas, considerando as da Sinovac/Butantan e as da Oxford/Fiocruz/Astrazeneca. Contudo, indica que cuidadores de idosos e profissionais da saúde que têm contato direto com essas pessoas devem estar na sequência de prioridade do plano de vacinação, para que, aos poucos, se consiga interromper a disseminação do vírus.
“A imunização é a estratégia de bloqueio de surtos epidêmicos mais eficiente que existe. O impacto extrapola o benefício individual de uma pessoa idosa ser imunizada. […] Não adianta a gente pensar individualmente, tem que pensar coletivamente”, considera o especialista, que tranquiliza: “a vacina é segura”.
Por Luana Severo
Fonte: Diário do Nordeste